Limparam até as minhas gavetas, diz Mandetta ao anunciar permanência na Saúde

Ministro teve a demissão avaliada por Bolsonaro, mas acabou mantido no cargo após pressão

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Após voltar de reunião no Palácio do Planalto, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse nesta segunda-feira (6) que ficará no cargo, após as especulações de que seria demitido pelo presidente Jair Bolsonaro.

"Nós vamos continuar, porque continuamos, vamos continuar enfrentando o nosso inimigo, que tem nome e sobrenome, o Covid-19", disse, em entrevista coletiva no ministério. "Temos uma sociedade para lutar e proteger, médico não abandona paciente e não vou abandonar."

O ministro afirmou que a semana de trabalho começou com mais um "solavanco" e que espera "ter paz pra poder conduzir".

“Hoje foi um dia que rendeu muito pouco o trabalho do ministério”, brincou. “Teve gente limpando gaveta, pegando as coisas. Até as minhas gavetas."

A declaração ocorreu horas após vir a tona a informação de que Bolsonaro avaliava demitir o ministro. Mandetta não citou em nenhum momento o nome do presidente.

Ao chegar, o ministro recebeu aplausos e agradeceu a equipe, que o esperava para ouvir sua fala. Durante a entrevista, esteve ao lado de cinco secretários da pasta.

"Não é hora de aplaudir ninguém, não terminou nada", respondeu. “É o que já falei: lavoro, lavoro, lavoro”, citando a palavra trabalho em italiano.

Mandetta afirmou que a reunião no Palácio do Planalto foi produtiva para aumentar a união entre diferentes partes do governo. Novamente sem citar o presidente, ele pediu um bom ambiente para trabalhar.

"A única coisa que pedimos é que tenhamos o melhor ambiente para trabalhar aqui no Ministério da Saúde. Entendo que a reunião foi muito produtiva, foi muito boa. Acho que o governo se reposiciona, no sentido de ter mais união, de ter mais foco, de todos unidos em direção a esse problema."

Em um recado ao governo, Mandetta disse ainda que a pasta está aberta a sugestões e críticas, mas que há dificuldades quando elas “não vêm para construir”.

“Não preciso traduzir, vocês todos sabem que tem sido uma constante o ministério adotar uma determinada linha e termos muitas vezes que voltar e fazer contrapontos para podermos reorganizar. A equipe fica numa situação de angústia”, disse.

Mandetta afirmou que a equipe deverá continuar a trabalhar "até quando formos nominados, ou até quando o presidente entender. Estamos aqui para ajudar. Mesmo que venha outra equipe, estamos aqui para ajudar".

Na noite desta segunda-feira, Bolsonaro fez uma provocação ao infectologista David Uip, encarregado pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), de chefiar o centro de contingência contra coronavírus no estado.

Uip voltou ao trabalho nesta segunda, após se recuperar da Covid-19, e, questionado pelo apresentador José Luiz Datena, da Band, evitou responder se havia feito uso da hidroxicloroquina. "O médico David Uip tomou, ou não, HIDROXICLOROQUINA para se curar?", escreveu Bolsonaro em rede social.

Integrantes do chamado núcleo moderado do governo, que inclui militares, conversaram nesta segunda-feira desde cedo com Bolsonaro na tentativa de demovê-lo da ideia de exonerar Mandetta no curto prazo. Em conversas reservadas, o presidente chegou a dizer que a situação estava insustentável.

Num primeiro momento, a pressão fez efeito. Ministros de fora do Planalto estavam apreensivos com a reunião ministerial convocada por Bolsonaro para o final da tarde desta segunda, com receio de que ele anunciasse a saída do titular da Saúde.

O encontro teve um clima tenso, segundo relatos, mas o presidente não deu sinais de uma exoneração próxima.

Na reunião, Bolsonaro e Mandetta expuseram divergências sobre o uso da cloroquina em casos de coronavírus.

O presidente disse que havia conversado com especialistas que defendiam o uso do remédio em estágio inicial da doença e cobrou um protocolo sobre a substância durante a pandemia.

Bolsonaro citou um estudo da operadora Prevent Senior e do Hospital Albert Einstein que envolve o uso do medicamento, também usado contra malária, em pacientes com a Covid-19.

O ministro da Saúde, por sua vez, disse que a pesquisa citada ainda não havia sido publicada e defendeu que não há ainda protocolos seguros sobre o uso do remédio.

Bolsonaro não refutou e ouviu de ministros apelos para que a equipe mantenha a união.

A reunião serviu, dizem ministros, para Bolsonaro reforçar sua autoridade. O presidente disse que está sob ataque de adversários, reclamou de governadores e da imprensa, e por isso quer seus ministros atuando unidos.

Bolsonaro frisou, porém, que será dele a palavra final sobre as medidas de combate ao coronavírus.

Segundos relatos, o chefe do Executivo disse que no passado deixou a equipe muito livre para tomar decisões. Mas afirmou que, agora, diante da atual crise, ele quer ser informado em detalhes sobre o que cada pasta planeja.

Em dado momento, o presidente direcionou a fala ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e disse que ele e Mandetta precisavam encontrar um ponto de equilíbrio entre saúde e economia.

Apesar de não ter indicado que vai demitir o ministro da Saúde, aliados de Bolsonaro avaliam que ele cobrou do auxiliar medidas concretas que prevejam a retomada de atividades nos próximos meses com segurança para a população.

No final do encontro, Mandetta disse que está no governo para contribuir, em um aceno ao presidente.

"Eu acho que a coisa vai se ajustando"​, disse à Folha o vice-presidente, Hamilton Mourão.

Apesar de não ter dado sinais na reunião de que vai demitir o ministro, aliados de Bolsonaro o consideram imprevisível e por isso buscam alternativas para o cargo. A ideia é encontrar um nome favorável ao uso da hidroxicloroquina.

Mandetta afirmou que após a reunião com o presidente foi levado para uma sala para discutir um protocolo de hidroxicloroquina "por decreto". Apontando para Denizar Vianna, secretário de Ciência e Tecnologia e Insumos, ele disse que deveriam discutir com ele a questão.

Segundo Mandetta, novas medidas devem ser tomadas pela “ciência, disciplina, planejamento e foco".

A ideia inicial de Bolsonaro era exonerar o auxiliar presidencial apenas em junho, de modo a não correr o risco de ser responsabilizado sozinho caso o sistema de saúde entre em colapso durante a pandemia da doença.

Em conversas reservadas nesta segunda-feira, no entanto, o presidente disse que não tinha como manter o auxiliar no cargo. Para Bolsonaro, ele o tem desafiado em declarações públicas e não conta mais com a confiança do presidente.

O núcleo moderado do Planalto defende que, caso o presidente substitua Mandetta, escale um médico com um currículo respeitável, que ajude a reduzir um eventual desgaste público com a saída de Mandetta.

Sem a presença de Mandetta, o presidente almoçou com os quatro ministros palacianos e com o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS). O parlamentar, cotado para o posto e defensor da hidroxicloroquina e do isolamento vertical, tem ajudado o presidente em uma eventual transição da pasta.

Além deles, também estava presente no encontro a médica Nise Yamaguchi, que defende o uso de hidroxicloroquina para casos de coronavírus em estágio inicial.

O nome dela, que tem o apoio do grupo ideológico, passou a ser apontado pelo entorno de Bolsonaro como um dos possíveis para substituir Mandetta caso ele seja demitido.

Outro nome que conta com a simpatia de Bolsonaro é o do cardiologista Otávio Berwanger. Ele esteve com o presidente na semana passada em reunião com médicos no Palácio do Planalto.

O chefe do Executivo tem se incomodado com a demora do Ministério da Saúde em apresentar um protocolo claro para o uso da hidroxicloroquina. Bolsonaro também se queixa da falta de um plano detalhado para o combate ao vírus e retorno de atividades nos estados.​

Na semana passada, Bolsonaro estava prestes a demitir Mandetta, mas foi demovido por aliados próximos. Nesta segunda-feira, ele passou a considerar uma exoneração até o final da semana, mas recebeu recados negativos do Poder Legislativo.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já informaram ao Planalto que apoiam a permanência do ministro. O receio da articulação política é de que uma demissão possa estimular retaliações em votações do governo.

Alcolumbre falou ao menos com três ministros —Walter Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Onyx Lorenzoni (Cidadania), que também é do DEM.

O recado foi o mesmo: se Mandetta fosse exonerado, não apenas o combate ao coronavírus ficaria prejudicado, mas também a relação com o Congresso.

No sábado (4), Alcolumbre recusou novamente um encontro com Bolsonaro. Procurado por Ramos, manteve a negativa por entender que o presidente iria querer conversar para convencê-lo da demissão de Mandetta.

Na quinta-feira (2), Alcolumbre, assim como Maia, já havia recusado encontro com Bolsonaro. Os dois acabaram jantando com Mandetta.

Nos últimos dias, Bolsonaro tem se estranhando com o ministro da Saúde e chegou a afirmar que falta humildade ao seu auxiliar e que ele extrapolou.

O presidente tem divergido, entre outras coisas, das medidas de isolamento social defendidas por Mandetta para combater a pandemia do coronavírus.

Bolsonaro adotou um discurso contrário ao fechamento de comércio nos estados, enquanto Mandetta defende que as pessoas fiquem em casa.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.