Depoimentos e vídeo reforçam versão de Moro, e investigação busca crimes de Bolsonaro

Apesar de falas e vídeo corroborarem narrativa de ex-ministro, inquérito ainda tenta avançar sobre interesses do presidente na Polícia Federal

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Brasília

Os elementos colhidos até agora no inquérito que apura as acusações de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal reforçam a narrativa do ex-ministro Sergio Moro, sobretudo em relação ao Rio de Janeiro.

Oito depoimentos prestados confirmaram a versão de Moro de que o presidente, desde agosto do ano passado, queria trocar o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. E sete acrescentaram o desejo dele de mexer no comando da Superintendência do Rio.

Entretanto, de acordo com investigadores, as informações obtidas não caracterizariam neste momento, isoladamente, um crime —embora ajudem a compor um retrato mais amplo da atuação de Bolsonaro.

O inquérito por ora ainda não avançou sobre quais eram possíveis interesses de Bolsonaro em investigações da PF.

A expectativa é que, diante do que já foi feito, novos depoimentos e diligências possam ajudar a identificar outros indícios das acusações feitas por Moro ao sair do governo no dia 24 de abril.

No depoimento prestado em 2 de maio, dias depois de pedir demissão do Ministério da Justiça, Moro afirmou que Bolsonaro queria trocar a diretoria-geral da PF e ter o controle da Superintendência no Rio, estado do presidente.

“Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”, disse Bolsonaro a Moro, por mensagem de WhatsApp de março, segundo transcrição do depoimento do ex-ministro à PF no inquérito que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal).

O inquérito foi aberto pelo ministro Celso de Mello a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, a quem caberá decidir sobre denúncia ou arquivamento.

Se Bolsonaro for denunciado, a Câmara aprovar o prosseguimento e o STF aceitar a abertura de ação penal, ele é afastado do cargo automaticamente por 180 dias.

Os crimes investigados são: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra.

De acordo com interlocutores do PGR, Moro pode ser enquadrado nos três últimos, e Bolsonaro, nos seis primeiros.

Nesta semana, a PF e a PGR ouviram delegados federais, membros do governo Bolsonaro —entre eles três ministros— e uma deputada federal. Os investigadores também assistiram ao vídeo da reunião ministerial de 22 de abril em que Moro diz ter sido ameaçado pelo presidente.

Segundo pessoas que tiveram acesso à gravação, Bolsonaro vinculou a troca de comando da PF no Rio à proteção de amigos e familiares. O presidente nega. O vídeo está sob sigilo, e sua divulgação depende de Celso de Mello.

Em depoimento, o delegado Ricardo Saadi disse que, em agosto do ano passado, foi comunicado por Valeixo que seria retirado da Superintendência do Rio —sem receber razões para tanto.

Um dia após a reunião de 22 de abril, Bolsonaro avisou Moro da exoneração de Valeixo e, na semana seguinte, trocou o superintendente da PF no Rio, no caso, Carlos Henrique Oliveira, que havia substituído Saadi. No meio desses movimentos, Moro pediu demissão.

Um ponto de consenso nos depoimentos é que Bolsonaro queria alguém de sua confiança pessoal para estar à frente da PF. Moro, Valeixo, Ramagem e os ministros, por exemplo, deram essa versão.

Valeixo afirmou que as cobranças por mudança no Rio começaram em agosto e se seguiram em outras duas oportunidades, a última em março, quando estava com Moro nos Estados Unidos. Na ocasião, o então ministro teria recebido a mensagem de Bolsonaro pedindo o controle da PF no Rio.

Segundo Valeixo, Bolsonaro queria alguém com quem tivesse “afinidade” para ser diretor-geral da polícia.

Os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) confirmaram em seus depoimentos a intenção de Bolsonaro de trocar o superintendente do Rio, mas por questões de falta de produtividade.

Na sua fala à PF, porém, o atual diretor-executivo da corporação, Carlos Henrique Oliveira, rebateu e negou problemas de produtividade no estado. Ele comandava a área até recentemente, quando foi transferido para Brasília após a queda de Maurício Valeixo da diretoria-geral da PF.

Carlos Henrique virou atual número dois da PF, tendo sido nomeado oficialmente nesta quarta (13) pelo ministro da Justiça, André Mendonça.

Na transcrição do depoimento de Heleno, a PGR interpretou que Bolsonaro falou em “proteger familiares e amigos” ao se referir a mudanças na Superintendência do Rio na reunião ministerial de 22 de abril.

Apesar desse contexto, nenhum dos depoentes até agora apontou se havia e quais eram os interesses de Bolsonaro em investigações em curso.

Ao sair do governo, Moro afirmou que possíveis trocas em comando da PF poderiam dar margens a interferência em apurações.

Segundo Alexandre Ramagem, diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e plano A de Bolsonaro para substituir Valeixo, o presidente “nunca chegou a conversar sob a forma de intromissão” em relação a investigações específicas.

Ex-superintendente do Rio, Ricardo Saadi disse que Bolsonaro nem Moro lhe solicitaram direta ou indiretamente relatórios de inteligência.

Valeixo também disse que nunca foi abordado ou questionado sobre o assunto pelo presidente e que não viu interferência de Bolsonaro na PF.

A amizade entre Bolsonaro e Ramagem foi alvo de divergências. Enquanto o diretor da Abin falou que sua relação era “só profissional”, o seu chefe imediato, Augusto Heleno, elencou uma série de relatos da proximidade dos dois.

Ramagem, por outro lado, admitiu que foi consultado por Bolsonaro e pelo novo ministro da Justiça, André Mendonça, para a escolha de Rolando Souza como diretor-geral da PF.

Ramagem, que foi escalado pela PF em 2018 para comandar a segurança do então candidato Bolsonaro, teve sua nomeação para o cargo barrada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, ante o risco de "desvio de finalidade do ato", em desacordo com os "princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público".

O ministro Braga Netto saiu pela tangente. Ele evitou falar que existia amizade entre os dois e se limitou a dizer que “não sabe informar a razão pela qual o presidente teve a intenção de nomear o delegado ao cargo de diretor da PF”.

Nos bastidores, há uma expectativa de que Aras, indicado por Bolsonaro para chefiar a PGR, arquive o inquérito, apesar de integrantes da Procuradoria, como mostra a transcrição do depoimento de Heleno, avaliarem que Bolsonaro quis mexer no Rio para proteger amigos e familiares.

A cautela sobre o futuro do inquérito tem sido adotada pelo próprio Moro. “Quem falou em crime foi a Procuradoria-Geral da República na requisição de abertura de inquérito e agora entende que essa avaliação, quanto à prática de crime, cabe às instituições competentes”, disse em depoimento.​

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