Depoimento de Moro é só o primeiro passo da investigação contra Bolsonaro e ele; entenda

Delegados podem ouvir ex-diretor da PF e pessoas mencionadas por ex-ministro e por presidente

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Brasília

O depoimento prestado pelo ex-ministro Sergio Moro à Polícia Federal neste sábado (2) é considerado um dos principais elementos do inquérito que pode levar à apresentação de denúncia contra ele mesmo ou contra o presidente Jair Bolsonaro.

A oitiva foi o primeiro passo da apuração iniciada após Moro pedir demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, no último dia 24, com graves acusações ao chefe do Executivo.

O ex-ministro concluiu seu depoimento na noite de sábado, após ficar mais de oito horas no prédio da Polícia Federal em Curitiba. No local, houve protestos contra e a favor de Moro.

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro
O ex-ministro da Justiça Sergio Moro - Pedro Ladeira - 24.abr.20/Folhapress

A investigação foi aberta a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e autorizada pelo ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), relator do caso.

O objetivo é descobrir se as acusações são verdadeiras ou, então, se o ex-juiz da Lava Jato pode ter cometido crimes caso tenha mentido sobre Bolsonaro.

Na visão de Aras, oito delitos podem ter sido cometidos: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra.

De acordo com interlocutores do PGR, Moro pode ser enquadrado nos três últimos e Bolsonaro, nos seis primeiros.

Nada impede, no entanto, que a investigação encontre outros crimes além desses e os denuncie por isso.

Concentração de grupos pró Bolsonaro e pró Moro em Curitiba, antes de depoimento do ex-ministro Sergio Moro à PF com acusações contra o presidente Jair Bolsonaro
Concentração de grupos pró Bolsonaro e pró Moro em Curitiba, antes de depoimento do ex-ministro Sergio Moro à PF com acusações contra o presidente Jair Bolsonaro - Katna Baran - 2.mai.2020 /Folhapress

Depois de ouvir Moro, a PF deve realizar outras diligências para buscar mais provas e informações sobre o caso. O procurador-geral pode fazer o mesmo, mas ele tem indicado a pessoas próximas que deixará os detalhes da apuração a cargo da polícia e decidirá ao final o oferecimento ou não da denúncia.

Depois deste sábado, os delegados que apuram os fatos podem entender, por exemplo, que é necessário colher o depoimento de Maurício Valeixo, diretor-geral da PF enquanto Moro era ministro e pivô da crise com Bolsonaro.

Isso porque, segundo o ex-juiz da Lava Jato, o chefe do Executivo queria retirá-lo do comando da corporação para colocar alguém da sua relação pessoal no cargo. A intenção seria dar acesso ao presidente a relatórios de inteligência e informações sobre investigações em curso, o que não é permitido pela legislação.

Além de Valeixo, a PF pode colher o depoimento de outras pessoas mencionadas por Moro e também do próprio Bolsonaro. Nesse caso, porém, por se tratar do presidente da República, que tem foro especial, seria necessária autorização do STF. E o chefe do Executivo poderia ajustar com o magistrado o horário e local adequado para isso.

Quando Michel Temer estava na Presidência e era investigado, por exemplo, o ministro Edson Fachin permitiu que ele prestasse depoimento por escrito.

No caso de Moro, o depoimento foi colhido pela delegada Christiane Correa Machado, chefe do Serviço de Inquéritos Especiais, grupo responsável por apurar os casos em curso no STF.

Além dela, Aras designou três procuradores da República para a oitiva: Herbert Mesquista, Antonio Morimoto e João Paulo Tavares.

De acordo com a lei, a polícia e o Ministério Público conduzem as investigações e só precisam de autorização da Justiça para diligências mais invasivas.

Assim, caso os investigadores queiram fazer uma interceptação telefônica ou uma quebra de sigilo telemático para ter acesso às conversas reservadas entre Bolsonaro e Moro por meios tecnológicos, isso dependerá de autorização de Celso de Mello.

Depois de realizar todos os procedimentos, a PF fará um relatório em que concluirá que ambos são inocentes ou, se for o contrário, indiciará os dois ou apenas um deles.

Esse relatório policial, então, é encaminhado à PGR, que não fica vinculada à conclusão da corporação. Ou seja, Aras tem toda liberdade para analisar as provas e decidir se oferece ou não a denúncia.

Se isso ocorrer em relação a Bolsonaro, a acusação vai para a Câmara, que precisa autorizar sua continuidade, com voto de dois terços da Casa. Em caso de autorização, a denúncia vai para o STF analisar se aceita, então, a abertura de ação penal, que leva ao afastamento automático do presidente por 180 dias, até uma solução sobre a condenação ou não do investigado.

Caso os deputados rejeitem, a denúncia fica suspensa e só pode ter continuidade quando acabar o mandato do chefe do Executivo.

Sobre Moro, o caso provavelmente seguiria para primeira instância, uma vez que ele não ocupa nenhum cargo atualmente e não tem a prerrogativa do foro especial.

A investigação, contudo, não tem uma data definida para acabar. O Código de Processo Penal até estabelece que os inquéritos têm de ser concluídos em 30 dias ou em 10 dias se envolver réu preso.

Esse prazo, no entanto, nunca é respeitado, inclusive nas investigações que correm perante o STF. O despacho do ministro Celso de Mello obrigando a PF a ouvir Moro em até cinco dias, e não em 60 dias, como havia determinado inicialmente, é um indicativo de que o magistrado quer acelerar as apurações. Não dá para afirmar, porém, até quando elas se estenderão.

Até o momento, além das acusações, Moro apresentou à imprensa mensagens trocadas com Bolsonaro e com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) como prova de que estaria falando a verdade.

Em uma delas, o chefe do Executivo envia uma notícia de que 10 a 12 deputados bolsonaristas estariam sendo investigados pela PF e afirma a Moro: “Mais um motivo para a troca”, em referência a Valeixo.

Já na conversa com a parlamentar, ocorrida antes do pedido de demissão do Ministério da Justiça, Zambelli pede que Moro aceite a mudança no comando da PF e não rompa com Bolsonaro para, assim, ser indicado a uma vaga no Supremo.

Zambelli pede "por favor" para Moro aceitar Alexandre Ramagem no comando da PF. Ramagem é justamente o nome que Moro, ao pedir demissão, afirmou que seria o delegado escolhido por Bolsonaro para comandar a PF.

Ele foi o responsável pela segurança do chefe do Executivo após ter sido eleito presidente e, depois, tornou-se diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

Ramagem, porém, que é próximo à família e amigo de Carlos Bolsonaro, filho do presidente e investigado pela PF por articular a propagação de fake news, foi indicado para o cargo, mas não chegou a tomar posse.

Isso porque o ministro do STF Alexandre de Moraes deu uma decisão para impedir a nomeação por entender que não observava os princípios da impessoalidade e da moralidade pública.

Depois de pedir para Moro aceitar o amigo da família do presidente no cargo, Zambelli faz uma proposta ao então ministro: "E vá em setembro para o STF. Eu me comprometo a fazer o JB prometer", completou. Moro, então, respondeu: "Prezada, não estou à venda".

Como Celso de Mello atendeu ao pedido integral de Aras, tanto o ex-juiz da Lava Jato quanto Bolsonaro são considerados tecnicamente investigados.

Na decisão em que determinou a abertura do inquérito, porém, o ministro do Supremo cita Moro apenas para fazer referência ao que disse em relação ao chefe do Executivo.

Crítico contumaz de Bolsonaro, o magistrado afirmou que ninguém está acima da lei, nem o presidente, e disse que ninguém tem legitimidade para “vilipendiar as leis e a Constituição”.

O ministro também fez referências a um jurista que diz que o presidente deve ficar no poder “enquanto a bem servir” e a outro que fala em “neutralizar a ação do chefe do Executivo”.​

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