Inovação de Bolsonaro, gravação de reuniões ministeriais leva governo a mais uma crise

Filmagem de encontro em abril seria prova de que presidente pressionou Moro por troca na PF

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Brasília e Washington

A gravação completa de reuniões ministeriais não era comum nos governos passados e foi adotada pelo presidente Jair Bolsonaro como estratégia de publicidade para as suas redes sociais.

Desde que assumiu o mandato, ele costuma escalar uma equipe para captar imagens e vídeos de sua rotina como presidente. Além de falar sobre a sua agenda oficial, o presidente aproveita a filmagem para fazer elogios a aliados e críticas a adversários.

A prática adotada por Bolsonaro, no entanto, acabou sendo usada contra ele. O ex-juiz da Operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro afirma que o vídeo do encontro do dia 22 de abril com a equipe de ministros evidencia que o presidente queria interferir na Polícia Federal.

O conteúdo foi exibido nesta terça-feira (12) na Polícia Federal em Brasília e faz parte de um inquérito que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) contra Bolsonaro. Após a apuração da PF, a PGR (Procuradoria-Geral da República) avaliará se cabe uma acusação formal.

Segundo técnicos do governo, não há norma ou regra que discipline a gravação de audiências no Palácio do Planalto e não há obrigatoriedade para que o presidente registre em áudio ou imagem todas a reuniões de sua agenda oficial.

Os conteúdos gravados, que costumam ser solenidades e discursos, são enviados para o processo de documentação da Presidência da República, incorporando-se ao arquivo histórico.

Pelo menos nas três gestões anteriores ao de Bolsonaro, eram raras as gravações na íntegra de encontros ou reuniões promovidos pelo chefe do Poder Executivo para tratar de estratégias do governo ou do cenário político.

Nas administrações de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), por exemplo, eram permitidas filmagens nos inícios ou términos de reuniões amplas com o objetivo de gerar material de imagem para os veículos de imprensa.

Nesses momentos, era comum que assuntos polêmicos ou sensíveis não fossem tratados. Justamente para evitar um futuro mal-estar, assessores presidenciais falavam sobre amenidades, como partidas de futebol e peças de teatro.

Se uma reunião vinha sendo parcialmente registrada e algum tema sensível seria tratado, a gravação costumava ser interrompida a pedido do próprio presidente, de acordo com o relato de assessores da época.

Sob Lula, a assessora especial Clara Ant acompanhava todas as reuniões e registrava tudo o que era dito pelo presidente e demais participantes. As anotações dela depois eram usadas para cobrar ministros sobre decisões tomadas nos encontros, por exemplo.

No governo Michel Temer (MDB), eram feitas gravações também quando um dos participantes do encontro solicitava. No caso, as imagens e os áudios captados eram apenas de quem havia requerido, como de líderes sindicais ou dirigentes empresariais.

Para integrantes das gestões passadas, o episódio ocorrido com Bolsonaro deve-se tanto à inexperiência de sua equipe, que não previu que temas delicados pudessem ser tratados no encontro, quanto à obsessão do presidente em produzir conteúdo para as redes sociais.

Na terça, na rampa do Palácio do Planalto, o presidente disse que a fita da reunião deveria ter sido destruída e que o conteúdo teria de ser mantido em sigilo. "A reunião ministerial sai muita coisa. Agora, não é para ser divulgado. A fita tinha que, após aproveitar imagens para divulgação, ser destruída. Não sei por que não foi", disse.

Diante da crise em cima da reunião de abril, Bolsonaro não permitiu imagens no encontro com ministros no Palácio da Alvorada na terça. Além disso, nesta quarta-feira (13), anunciou que não faria mais reuniões ministeriais. Segundo o presidente, ele terá agora apenas encontros individuais.

Uma vez por mês, disse Bolsonaro, fará o hasteamento da bandeira nacional e tomará café da manhã com seus assessores, o que chamou de confraternização de, no máximo, uma hora e meia. "Decidi: não teremos mais reunião de ministros. Para evitar este tipo de problema", disse Bolsonaro.

"Vai ser bandeira nacional, café, às 9h, 9h30, o pessoal vai embora. Bater um papo, um olhar para a cara do outro, trocar uma ideia, individualmente tratar de um assunto ou outro. Mas uma reunião [será] mais uma confraternização mensal de todos os ministros", afirmou.

Não é a primeira vez que a gravação de um presidente gera uma crise política.

Em 2017, Temer foi gravado no Palácio do Jaburu pelo empresário Joesley Batista. O conteúdo foi usado em denúncia contra ele por corrupção passiva.

No ano anterior, o emedebista já havia sido gravado escondido pelo então ministro da Cultura, Marcelo Calero, que pediu demissão após ser pressionado a liberar um empreendimento imobiliário no qual o ex-ministro Geddel Vieira Lima tinha comprado um apartamento, em Salvador.

Para evitar novas gravações, Temer instalou no gabinete presidencial um dispositivo que dificulta a compreensão de áudios captados por aparelhos eletrônicos.

Chamado de misturador de voz, o aparato interfere na gravação do som ambiente e sobrepõe o áudio de conversas feitas no local de despachos do presidente.

Em comparação, nos Estados Unidos, a ordem geral é que não se pode gravar nada dentro da Casa Branca, ocupada atualmente por Donald Trump, a quem Bolsonaro é alinhado.

Na década de 1970, havia um sistema de captação de áudio dentro do Salão Oval, na mesa onde despacha o presidente americano, mas ele foi desinstalado após o governo de Richard Nixon (1969-1974) e o escândalo Watergate, em 1972.

Na época, gravações telefônicas mostraram que Nixon tinha conhecimento do roubo de documentos da sede do Partido Democrata, seu adversário, e ajudaram a interromper na metade o segundo mandato do republicano —que renunciou ao cargo antes de sofrer um impeachment no Congresso.

O trauma e a obsessão por segurança têm reflexos até hoje no governo dos EUA. Com exceção a jornalistas durante eventos públicos, funcionários e visitantes são instruídos sobre as regras claras que proíbem gravações desde os primeiros minutos na Casa Branca.

Mas há exceções para registros escritos e verbais que devem seguir um longo protocolo de segurança e são permitidos apenas a pessoas autorizadas.

A Lei de Registros Presidenciais, de 1978, estabelece que o presidente e o vice devem registrar conversas com autoridades de outros países inclusive para garantir a segurança nacional americana.

Dessa forma, durante um telefonema ou uma sessão de videoconferência, a equipe da sala de situação da Casa Branca faz anotações em tempo real, que serão comparadas ao fim da reunião com as feitas por outras autoridades do governo —geralmente, um integrante do Conselho de Segurança Nacional responsável pelo país com quem o presidente ou vice-presidente americano está conversando.

Juntas, essas notas vão dar origem a um rascunho oficial, que é enviado ao secretário de Segurança Nacional, que pode fazer edições antes de aprovar a versão final, enviada a pessoas-chave do governo.

As anotações podem também ser transferidas para um sistema com acesso restrito caso contenham informações consideradas sensíveis. Todos os registros são enviados para o Arquivo Nacional dos EUA após a conclusão de cada mandato presidencial e lá ficam armazenadas —só perdem o caráter de "confidencial" após período que vai de 10 a 25 anos.

Autoridades e analistas afirmam que o governo Trump não cumpre esse processo com o rigor que deveria, omitindo informações de anotações e transferindo para o sistema restrito informações que poderiam prejudicá-lo pessoalmente. O site Politico afirma que isso foi feito, por exemplo, no caso da transcrição do telefonema entre Trump e Volodimir Zelenski, presidente da Ucrânia, que gerou a abertura de um processo de impeachment contra o republicano, absolvido pelo Senado em janeiro.

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