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Coronavírus

Dúbio, Bolsonaro minimiza pandemia enquanto busca mais poder no STF

Comportamento incoerente do presidente é fator de insegurança em meio à crise sanitária

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Enquanto minimiza a gravidade da pandemia no Brasil em seguidos pronunciamentos à imprensa na porta do Palácio da Alvorada, em convocação de rede obrigatória de rádio e TV ou por meio de campanhas publicitárias oficiais, Jair Bolsonaro adota posição diferente em demandas levadas ao Supremo Tribunal Federal.

Nas três ações propostas ao STF e assinadas pelo presidente, a pandemia do coronavírus é descrita como fator de reconhecida e notória gravidade a justificar seus pedidos.

A primeira ação proposta pede a suspensão da ampliação do BPC (Benefício de Prestação Continuada), aprovada pelo Congresso, em razão da “crescente emergência sanitária e econômica que se desenha com a expansão da contaminação do coronavírus”.

A segunda ação pede que o Supremo reconheça um estado de excepcionalidade no funcionamento do Congresso, em razão de deliberações virtuais, e autorize a supressão do controle legislativo sobre as medidas provisórias editadas pelo presidente, “ciente da gravidade da crise provocada” pelo vírus.

Trata-se de ação perigosa e afrontosa à separação de poderes, afinal, nem em estado de sítio o funcionamento do Congresso é afetado. A resposta do Congresso foi direta —“A democracia não pode parar”—, e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, corroborou a posição do legislativo.

A terceira ação pede ao Supremo a suspensão de artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 que exigiriam a indicação de formas de compensação para aumento de despesas, necessárias em “contexto de excepcionalidade sanitária, econômica e fiscal” para a adoção de “políticas públicas destinadas aos programas de prevenção da disseminação do coronavírus e de proteção da população vulnerável atingida por referida pandemia”.

Moraes entendeu que a suspensão desses artigos se adequaria à decretação de calamidade pública, aprovada pelo Congresso, já usada para flexibilizar as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, desde que acarrete, “exclusivamente, o combate aos efeitos da pandemia da Covid-19 e a finalidade maior de proteção à vida, à saúde e a subsistência de todos os brasileiros, com medidas socioeconômicas protetivas aos empregados e empregadores”.

O que se vê, claramente, é o presidente usar a pandemia para flexibilizar os controles que lhe são impostos pela lei, ao mesmo tempo que desdenha da sua gravidade em pronunciamentos.

O comportamento incoerente de Bolsonaro foi notado e repreendido em outras decisões do STF que preservaram a competência de governadores e prefeitos para lidar com a emergência de saúde, mantiveram em vigor a Lei de Acesso à Informação e coibiram a propaganda “o Brasil não pode parar”, que incitava brasileiros a descumprirem as orientações de isolamento.

Neste caso, Luís Roberto Barroso afirmou: “Se o Poder Público chama os cidadãos da ‘Pátria Amada’ a voltar ao trabalho, a medida sinaliza que não há uma grave ameaça para a saúde da população e leva cada cidadão a tomar decisões firmadas em bases inverídicas acerca das suas reais condições de segurança e de saúde [...] Não custa lembrar que a campanha publicitária aqui atacada conflita com orientações do Ministério da Saúde”.

A disfuncionalidade da resposta governamental também foi levada ao Supremo, e o presidente deverá explicar, afinal, qual é a política adotada de combate ao coronavírus.

A atuação do presidente não é mera confusão, mal-entendido. Após 16 meses no cargo, já é possível entender que seu comportamento desafia as instituições de controle e desperdiça recursos: sucessivas decisões são tomadas e, ainda mais rapidamente, anuladas. Pronunciamentos são seguidos de retratações dúbias.

O mesmo roteiro agora é repetido: ora a pandemia é grave, a justificar mais poder, ora é uma “gripezinha” que não exige isolamento.

O episódio mais claro dessa confusão talvez seja aquele em que o presidente, um idoso cercado de pessoas contaminadas por todos os lados, acompanhado do presidente da Anvisa, marca presença em aglomeração em manifestação em Brasília, mesmo diante de quarentena determinada pelo governador e recomendada pelo Ministério da Saúde.

Não é apenas um mal-entendido. Na verdade, trata-se de um estilo de governança que gera insegurança em meio a uma enorme crise sanitária que, por si só, já traz enormes desafios à vida de todos. O caos criado pelo presidente não interessa a ninguém, a não ser a ele próprio.

Eloísa Machado de Almeida

Professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP

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