Descrição de chapéu

Fórmula de Bolsonaro para ministérios amplia fratura entre alas do governo

Pedido de demissão de Moro revela sinal de exaustão do método adotado pelo presidente para formar sua equipe

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Há pouco mais de um mês, Jair Bolsonaro se queixou do tratamento que recebe quando algum ministro é elogiado. O presidente comparou o governo a um time de futebol e disse merecer crédito pela escolha dos jogadores. “Se o time está ganhando, vamos fazer justiça, vamos elogiar o seu técnico. E o seu técnico se chama Jair Bolsonaro”, afirmou.

Embora o presidente goste de fazer propaganda da escalação de sua equipe, o primeiro escalão do governo foi marcado até aqui por uma série de choques internos —tanto entre os grupos aninhados no poder quanto entre os ministros e o próprio chefe.

Nos 16 meses de mandato de Bolsonaro, a fratura da equipe entre diferentes alas se aprofundou, o presidente entrou em embate público com diversos subordinados e 7 dos 21 ministros que tomaram posse em janeiro de 2019 deixaram seus cargos.

O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado de ministros e aliados, durante pronunciamento à imprensa para falar sobre as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro
O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado de ministros e aliados, durante pronunciamento à imprensa para falar sobre as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro - Pedro Ladeira - 24.abr.20/Folhapress

O comportamento de Bolsonaro faz com que o jogo de forças dentro do governo se torne uma batalha diária por influência. Sem direcionamento claro do presidente sobre as ações da máquina estatal, os ministérios passaram a atuar em caminhos divergentes. Quando o chefe é chamado para arbitrar, o confronto já está instalado.

O lançamento do programa de investimentos públicos para reativar a economia após a crise do coronavírus é um dos símbolos dessa desarrumação.

O plano Pró-Brasil foi gestado pelos ministérios da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional. Recebeu o patrocínio da chamada ala militar do governo ao ser abraçado pelo chefe da Casa Civil, o general Walter Braga Netto.

O pacote de obras foi anunciado numa entrevista coletiva transmitida ao vivo pela TV oficial do governo no dia 22, sem a participação do ministro Paulo Guedes. O chefe da equipe econômica era contra o plano, que amplia as despesas do governo, e precisou bombardeá-lo por quase uma semana até que Bolsonaro ordenasse o congelamento do programa.

O tumulto observado nesse episódio tornou pública a oposição entre Guedes e o grupo fardado.

Braga Netto, que ganhou assento no Palácio do Planalto para resolver a falta de coordenação das ações do governo, reproduz uma visão enraizada na doutrina militar que enxerga o Estado como indutor de atividades estratégicas da economia. Guedes, um ultraliberal convicto, demonstrou que despreza movimentos dessa natureza mesmo em tempos de crise.

Bolsonaro chegou atrasado ao embate, quando investidores e empresários enxergavam um enfraquecimento tão grande de Guedes que já apostavam em sua substituição. O presidente precisou sair do Palácio da Alvorada ao lado do ministro da Economia na segunda-feira (27) para reafirmar seu apoio ao subordinado.

Guedes balança porque o próprio chefe está mais próximo do receituário militar do que da agenda liberal. Quando Bolsonaro vetou a ideia do ministro de recriar a CPMF ou quando procurou diretamente o presidente da Petrobras para cobrar a redução do preço da gasolina, o comandante da equipe econômica precisou baixar a cabeça.

A fórmula adotada por Bolsonaro para montar sua equipe estimula essa formação de núcleos desordenados. O presidente deu poder a grupos com pensamentos opostos, que passaram lançar ataques contra os integrantes da própria Esplanada dos Ministérios.

A tensão permanente entre os militares e a chamada ala ideológica do Planalto é uma das principais marcas dessa discórdia. Os dois lados disputam influência sobre as decisões de Bolsonaro desde os primeiros meses de governo e chegaram a protagonizar confrontos ferozes.

Sob a bênção dos filhos do presidente e do escritor Olavo de Carvalho, ideólogo do bolsonarismo, o segundo grupo defende uma pauta ultraconservadora e a exploração de recursos públicos e da máquina estatal numa guerra contra seus adversários políticos. Parte dos militares atua para conter os danos dessa agenda.

Os generais precisaram entrar em campo, por exemplo, para adiar a tentativa de Bolsonaro de transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.

Defendida pela ala ideológica, a medida seria um aceno a grupos evangélicos, que se tornaram uma peça relevante da base política de Bolsonaro desde a eleição. Os militares, porém, apontaram que a mudança provocaria uma retaliação comercial dos países árabes. O presidente topou esperar.

Vendo-se cercados, os olavistas fazem uma campanha intermitente contra os generais. O vice-presidente, o general Hamilton Mourão, costuma ser apontado como um conspirador que trama a derrubada de Bolsonaro.

Ainda no primeiro ano de mandato, a ala ideológica comandou um ataque ao general Santos Cruz, então ministro da Secretaria de Governo. O grupo queria expandir sua influência sobre a política de comunicação do Planalto e conseguiu forçar a demissão do militar.

Bolsonaro nunca deixou claro qual é o peso exato de cada um desses grupos. O presidente ampliou o espaço dos generais no centro do poder, incluindo a militarização da Casa Civil, mas também costuma exaltar publicamente integrantes do núcleo ideológico.

A intenção é fazer acenos constantes a sua base de apoio fiel, principalmente em momentos de crise.

No pronunciamento de sexta-feira (24) da semana passada, em que Bolsonaro respondeu às declarações feitas por Sergio Moro ao sair do Ministério da Justiça, um dos poucos ministros citados nominalmente foi Abraham Weintraub (Educação).

O presidente defendeu o auxiliar de críticas e disse que ele “luta contra uma doutrinação de décadas”.

Já o pedido de demissão de Moro, além de fazer explodir a acusação de que o presidente tenta blindar filhos e aliados, revela outro sinal de exaustão do método adotado por Bolsonaro para formar sua equipe.

Quando convidou o juiz-símbolo da Lava Jato para o Ministério da Justiça, o então presidente eleito ofereceu mais do que estava disposto a entregar. Prometeu carta branca ao novo auxiliar, mas passou a drenar o poder do subordinado a ponto de anunciar a secretários estaduais, no início deste ano, que estudava retirar do ministro as ações do governo federal na área da segurança pública.

Bolsonaro só prometeu autonomia a Moro porque estava ansioso para tomar emprestado o lustro do ex-juiz, mas não demorou a deixar claro que seus contratos trazem letras miúdas e submetem os auxiliares a seus interesses individuais e vontades políticas.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.