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Projeções em prédios ganham espaço em panelaços contra Bolsonaro

Artistas criam imagens com manifestações de repúdio ao governo e incentivo à quarentena em grandes centros urbanos

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O VJ Spencer, com máscara, de pé em rua no centro de São Paulo; ao fundo, projeção em um prédio com as frases

O VJ Spencer no centro de São Paulo; ao fundo, projeção em um prédio com as frases "Bolsonaro não tem base científica" e "Fique em casa" Jardiel Carvalho/Folhapress

Rio de Janeiro

A artista visual que assina no Instagram como Somos Jovenes Y Hay Sol saiu para a janela para gritar no primeiro panelaço contra o presidente Jair Bolsonaro, em 17 de março, uma terça-feira.

Quando terminou, foi checar a internet e viu fotos de algumas projeções feitas por desconhecidos em diversas cidades do país. A artista compartilhou as fotos que viu e, logo em seguida, seus amigos elogiavam e lhe perguntavam se ela mesma tinha feito as projeções.

“Nossa, eu podia fazer isso”, pensou. A artista tinha um aparelho para projetar filmes do computador na parede de sua casa. E logo no dia seguinte o bairro da Glória, no Rio de Janeiro, leu num prédio, em letras brancas sobre fundo vermelho, “Acabou Bolsonaro”.

Assim como ela, centenas de pessoas que nunca haviam feito manifestações em formato de projeção passaram a fazê-lo nas últimas semanas. O perfil Projetemos, também no Instagram, criado há três semanas, já reúne mais de mil fotos enviadas de todo o Brasil e cerca de meio milhão de visualizações.

O projeto foi criado por três amigos, os VJs Mozart e Spencer e a cientista social Bruna Rosa. Um grupo de WhatsApp criado por eles há 15 dias está com 175 pessoas, muitos deles VJs, mas a maioria é de colaboradores de primeira viagem.

“A gente viu essas fake news desinformando a população e resolvemos fazer essa campanha de conscientização, diz Bruna.

“A primeira onda foi de VJs, gente que já tinha projetores”, diz Mozart. “Então, veio uma segunda onda fortíssima, de pessoas perguntando qual projetor comprar, como fazer os textos etc.”

Ele, que atua na periferia do Recife, relata que "aqui, a galera não aderiu à quarentena". Entre as mensagens que projetou no seu bairro estão “Apoiamos os governadores que estão preocupados com o povo” e “Respeite o povo. Sua máscara caiu”, além de fotos ou desenhos críticos ao presidente.

É claro que, no Brasil polarizado de 2020, isso não passará incólume. “Estamos recebendo umas mil mensagens diárias, quase todas de apoio. Mas tem umas 15 por dia com ameaças de morte”, conta. Mozart diz que já teve que lidar com pessoas na porta de seu prédio em duas semanas diferentes.

Na última quinta-feira (2), um apoiador do governo com um revólver na mão foi ao prédio de um manifestante em São Paulo exigindo que ele desligasse seu projetor. Daí o fato de alguns entrevistados preferirem aparecer sem seus nomes reais.

Colega de Mozart e de Bruna na criação do Projetemos, o VJ Spencer afirma que o alvo não era prioritariamente Bolsonaro. “É, sim, contra um cara que manda pessoas para a rua no meio de uma pandemia”, diz ele, que atua no centro de São Paulo. De fato, as primeiras mensagens do grupo falavam em lavar as mãos, por exemplo.

“Eu queria mesmo era estar fazendo cinema para os desfavorecidos e videoaulas para os índios”, diz ele. Nesta semana, Spencer projetou “Ainda temos esperança” em um prédio ao lado de um posto de gasolina.

Além de reunir fotos no Instagram e pessoas no WhatsApp, o Projetemos serve como uma usina de facilidades para quem não familiaridade no assunto. É o caso da grafiteira Rafa Mon, também do Rio de Janeiro.

“Minhas primeiras projeções fui eu mesma que criei os textos no computador, mas, depois que entrei no grupo, não precisei mais fazer. Todo dia tem várias artes novas lá, sejam videozinhos ou apenas escritas, basta baixar para o seu computador, conectar o projetor e pronto”, diz ela.

Por ser grafiteira, Rafa já tinha um projetor poderoso para usar em seu trabalho. Por isso, quando liga seu bat-sinal no alto do morro de Santa Teresa, suas mensagens podem ser lidas em diversos pontos do centro do Rio, como a Lapa.

Outra voluntária da causa é Giselle Rosa, do Recife. “Consegui lembrar que uma amiga tinha um projetor em casa e pensei em tentar fazer em casa. Aí, entrei em contato com o Instagram deles. Queria colaborar e fazer algo mais útil com meu tempo. Faço muito trabalho de lettering e quis usar isso. Considero como trabalho voluntário”, conta ela, que é ilustradora.

Giselle já fez três textos que projetou na capital pernambucana: “O melhor lugar é o seu lar”, “Se puder, doe sangue” e “Renda básica emergencial aprovada! #pagalogobolsonaro”.

A renda básica também foi mote da artista que assina como Somos Jovenes Y Hay Sol. Após as primeiras mensagens mais simples, como “Acabou Bolsonaro” e “Só o SUS salva”, ela foi sofisticando sua atuação.

Ao lado de três amigas que a apoiam no conteúdo, uma neurocientista, uma geógrafa e uma antropóloga, a artista foi “para o lado de sonhar com outro mundo, o de um futuro que desejamos”. Assim, passou a advogar por exemplo, que a renda emergencial se torne universal após a pandemia.

A partir de textos do filósofo francês Bruno Latour ou do artigo do neurocientista Sidarta Ribeiro publicado pelo caderno Ilustríssima em 29 de março (“Coronavírus e fascimo de Bolsonaro nos fazem esperar por nova era”), o quarteto passou a criar imagens em movimento (gifs) com mais frases.

Um exemplo de um gif de mais de 20 segundos: “Menos pós-verdade, mais verdade. Menos presidente, mais governo. Menos neoliberalismo, mais vidas. Menos Weintraub, mais ciência. Menos religião, mais educação. Menos economia, mais saúde. Menos Guedes, mais SUS".​

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