STF já discute relatoria de inquérito contra Bolsonaro após aposentadoria de Celso de Mello

Decano deixará a corte em novembro; parte dos ministros quer impedir que caso fique com escolhido pelo presidente

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Brasília

Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) já começaram a discutir o futuro do inquérito que investiga as acusações do ex-ministro Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro.

Integrantes da corte demonstram preocupação com a possibilidade de a investigação não ser concluída até novembro, quando o relator da matéria e decano do tribunal, ministro Celso de Mello, se aposentar.

Se isso ocorrer, o STF terá que decidir quem será o novo responsável pelo caso. O mais comum é o novo ministro herdar os processos do magistrado que deixa a corte.

A intenção de uma ala de ministros é impedir que o inquérito fique nas mãos do indicado de Bolsonaro, pois isso poderia abrir margem para interferência do chefe do Executivo no caso. O presidente foi acusado por Moro de tentar interferir na autonomia da Polícia Federal para colher informações sobre investigações em curso.

Ministros ouvidos pela reportagem lembram de situações em que a corte não seguiu o rito natural e repassou o espólio do magistrado que deixou o STF para um integrante antigo do tribunal, e não para o novato na corte.

Isso ocorreu, por exemplo, quando o então ministro Joaquim Barbosa anunciou sua aposentadoria precoce e os processos foram para o ministro Luís Roberto Barroso, em vez de Edson Fachin, que havia entrado no seu lugar.

Contribuiu para essa troca a demora da então presidente Dilma Rousseff em indicar um sucessor para Barbosa. Integrantes do STF ponderam, contudo, que o precedente demonstra que é possível fazer uma manobra similar neste ano. Não há uma regra clara quanto a isso no regimento interno.

Outro desenho, ainda, é que qualquer outro ministro peça para si o acervo do decano.

Alterações como essa foram feitas no passado. Após a morte de Teori Zavascki, em janeiro de 2017, o STF decidiu que a relatoria da Lava Jato seria submetida a um sorteio para evitar que o seu substituto tivesse de assumir a vaga já com esse ônus.

A morte de Zavascki coincidiu com a finalização da delação da construtora Odebrecht. Nesse caso, houve uma distribuição por sorteio, e o caso ficou com Edson Fachin.

Além das situações em que ministros deixam o STF, também é normal haver a substituição de relatores quando há troca na Presidência da corte, o que ocorrerá em setembro deste ano.

Uma hipótese aventada entre os ministros é fazer com que o atual presidente, Dias Toffoli, não herde os processos de Luiz Fux, que assumirá o comando da corte. Assim, Toffoli aguardaria dois meses e ficaria, na verdade, com o acervo processual de Celso de Mello.

Ao novo ministro, caberia responder pelos casos atualmente na mão de Fux. Nesse caso, também haveria uma dança das cadeiras nas turmas da corte. Esses colegiados são compostos por cinco ministros cada, com exceção do presidente.

A ideia seria viabilizar a ida de Toffoli para a Segunda Turma, responsável por julgar a maioria das ações da Lava Jato, em vez de assumir a cadeira de Fux na Primeira Turma. Essa engenharia, no entanto, ainda está em negociação.

Nesta terça-feira (28), o ministro Gilmar Mendes afirmou, ao participar de uma videoconferência organizada por investidores, que “em princípio” a responsabilidade da apuração sobre as acusações do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública ficará com o sucessor de Celso de Mello.​

Gilmar também estimou que o inquérito deva ser concluído em um prazo de 90 a 120 dias, o que poderia evitar a discussão sobre o futuro da relatoria do caso.

O único prazo estabelecido até agora é para que Moro preste depoimento à Polícia Federal, o que deverá ser feito em 60 dias.

Nos bastidores, entretanto, não há convicção sobre a celeridade da investigação. Celso de Mello é conhecido por tocar os processos em ritmo próprio e ter muito cuidado ao tomar decisões.

​Também é provável que seja necessário realizar outras diligências, além da oitiva de Moro, como perícia em celulares e em eventuais provas que ambos venham a apresentar.

O que pode acontecer com o presidente

Demissão de Moro e investigação no STF
O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao STF que seja aberto um inquérito para apurar as acusações feitas pelo agora ex-ministro Sergio Moro contra Jair Bolsonaro. Aras afirmou que os relatos “revelariam prática de atos ilícitos” por parte do chefe do Executivo. Destaca, porém, que se as afirmações não forem comprovadas Moro pode responder por denunciação caluniosa e crime contra a honra. O caso está com o ministro Celso de Mello, que autorizou a investigação. O procurador-geral aponta a eventual ocorrência de:

  • falsidade ideológica
  • coação no curso do processo
  • advocacia administrativa
  • prevaricação
  • obstrução de Justiça
  • corrupção passiva privilegiada

Além disso, segundo especialistas, os atos do presidente relatados por Moro se enquadram como possíveis crimes de responsabilidade, que podem levar ao impeachment. São eles:

  • Artigo 7º, 5 - São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais: Servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua
  • Artigo 9º, 4, 6 e 7 - São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração: Expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição; usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim; proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo

A Constituição prevê que o Legislativo tem de autorizar que uma denúncia contra o chefe do Executivo prossiga e seja julgada pelo STF. A jurisprudência da corte, porém, permite que o presidente seja investigado sem autorização do Congresso. Portanto, caso a PGR encontre elementos que incriminem Bolsonaro e decida denunciá-lo, será necessário voto favorável de dois terços da Câmara para que as apurações e a eventual condenação do presidente tenham continuidade enquanto ele estiver no cargo

Atos pró-golpe militar
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou a abertura de inquérito para investigar os atos do dia 19 de março. O pedido também foi feito por Aras. O objetivo do procurador-geral é apurar possível violação da Lei de Segurança Nacional por “atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF”. A investigação mira empresários e ao menos dois deputados federais bolsonaristas por, possivelmente, terem organizado e financiado os eventos. Os nomes são mantidos em sigilo.

Bolsonaro, que participou dos atos em Brasília, não será investigado, segundo interlocutores do procurador-geral. Eles alertam, porém, que, caso sejam encontrados indícios de que o chefe do Executivo ajudou a organizá-los, ele pode vir a ser alvo.

Crimes previstos na Lei de Segurança Nacional:

  • Artigo 17: Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito. Pena prevista: de 3 a 15 anos de prisão
  • Artigo 23, incisos I, II e III: Incitar à subversão da ordem política ou social; à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; à luta com violência entre as classes sociais. Pena prevista: de 1 a 4 anos de prisão

Fake news
Em inquérito sigiloso conduzido pelo STF, a PF identificou o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, como um dos articuladores de um esquema criminoso de fake news. Dentro da PF, não há dúvidas de que Bolsonaro quis exonerar o ex-diretor da PF Maurício Valeixo, homem de confiança de Moro, porque tinha ciência de que a corporação havia chegado ao seu filho. Para o presidente, tirar Valeixo da direção da PF poderia abrir caminho para obter informações da investigação do STF ou trocar o grupo de delegados do caso. Carlos é investigado sob a suspeita de ser um dos líderes de grupo que monta notícias falsas e age para intimidar autoridades na internet

Caso Queiroz
Em agosto do ano passado, Bolsonaro anunciou que trocaria o superintendente da Polícia Federal no Rio, Ricardo Saadi, por questões de gestão e produtividade. A corporação passava por momento delicado, especialmente após vir à tona o caso Fabrício Queiroz, policial militar aposentado e ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia do Rio. Ele é o pivô da investigação do Ministério Público do Estado que atingiu o senador, primogênito do presidente. A suspeita da promotoria é de que o dinheiro seja de um esquema de “rachadinha” —quando funcionários são coagidos a devolver parte de seus salários aos deputados.

Queiroz afirmou que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem conhecimento do então deputado estadual. A sua defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.

Esse caso não está com a PF, mas o órgão tocava investigações envolvendo personagens em comum

Caso Marielle
O nome de Bolsonaro foi associado às investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), em março de 2018, a partir do depoimento de um porteiro do condomínio onde vivia, no Rio, antes de assumir a Presidência.

Segundo a TV Globo revelou em outubro de 2019, o relato indicaria que um dos acusados pelo assassinato teria dito que iria à casa do então deputado federal horas antes da morte de Marielle.

O Ministério Público, porém, disse que o depoimento não condizia com as provas. Dias depois, o porteiro afirmou à PF ter cometido um erro.

Laudo da Polícia Civil do Rio de fevereiro deste ano indica que o porteiro que interfonou para Lessa não é o mesmo que apontou o envolvimento de Bolsonaro

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