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Apesar da pressão sobre Maia, não há prazo para análise de impeachment de Bolsonaro

Se juridicamente não se pode exigir do presidente da Câmara a apreciação dos pedidos, há razões políticas para não fazer movimentos definitivos agora

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Michael Freitas Mohallem

Com os anos de estabilidade política que sobrevieram a queda de Fernando Collor, em 1992, a impressão que se tinha é que o impeachment era, de fato, um instrumento excepcional na política brasileira.

Quatro presidentes e três reeleições mais tarde, o impeachment de Dilma Rousseff anunciava uma mudança na relação entre presidente da República e Congresso Nacional. Com base em acusação contestada, ganhava ares de relativa normalidade. O raro se tornava eventual. O argumento jurídico se tornava acessório da maioria política.

A transformação não foi súbita. Pouco a pouco, nas duas décadas entre os dois impedimentos, o Congresso se fortaleceu institucionalmente —novo regime de medidas provisórias que lhe dava poder de descontinuá-las, a super fragmentação dos partidos políticos, que deu origem ao poderoso centrão, e o orçamento impositivo, o primeiro, de 2015, que garante a execução de parte das emendas individuais de parlamentares.

O presidente Jair Bolsonaro (centro) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (à dir.), entre outras autoridades, durante solenidade no Palácio do Planalto
O presidente Jair Bolsonaro (centro) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (à dir.), entre outras autoridades, durante solenidade no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 11.fev.20/Folhapress

O novo normal valeu para Michel Temer, mesmo que nenhum dos 30 pedidos de impeachment contra ele tenha sido recebido pelo presidente da Câmara.

A pressão pelo impeachment foi constante ao longo do seu breve mandato, tendo sido, inclusive, desafiado com liminar jamais cumprida do ministro Marco Aurélio, do STF, determinando que um dos processos fosse instaurado.

O impeachment tinha se tornado mais um instrumento do Congresso, e Temer, salvo pela discricionariedade dos presidentes da Câmara e por sua ampla base de apoio parlamentar, pouco importando se era acusado de pedaladas fiscais ou de corrupção.

O mandato de Jair Bolsonaro se iniciou sob essa mesma perspectiva. Haveria, cedo ou tarde, o embate pela abertura do impeachment.

Diferentemente dos presidentes anteriores, porém, Bolsonaro não tem investido esforços na boa relação política nem com sua base parlamentar, muito menos com o gatekeeper dos pedidos de impeachment, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Nem mesmo a garantia de ter tido consigo a segunda maior bancada da Câmara mobilizou Bolsonaro a cultivar o PSL.

Como explicar, então, que mesmo fragilizado diante do Congresso e da sociedade, Bolsonaro insista na negação da pandemia, no apoio aos atos contra a democracia ou na tentativa de interferir no comando da Polícia Federal?

Políticos previsíveis buscam se distanciar de pautas com elevado risco de impacto na sua popularidade, mas não Bolsonaro. Ele persegue ativamente o choque com as instituições, e por isso negocia seu salvo-conduto com o bloco parlamentar do centrão.

Parece ser correta a leitura de que Bolsonaro enxerga no caminho de enfrentamento com o Congresso uma forma de reunir seus apoiadores e construir um adversário conhecido.

De acordo com essa premissa, o cenário ideal de Bolsonaro é uma vitória na etapa inicial do processo de impeachment na Câmara. Uma estratégia arriscada, mas que lhe garantiria governabilidade caso tenha consigo 172 votos. Quem ousaria abrir um segundo processo de impeachment contra um presidente fortalecido após tal vitória?

Mas ainda que se perceba uma ação calculada da parte do presidente, boa parte da sociedade tem pressa.

Cresce o apoio à abertura do impeachment, ainda que ele aconteça no meio da crise causada pela Covid-19. A crise, aliás, é razão para esse apoio e não obstáculo. O impeachment, segundo essa percepção, seria forma de evitar o agravamento da crise sanitária.

Por essa razão, Rodrigo Maia tem sido pressionado a fazer o que só ele pode: o juízo de admissibilidade de ao menos uma das acusações de crime de responsabilidade que aguardam seu parecer.

Além da pressão de partidos e líderes na sociedade, Maia foi instado a responder uma ação judicial perante o Supremo que procura impor prazo de 15 dias para que pedidos de impeachment tenham uma decisão sobre prosseguimento ou arquivamento.

Ainda que sejam válidos os argumentos, não existem referências legais que sustentem a ideia. A Lei de Crimes de Responsabilidade estabelece regras para os momentos seguintes à avaliação de admissibilidade, mas nada diz sobre prazo de recebimento da denúncia.

Da mesma forma, o Regimento Interno da Câmara define apenas os prazos e ritos posteriores à manifestação inicial do presidente da Câmara.

A jurisprudência do Supremo sobre impeachment preencheu algumas lacunas legais ao longo do processo contra Dilma, mas não problematizou a discricionariedade do recebimento de novas denúncias. Com exceção da manifestação individual de ministro, não se pode dizer que o Supremo tenha enfrentado essa questão.

Também o costume e a prática indicam que o presidente da Câmara tem amplos poderes para, querendo, selecionar o pedido que julgar mais adequado ou legítimo dentre aqueles disponíveis na fila de acusações, aguardar momento de oportunidade política ou ainda simplesmente arquivar —o que devolve ao plenário o poder de decisão sobre confirmar arquivamento ou determinar a abertura.

A regra parece ter uma razão fundada em desenho institucional. Como a Constituição deu abertura para que qualquer cidadão possa apresentar um pedido, é natural que exista uma instância de filtro. Estivesse o presidente da Câmara obrigado a apreciar pedidos de impeachment a cada 15 dias, a rotina legislativa e a estabilidade política ficariam prejudicadas.

Se juridicamente não se pode exigir de Maia a apreciação dos pedidos de impeachment, do ponto de vista da conveniência política há fortes razões para não fazer movimentos definitivos agora.

O primeiro desafio seria fazer costura política a distância. Em Brasília, certos assuntos são tratados apenas pessoalmente. Ademais, além do risco de que o impeachment agrave a já débil ação federal contra a pandemia, pode dar ao presidente a saída que busca para sua sobrevida política.

Por paradoxal que possa parecer, a abertura do impeachment daria a Bolsonaro a narrativa de vitimização necessária para, ao lado de sua nova base política, em formação neste momento, ganhar força para concluir seu mandato e, quem sabe, vencer as eleições de 2022.

O desenvolvimento do instrumento de impeachment no direito brasileiro privilegiou o poder e juízo dos presidentes da Câmara. Mas esse poder tem se mostrado excessivo no contexto de normalização do impedimento como ferramenta regular da política brasileira.

Se não podemos mudar as regras agora, no calor da crise, será oportuno fazê-lo na próxima ocasião de estabilidade, possivelmente apenas no início do mandato de um próximo presidente da República.

Michael Freitas Mohallem

Professor da FGV Direito Rio

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