Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Para especialistas, decisão de Moraes sobre chefe da PF é correta, mas há quem veja ativismo judicial

Ministro do STF suspendeu nomeação de Alexandre Ramagem, visto como próximo do clã Bolsonaro, para o comando da Polícia Federal

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São Paulo

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes suspendeu, nesta quarta-feira (29), a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal, feita um dia antes pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido)

Após a derrota, Bolsonaro revogou nesta tarde a nomeação. No entanto, a decisão do STF levanta questionamentos por envolver ação discricionária do presidente da República, ou seja, que não exige critérios objetivos para a escolha, mas “juízo de conveniência e oportunidade”.

Para a maioria dos especialistas ouvidos pela Folha, foi correta a decisão de Moraes pela suspensão do ato. De acordo com eles, o poder de nomeação do presidente não é absoluto e deve respeitar as regras previstas pela Constituição, como impessoalidade, moralidade e legalidade.

Alexandre Ramagem em sabatina Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, antes de ocupar o cargo de diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência - Marcos Oliveira/Agência Senado

Não é a primeira vez que o Judiciário suspende nomeação discricionária da Presidência da República. Isso já ocorreu na ocasião da nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como ministro da Casa Civil pela então presidente Dilma Rousseff (PT) e também de Cristiane Brasil (PTB) como ministra do Trabalho durante a gestão de Michel Temer (MDB).

“O que o Supremo faz não é governar em lugar do presidente, é evitar o desgoverno. O Supremo está estreitando o leque de escolhas do presidente, não eliminando”, afirmou Gustavo Binenbojm, professor de direito administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Binenbojm afirma que “existe uma tendência mundial de estreitamento do mérito administrativo e restrição aos poderes presidenciais e das autoridades públicas quando ultrapassam as regras constitucionais".

A nomeação de Ramagem, amigo do clã Bolsonaro e diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), motivou uma ofensiva judicial para barrá-la, tendo em vista os interesses da família e de aliados do presidente em investigações da Polícia Federal.

No sábado (25), a Folha mostrou que uma apuração comandada pelo Supremo, com participação de equipes da PF, tem indícios de envolvimento do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, em um esquema de disseminação de fake news.

Na decisão, Moraes argumenta que houve abuso de poder na nomeação de Ramagem, visto que a lei prevê que são nulos os atos praticados por agentes públicos com finalidade diferente do que a prevista em lei.

Para o professor de direito público da FGV Carlos Ari Sundfeld, “a decisão é técnica, dificilmente poderia contar com indícios tão fortes como a confissão do presidente, isso fez o STF decidir corretamente por suspender a nomeação”.

Segundo Sundfeld, o desvio de finalidade estaria em “não colocar alguém para cumprir as normas, mas alguém para ajudar o presidente a fazer interferências que a lei veda”.

Há quem afirme, no entanto, que seria preciso haver provas mais contundentes para que a nomeação fosse anulada neste momento.

O professor de direito constitucional da USP Elival da Silva Ramos vê ativismo judicial na decisão e afirma que ela cria um precedente ruim.

Para ele ainda não há provas suficientes de que a nomeação de Ramagem seria abuso de poder, mas apenas indícios. Segundo ele, apesar de a liminar (decisão provisória) poder ser concedida sem provas cabais, Ramos defende que, por se tratar da suspensão de um ato discricionário, seria preciso haver provas mais maduras.

“Vamos supor que ele troque toda uma equipe, aí sim, seria algo escandaloso, mas no momento ele trocou o chefe. O quadro atual não comportava uma liminar."

O professor de direito constitucional da UFPR (Universidade Federal do Paraná​) Miguel Gualano de Godoy também vê a decisão com receio, mas considera temerário colocar a decisão em termos de certo e errado.

"Mais problemático que a decisão do ministro Alexandre de Moraes é o STF não firmar um precedente nítido sobre as hipóteses que autorizam essa intervenção, que deve sempre ser excepcional", afirma.

"No caso, há indícios, sim, de que possa haver desvio de finalidade na nomeação. Mas não parece haver, até agora, prova suficiente de desvio nítido ou inequívoco. Esta seria uma boa oportunidade para o STF definir com rigor quando há abuso: o vício deve ser inequívoco."

Apesar disso, Gualano não considera a decisão como ativismo judicial, já que a lei permite que atos de nomeação sejam anulados pelo Judiciário.

Sundfeld defende o caráter liminar da decisão. Segundo ele, para que se possa julgar em definitivo, é preciso ouvir o presidente da República, reunir as provas de cada um dos envolvidos, “só que isso demora, e para isso que existe a competência para o relator de examinar o pedido de liminar, que é uma espécie de antecipação da futura provável decisão do Supremo".

Também para Luciano de Souza Godoy, advogado e ex-juiz federal, foi correta a decisão em caráter provisório, com base no conceito do perigo da demora. "Ou juiz concede ou nega, se ele nega e o novo diretor toma posse e dá ao presidente os relatórios que ele disse que almejava, terá se consumado o dano e não tem mais como reverter."

A professora de direito público da USP Maria Paula Dallari Bucci concorda com a decisão do STF. Segundo ela, nos fatos trazidos nos pronunciamentos do ex-ministro da Justiça Sergio Moro e do presidente está “plenamente caracterizado o abuso de poder, por desvio de finalidade”.

Ao anunciar sua demissão do Ministério da Justiça na última sexta-feira (24), Moro disse que Bolsonaro queria ter acesso a relatórios de inteligência da Polícia Federal.

De acordo com Bucci, a conversa de WhatsApp apresentada por Moro “com indício de que presidente estava querendo defender deputados bolsonaristas” ofende a regra de impessoalidade prevista na Constituição.

“A impessoalidade implica que regras e formas de conduta valem para todos. Não pode haver tratamento especial fora do que a lei prevê porque alguém é da base de apoio ou da família do presidente”, afirmou.

Para Ramos, no entanto, não há provas suficientes, "tem falas do Moro, não houve ato concreto de interferência até agora. Se tivesse fato comprovado, nem precisava de inquérito. Inquérito já indica necessidade de investigar.”

Leis que embasaram a suspensão da nomeação

Lei sobre Ação Popular (lei 4.717/1965)

Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União (...)

Artigo 2º
São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de (...) desvio de finalidade. "O desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência"

Constituição Federal

Artigo 37
"A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência"

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