Em depoimento prestado nesta quarta-feira (13), o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Silva Saraiva, disse que o convite para que assumisse a chefia da corporação no Rio de Janeiro, em 2019, não foi vinculado a “nenhuma missão” ou “intenção pontual” de interesse do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A indicação dele para o cargo é uma das questões cruciais do inquérito em curso no STF (Supremo Tribunal Federal) que apura se o presidente tentou interferir na PF e ter acesso a dados de investigações.
O ex-ministro da Justiça Sergio Moro cita as pressões para a troca de comando no Rio como um dos episódios de ingerência.
Com a crise aberta pela tentativa de emplacar um nome sem a confiança de Moro, o escolhido para o cargo, na ocasião, foi Carlos Henrique Oliveira de Souza.
Na oitiva, Saraiva contou que foi o diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, próximo do clã Bolsonaro, quem lhe telefonou, naquele mês, perguntando se aceitaria assumir a Superintendência da PF no Rio —substituindo, na ocasião, o delegado Ricardo Saadi.
Ramagem foi nomeado por Bolsonaro diretor-geral da PF no mês passado, mas o ato foi barrado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo.
Na ocasião da ligação, segundo Saraiva, Ramagem o avisou que Bolsonaro estava avaliando sugerir para o então ministro da Justiça, Moro, tanto ele quanto alguns outros nomes para a função.
Saraiva, que se diz amigo de Ramagem e que já trabalhou com ele, relatou ter aceitado o convite, embora a transferência para a PF do Rio não tenha se concretizado.
“Ramagem nunca repassou ao depoente orientações ou intenções do presidente da República em relação à Polícia Federal, desejando ressaltar que Ramagem jamais faria isso; não sabe informar se Ramagem tem amizade com os filhos do presidente”, diz trecho do depoimento.
Saraiva disse que não é amigo de Bolsonaro ou sua família e que desconhece eventuais investigações que envolvam o presidente ou pessoas a ele ligadas no Rio.
Questionado sobre a frase “Moro, você tem 27 superintendências, eu só quero uma”, atribuída pelo ex-ministro da Justiça a Bolsonaro como exemplo de pressão pelo cargo, Saraiva disse que, sendo ela no contexto de sua indicação, só prestigia a meritocracia na PF, pois é o superintendente mais longevo em atividade.
No ano passado, Moro resistiu às tentativa de Bolsonaro de colocar alguém de sua confiança à frente da PF no Rio.
Segundo Saraiva, no entanto, a rejeição a seu nome não era propriamente do então ministro, mas do então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo.
Ele disse ainda que, algum tempo depois de convidado para o Rio, esteve com Moro no aeroporto de Manaus e ouviu dele a pergunta: “Saraiva, que história é essa de você no Rio de Janeiro?”.
Segundo ele, a atitude do então ministro de questioná-lo foi “extremamente correta e digna” em relação à sua pessoa, pois a considera “uma deferência que lhe foi feita”.
“A despeito da solidariedade que sentiu vinda do dr. Sergio Moro, o depoente sentiu-se isolado pela administração do dr. Valeixo; o depoente ainda deseja consignar que, em razão dos fatos ora descritos, passou a ser atacado em diversas frentes, não tendo sido defendido ou apoiado em qualquer gesto de solidariedade pela administração da PF [na época]”, queixou-se, segundo o depoimento.
O superintendente no Amazonas negou ter sido convidado de novo para o Rio após a queda de Valeixo. Questionado, ele disse que não lhe foi solicitado pelo Planalto nenhum relatório de inteligência ou sobre inquérito, tampouco a respeito de investigações da Polícia Civil fluminense sobre milícias.
Saraiva relatou mais de um episódio de nomeações frustradas. Ele disse ter conhecido Bolsonaro ainda em 2018, quando o então presidente eleito perguntou a um policial de sua segurança se conhecia algum delegado que fosse referência em meio ambiente.
O agente teria telefonado para Saraiva e passado a ligação para Bolsonaro, que logo lhe disse estar procurando uma pessoa para assumir o Ministério do Meio Ambiente.
Com somente a referência dada pelo policial, relatou o depoente, o presidente lhe perguntou se poderia ir até a sua casa para conversar.
O encontro, relatou Saraiva, durou cerca de duas horas e versou sobre temas ambientais, mas a sondagem não se concretizou.
Outro convite, segundo ele, veio de Moro, dois meses antes da crise em torno da dança de cadeiras na Superintendência do Rio.
Saraiva disse ter encontrado o então ministro em um evento em Manaus, quando ele o chamou para assumir a Funai (Fundação Nacional do Índio). Moro teria ficado de conversar a respeito com Valeixo, mas não teria dado retorno sobre a possível indicação.
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