Desembargador e advogados não acionaram Forças Armadas contra STF e governadores

É falsa a mensagem sobre chamamento de militares por decisão que retiraria poderes do presidente da República

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São Paulo

É falsa a informação veiculada em vídeo no Youtube de que as Forças Armadas foram chamadas às pressas para prender ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) em função de uma decisão que retiraria poderes e competências do presidente da República.

Publicado em 11 de abril, o vídeo afirma que o jurista Modesto Carvalhosa, o desembargador aposentado Laércio Laurelli e o advogado Luís Carlos Crema acionaram as Forças Armadas contra o STF e governadores. O vídeo atingiu rapidamente 430 mil visualizações.

Como verificado pelo projeto Comprova, o conteúdo do vídeo é mais uma versão de boatos que circularam nas redes sociais e aplicativos de mensagem e que citam Laurelli e Carvalhosa como co-autores de uma petição elaborada pela equipe do advogado Luís Carlos Crema para pedir que a União garanta, mediante ação das Forças Armadas, a execução unificada em todo o território nacional de medidas contra os impactos da pandemia do novo coronavírus. A petição foi elaborada no dia 6 de abril.

No dia 7 de abril, os juristas em questão fizeram declarações públicas em seus respectivos perfis nas redes sociais negando que tenham entrado em conjunto com a petição. O próprio Crema negou a participação dos juristas em uma postagem em sua página no Facebook. Ele também reafirma que “o objetivo da petição é tão somente que todos os brasileiros tenham tratamento igualitário em todo o território nacional”.

Falso para o Comprova é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

O Comprova entrou em contato com os três juristas citados. Carvalhosa e Laércio Laurelli já haviam se posicionado em suas redes sociais e negado assinatura da peça. O próprio advogado Luis Carlos Crema escreveu em sua página no Facebook que os outros dois não faziam parte da equipe que redigiu a petição.

O Comprova ainda entrou em contato com o escritório do advogado que confirmou o protocolo da petição junto à Presidência da República.

Modesto Carvalhosa publicou em seu perfil oficial no Facebook mensagem negando que tenha redigido ou assinado tal petição. “Soube que tem circulado uma petição eletrônica, com minha assinatura, que requer ao presidente da República a intervenção das Forças Armadas em decorrência da pandemia do novo coronavírus. Não redigi essa petição, não assinei essa petição, não autorizei que ninguém apusesse minha assinatura em tão rematado absurdo.”

Carvalhosa é professor aposentado da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Participou da Comissão Especial de Investigação criada pelo então presidente Itamar Franco para apurar o escândalo dos Anões do Orçamento.

No mesmo dia, Luís Carlos Crema confirmou, também em seu Facebook, que a petição não teve o apoio e nem a assinatura de Carvalhosa ou do desembargador Laercio Laurelli. Posteriormente, em entrevista sobre o tema, Crema disse que defende uma intervenção pontual e não que os militares assumam o poder. Crema é advogado e autor de ao menos cinco pedidos de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff.

O terceiro jurista mencionado no vídeo, Laércio Laurelli, é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Foi o primeiro secretário-geral do Grupo de Apoio à Justiça e membro do Conselho Consultivo da Comissão de Direito Penal Militar da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo.

Carvalhosa, Laurelli e Crema já compartilharam a autoria de várias petições, incluindo pedido de impeachment contra o presidente do STF, Dias Toffoli, e os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Os pedidos, no entanto, são anteriores à crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. Todos foram engavetados pelo Senado. O trio também já pediu o cancelamento do registro de nove partidos acusados na Operação Lava Jato.

Respondendo a um pedido da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu no dia 8 de abril que estados e municípios podem estabelecer políticas de isolamento social no combate ao avanço do novo coronavírus. Isso significa que o governo federal não pode interferir nessas medidas.

A OAB havia pedido ao STF que obrigasse o presidente Jair Bolsonaro a respeitar as decisões dos governadores; não interferir no trabalho técnico do Ministério da Saúde; e seguir o protocolo da OMS (Organização Mundial de Saúde).

Em sua decisão, o ministro cita a existência de “grave divergência de posicionamentos entre autoridades de níveis federativos diversos e, inclusive, entre autoridades federais componentes do mesmo nível de governo, acarretando insegurança, intranquilidade e justificado receio em toda a sociedade”.

Moraes diz ainda que “não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas […] reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, como demonstram a recomendação da OMS e vários estudos técnicos científicos”.

As divergências entre os poderes Executivos federal e estadual começaram no início de fevereiro, quando Bolsonaro desafiou os chefes dos entes a zerar o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), dizendo que estava preparado para zerar os impostos federais sobre os combustíveis como resposta.

O pano de fundo do comentário do presidente envolvia pressões para que o preço da gasolina nos postos caísse, acompanhando os cortes anunciados pela Petrobras no valor do combustível às refinarias.

Foi uma questão de dias até que o clima de tensão entre Bolsonaro e os governadores atingisse um novo pico, mas, desta vez, relacionado às estratégias de combate à disseminação da Covid-19 no país.

“Estão tomando medidas, no meu entender, exageradas. Fecharam o aeroporto do Rio de Janeiro. Não compete a ele, meu Deus do céu! Parece que o Rio de Janeiro é um outro país”, disse Bolsonaro, no dia 20 de março, diante da intenção do governador Wilson Witzel de isolar o Rio para transportes de passageiros.

Bolsonaro já se posicionou diversas vezes contra o isolamento social e entrou em atrito com governadores que adotaram medidas de restrição aos transportes e ao comércio. Ele foi alvo de críticas de seu ex-aliado Ronaldo Caiado (DEM), governador de Goiás, e trocou acusações com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), durante uma reunião com os governadores do Sudeste.

O vídeo também sugere que uma eventual intervenção militar seria sustentada pelo artigo 142 da Constituição, o que também é falso, já que a lei brasileira não permite que uma decisão desse tipo seja tomada somente pelo Executivo, sem o aval do Congresso.

A verificação desse conteúdo também foi feita pelo Estadão e Exame e publicada pelo projeto Comprova nesta quarta (15). Coalizão reúne 24 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus.

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