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Dias Toffoli

José Sarney, o fiador da transição democrática

Ex-presidente completa 90 anos nesta sexta (24), e sua biografia traz muitas lições para o momento delicado pelo qual passamos

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No dia de hoje, o ex-presidente José Sarney completa 90 anos, 60 dos quais dedicados à vida política e ao povo brasileiro.

Foi presidente da República (1985-1990); senador por cinco mandatos (1971-1985 pelo Maranhão e 1991-2015 pelo Amapá); presidente do Senado Federal por três vezes; governador do Maranhão (1966-1970) e deputado federal pelo mesmo estado (1955-1958 como suplente e 1959-1965 como titular). Ninguém, na história do país, exerceu, por tão longo período, mandato conferido pelo voto popular.

Elegeu-se para a Câmara dos Deputados contra o establishment da época, encarnando o anseio por renovação. Na UDN, comandou o Bossa Nova, movimento de oposição aos veteranos do próprio partido cujo lema era o desenvolvimento com justiça social.

Vale lembrar, por ocasião dos 60 anos de Brasília, que Sarney foi favorável à construção da nova capital, contra a opinião de muitos de seus pares e as diretrizes de seu próprio partido. Compreendia que o deslocamento da capital para o centro do país ampliaria as fronteiras do desenvolvimento nacional e realizaria importante estratégia de geopolítica internacional, por viabilizar a proteção da Amazônia.

Após a morte de Tancredo Neves, José Sarney, o vice eleito, assume a Presidência da República e a responsabilidade pela implantação da Nova República. Soube dialogar com diferentes forças políticas, das alas mais à esquerda às lideranças militares. Apaziguou ânimos e evitou irrupções. Promoveu, assim, a estabilidade política necessária à continuidade do projeto democrático.

Em 1985, em meio ao renascimento dos movimentos sociais, Sarney enfrentou mais de 500 greves. Não obstante, restituiu as liberdades públicas ao povo: convocou a Assembleia Nacional Constituinte, restabeleceu os partidos que estavam na clandestinidade, conferiu liberdade aos sindicatos, garantiu o voto aos analfabetos e pôs fim à censura.

Em seu mandato, foi promulgada a Constituição de 1988. Em suas palavras, representava o “grande e novo pacto nacional, que far[ia] o país reencontrar-se com a plenitude de suas instituições democráticas”. Ao Judiciário, caberia uma das mais importantes tarefas, a de “descobrir a alma da Carta”.

Sarney promoveu também a aproximação entre Brasil e Argentina. Em 1985, assinou com o presidente da Argentina, Raúl Alfonsín, a Declaração de Iguaçu. Selou-se ali um dos mais bem-sucedidos tratados de cooperação nuclear do mundo, o embrião do Mercosul.

O Presidente Sarney nos legou um país capaz de gerir sua volumosa dívida externa, graças a medidas de modernização da administração orçamentária como a criação da Secretaria do Tesouro Nacional, que possibilitou a unificação do Orçamento geral da União. Não fosse essa iniciativa, é provável que não tivéssemos hoje a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Na sua longa caminhada como homem público, Sarney nunca descurou da família, à qual sempre dedicou amor, carinho e atenção. Também nunca deixou de cultivar boas amizades, muitas delas com intelectuais do mundo todo.

Poeta, romancista, contista e ensaísta, José Sarney é da estirpe dos intelectuais maranhenses que remonta à São Luís do século 18, a “Atenas brasileira”. Integra a Academia Maranhense de Letras desde 1952 e a Academia Brasileira de Letras desde 1980. Durante 20 anos ininterruptos, escreveu crônica semanal para o jornal Folha de S.Paulo.

A biografia de Sarney traz muitas lições para o momento delicado pelo qual passamos. Ele sempre escolheu o caminho do diálogo, da conciliação e da manutenção da institucionalidade, em prol do bem maior que é a democracia. Disse ele: “[m]inha contribuição, a maior de todas, foi não ter deixado a democracia morrer nas minhas mãos. Que ela se consolide, dê frutos, faça a felicidade do povo e seja forte para resistir a perigos”.

Em seu aniversário, é preciso ouvir nosso presidente da transição democrática. Ainda que nos tempos mais complexos, não há solução possível fora do Estado democrático de Direito. Não há caminho sem respeito à Constituição, nosso pacto fundante e nossa guia. Urge que exercitemos a serenidade, a capacidade de diálogo e o espírito conciliatório, para o bem do país e da democracia.

Parabéns, presidente José Sarney!


Vida e trajetória política de José Sarney

Nascimento
José Ribamar Ferreira de Araújo Costa nasce em 24.abr.1930, em Pinheiro (MA)

Formação
Conclui em 1953 o bacharelado na Faculdade de Direito do Maranhão

Primeiro cargo eleito
Em out.1954 elege-se quarto suplente de deputado federal pelo Maranhão, então no PSD (Partido Social Democrático). Em 1956 e 1957, chega a ocupar uma cadeira na Câmara por curtos períodos de tempo

Professor
Em 1957 começa a dar aulas na Faculdade de Serviço Social da Universidade Católica do Maranhão

Deputado
Elege-se deputado federal em out.1958, já na UDN (União Democrática Nacional), partido conservador do qual seria um dos principais líderes

Governador
Em out.1965, com o apoio do marechal Castello Branco, primeiro presidente da ditadura militar, elege-se governador do Maranhão. No mesmo ano, adota legalmente o nome José Sarney, referência ao pai, Sarney de Araújo Costa

Partido governista
Pouco após a eleição para o governo maranhense, é instituído o bipartidarismo no Brasil. Sarney ingressa na sigla que dá sustentação ao regime militar, a Arena (Aliança Renovadora Nacional)

Senado
Em 1970, é eleito para o primeiro mandato de senador, cargo que manteria até 1985

Imortal
Autor de mais de uma dezena de livros, entre romances, contos, poesia e ensaios, é eleito em 1980 para uma cadeira na Academia Brasileira de Letras

Vice de Tancredo
Uma complexa articulação coloca Sarney como vice-presidente na chapa de Tancredo Neves, do PMDB, opositor da ditadura, na votação indireta realizada pelo Colégio Eleitoral em 15.jan.1985

Presidente
A internação de Tancredo para uma cirurgia na véspera da posse, em 15.mar.1985, faz com que Sarney assuma interinamente a Presidência. Com a morte de Tancredo, em 21.abr, Sarney assume em definitivo. Seu governo é marcado, no campo interno, pela hiperinflação e sucessivos planos econômicos fracassados, e no campo externo, pelo estreitamento de relações com a Argentina que cimentaria as bases para o Mercosul

Volta ao Senado
Sarney deixa a Presidência em 1990. Após falhar em articular sua candidatura a senador pelo Maranhão, consegue se eleger pelo Amapá, ex-território alçado à condição de estado naquele ano. Permanece no Senado até 1º.fev.2015, um ano após anunciar que não tentaria a reeleição. Foi presidente da Casa em três ocasiões: 1995-1997, 2003-2005 e 2009-2013

Dias Toffoli

Ministro do Supremo Tribunal Federal

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