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Futuro de Bolsonaro depende dos estragos da Covid-19 na saúde e na economia do Brasil

Estratégia do presidente de romper com a base aliada começa a solapar seu apoio

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Juan Vicente Bachiller
Latino América 21

Apesar de sua campanha presidencial agressiva, depois de sua vitória eleitoral em outubro de 2018 Jair Bolsonaro iniciou um processo de redução da tensão. Quando sua eleição já tinha se tornado clara, depois da vitória no primeiro turno, ele mudou de atitude e discurso, tentando consolidar sua liderança entre os eleitores mais moderados.

Dessa forma, parecia se aproximar mais de um conservadorismo sui generis do que de um projeto de ruptura radical, buscando contentar ao mesmo tempo os grupos bolsonaristas altamente ideológicos, os muitos descontentes com a gestão dos governos do PT, os setores sociais que se haviam mobilizado em favor de uma agenda de combate à corrupção, e também um número nada desprezível de eleitores atraídos pelo efeito de um candidato que já parecia claramente vencedor.

Ao formar seu governo, em 2019, enquanto o presidente e alguns ministros importantes, como os do Exterior, Educação e Direitos Humanos se encarregariam de garantir a lealdade de seus seguidores mais fiéis e radicalizados, a gestão da economia seria deixada a um ortodoxo como Paulo Guedes.

Ele seria o encarregado de contentar os mercados e, aparentemente, de conduzir com enfoque técnico as políticas que levariam o Brasil a recuperar o crescimento. O selo de qualidade dessa estratégia foi dado pela indicação de Sergio Moro para o Ministério da Justiça. O paladino da operação Lava Jato tinha uma aura de profissionalismo imparcial junto a amplos setores sociais, apesar de seu estilo duvidoso como juiz.

As credenciais democráticas de Bolsonaro, no entanto, são muito mais tênues e, como se estivéssemos falando da velha fábula do escorpião, sua incapacidade de estabelecer coalizões ou aceitar limitações ao poder presidencial, em um sistema de divisão de poderes, deriva da natureza de seu populismo de direita.

Manifestamente saudoso da ditadura militar e ao mesmo tempo desprovido de dons suficientes de liderança, hoje parece claro que, se nos primeiros meses de seu mandato ele teve de respeitar as regras do jogo da política institucional, isso só aconteceu porque sua vitória eleitoral foi menos contundente do que ele esperava, e porque o bolsonarismo jamais conseguiu se converter em um verdadeiro projeto de mobilização social, para além de sua prevalência nas redes sociais.

Mesmo assim, pouco a pouco, incapaz de estabelecer uma coalizão que sustentasse sua agenda política, a constante recusa do Congresso a aprovar suas propostas levou o presidente a perder a paciência. Assim, em lugar de diluir suas propostas mais radicais, buscando se dirigir aos eleitores moderados que acabaram se provando o fiel da balança nas eleições de 2018, ele terminou por se deixar arrastar pelos grupos sectários que o elevaram no início de sua trajetória.

Bolsonaro, que no início de seu mandato tinha diferentes opções para implementar seu projeto político, decidiu queimar os navios e apostou sua continuidade política em uma estratégia sem retorno: em lugar de construir uma maioria social de apoio, preferiu consolidar sua liderança no setor mais radicalizado de sua base.

O sucesso dessa estratégia depende, portanto, de elevar o tom de tensão para garantir a adesão inflexível de seus eleitores mais fiéis. Ao mesmo tempo, ele aposta em que o caos criado dificulte o agrupamento de uma oposição que hoje anda altamente fragmentada, o que faz dos partidários de Bolsonaro a maior e a mais mobilizada das minorias.

Cabe ressaltar quanto a isso que a capacidade de Bolsonaro de se dirigir a nichos do eleitorado não deve ser desdenhada, sobretudo se levarmos em consideração seus antecedentes. Ainda que a idoneidade dele como político costume ser julgada por sua incapacidade, durante mais de 30 anos como deputado, de aprovar um único projeto legislativo, é igualmente certo que, durante esse período, ele conseguiu criar uma base eleitoral fiel que ajudou a construir sua carreira política e as de seus três filhos.

Condutas aparentemente irracionais, como sua postura de negação diante da crise da Covid-19, devem ser analisadas dentro dessa lógica, a de um político que, desdenhando da função de articular qualquer política pública, se especializou fortemente em construir bases políticas inabaláveis, e que além disso conta, hoje em dia, com as ferramentas técnicas e discursivas da direita alternativa dos Estados Unidos.

Assim, em um contexto mundial no qual o único tema possível da agenda política é o da pandemia global, Bolsonaro tinha duas possibilidades. Uma era tentar enfrentá-la como a maioria dos líderes democráticos do planeta e correr, assim, o risco de que os resultados dessa gestão fossem imputados ao seu governo.

A segunda era se desvincular do assunto, ceder a responsabilidade aos governadores e prefeitos e criar um novo inimigo imaginário, no caso a comunidade científica e os órgãos internacionais, que estariam envolvidos em uma suposta conspiração para derrubar seu governo, impondo além disso a falsa dicotomia entre manter a quarentena ou salvar a economia.

Essa última foi a opção adotada por Bolsonaro, o que o levaria a um confronto tanto com seu ministro da saúde, demitido quando a aprovação pública a sua gestão estava no auge, quanto com todos os governadores, muitos dos quais aliados e membros de sua base política conservadora.

E, ainda assim, embora sua gestão irresponsável da crise de saúde o tenha deixado sem aliados político e aberto à possibilidade de sofrer um impeachment, ele só perdeu algum apoio entre seus eleitores mais fiéis com a saída do ministro Mandetta do governo.

A demissão de Sergio Moro, embora tenha sido uma circunstância imprevista, na prática só serviu para aprofundar o processo de radicalização. A saída de Moro se deve a ele ter negado a proposta de Bolsonaro de indicar um diretor da Polícia Federal para controlar as investigações que envolviam os filhos do presidente.

Depois do divórcio, Bolsonaro passou a se defender saindo ao ataque, tentando denegrir a figura de Moro, o que não deixa de criar riscos, dada a imensa influência que a figura do ex-juiz ainda tem na opinião pública. Assim, uma pesquisa realizada pelo instituto XP Ipespe revela que depois da demissão de Moro em 24 de abril, a aprovação ao governo de Bolsonaro caiu de 31% para 27%, e as avaliações negativas sobre ele subiram de 42% para 49%.

Pode-se observar, portanto, como a estratégia do presidente de romper com a base aliada começa a solapar seu apoio, embora seja cedo demais para determinar a intensidade dessa perda. O que está claro é que, por ter chegado a um ponto sem volta, Bolsonaro não precisa criar políticas mas sim manter uma campanha permanente de mobilização de seus fiéis, para o que sua incapacidade de governar pode não fazer tanta diferença.

De qualquer forma, o sucesso de sua estratégia já não depende tanto das decisões que possa tomar no futuro mas sim da habilidade da oposição para oferecer uma alternativa e, sobretudo, da gravidade dos estragos que a crise da Covid-19 causará na saúde e na economia do Brasil.

Juan Vicente Bachiller é professor de políticas públicas na Universidade Federal Fluminense. É doutor em ciência política pela Universidade de Salamanca, Espanha.

www.latinoamerica21.com, um projeto plural que difunde diferentes visões sobre a América Latina.

Tradução de Paulo Migliacci

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