É prematuro apontar crime de Jair e Flávio Bolsonaro apenas por eventual vazamento pela PF, dizem criminalistas

Eles só terão cometido crimes, segundo especialistas, se usaram dados para atrapalhar a PF ou se corromperam policial

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São Paulo

Criminalistas consideram que é prematuro apontar que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu filho, tenham cometido crimes, ainda que se comprove que receberam informações sobre uma investigação sigilosa da Polícia Federal.

Especialistas ouvidos pela Folha, que falaram em tese por não ter acesso ao caso, consideram que o presidente e seu filho só cometeram crimes na hipótese de terem corrompido um policial ou se usaram a informação para prejudicar a investigação.

A PF vai investigar o relato do empresário Paulo Marinho à Folha sobre suposto vazamento a Flávio Bolsonaro de uma investigação da Polícia Federal. O Ministério Público Federal também instaurou um procedimento para analisar o caso.

A apuração, feita a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), também prevê o depoimento de Marinho no inquérito já aberto para investigar, com base em acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, se o presidente Bolsonaro tentou interferir indevidamente na PF.

Fabrício Queiroz entre a filha Evelyn e Flávio Bolsonaro
Fabrício Queiroz entre a filha Evelyn e o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) - Reprodução

“Fazer uso da informação vazada não é, por si só, um delito. Isso irá depender de qual ação irá praticar quando recebê-la”, diz o criminalista Daniel Gerber. “Por exemplo: se faço cessar uma atividade que se investiga como delituosa, o uso da informação, por razões óbvias, não é crime.”

Na entrevista, Paulo Marinho disse que, após receber informações sobre a investigação da Operação Furna da Onça, que investiga desvio de salários de servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro quando Flávio era deputado estadual, os Bolsonaro resolveram demitir Fabrício Queiroz e sua filha Nathália Melo de Queiroz.

Em outubro de 2018, quando o caso citado por Marinho teria ocorrido, Fabrício Queiroz trabalhava no gabiente de Flávio, na Assembleia, e Nathália no de Jair Bolsonaro, na Câmara dos Deputados.

“Falando do Flávio Bolsonaro ou do próprio presidente, se eles só receberam essa informação, não há nada a fazer. Mas ao que parece eles teriam tomado algumas atitudes diante das informações recebidas. Por exemplo, se o Flávio demitiu o assessor Fabrício Queiroz [investigado na operação] com base na informação, ele pode ter praticado um crime", diz a criminalista Maíra Beauchamp Salomi.

"Pode ser obstrução de Justiça, se a gente está falando de algo dentro de um contexto de organização criminosa. Existe um crime previsto na Lei de Organização Criminosa, que é cometido por quem impede ou embaraça uma investigação de infração penal que envolve uma organização criminosa", afirma ela.

O advogado Jorge Antonio Maurique, que foi juiz federal na área criminal, aponta outros crimes possíveis, em tese.

“O Flávio pode ter cometido o crime de tráfico de influência ou corrupção ativa, nessa última hipótese caso tenha oferecido alguma vantagem. Ou nenhum crime, se comprovado que nada prometeu e não exigiu nada. No caso de Paulo Marinho eu não vejo, à primeira vista, qualquer crime. Receber informação não é crime”, diz o advogado.

O criminalista Luiz Henrique Machado aponta outra hipótese, mas faz a ressalva que "só analisando o caso concreto para poder dar uma resposta precisa". "Ele [Flávio] pode responder em concurso de agentes, se tiver auxiliado ou instigado o delegado”, diz o advogado.

Não há dúvida, porém, que caso se comprove que um policial federal vazou informações sigilosas de investigação, ele deve ser responsabilizado criminalmente e também no âmbito administrativo.

“Se se comprovar que houve vazamento de informação protegida por sigilo judicial, existe a violação de sigilo funcional que é prevista no artigo 305 do Código Penal. E é um crime praticado por funcionário público. Mas é um crime de menor potencial ofensivo, com pena de seis meses a dois anos", diz Maíra.

"Mas no parágrafo segundo diz que se houver dano à administração pública, se houve um prejuízo à investigação, se teve conduta posteriores que atrapalharam o andamento da investigação, aí vai para conduta com pena mais grave, que é de dois a seis anos", afirma a advogada.

O presidente da ADPF (Associação dos Delegados da Polícia Federal), Edvandir Paiva, lembra que o policial pode sofrer punição dentro da própria corporação por vazamento de conteúdo.

“Na esfera administrativa, o fato pode ser enquadrado em algum dos incisos do artigo 43, da lei 4.878/65, podendo causar a demissão ou cassação da aposentadoria compulsória”, diz Paiva. “Geralmente, na prática, uma demissão leva menos tempo que uma condenação penal.”

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