Manifestantes pró-Bolsonaro agridem e ameaçam jornalistas em ato no Planalto; veja vídeo

Fotógrafo chegou a ser derrubado por duas vezes e chutado pelas costas

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Brasília

Manifestantes pró-governo Jair Bolsonaro agrediram, ameaçaram e expulsaram jornalistas que cobriam o ato na rampa do Palácio do Planalto realizado neste domingo (3) com a presença do presidente da República.

O fotógrafo Dida Sampaio, do jornal O Estado de São Paulo, é agredido por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro
O fotógrafo Dida Sampaio, do jornal O Estado de São Paulo, é agredido por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro - Ueslei Marcelino 03.mai.2020 /Reuters

Enquanto o presidente acenava para apoiadores, o grupo passou a dirigir ofensas ao repórter fotográfico Dida Sampaio, de O Estado de S. Paulo, que registrava o momento. ​

Um grupo se formou ao redor do fotógrafo, que foi derrubado por duas vezes e chutado pelas costas, além de tomar um soco no estômago. Além dele, o motorista do jornal, Marcos Pereira, também foi agredido.

Em live, Jair Bolsonaro observa manifestação a seu favor em frente ao Palácio do Planalto
Em live, Jair Bolsonaro observa manifestação a seu favor em frente ao Palácio do Planalto - Reprodução/Facebook

Outros repórteres e profissionais de imprensa foram então empurrados e ofendidos verbalmente, incluindo os da Folha. Um repórter do site Poder360 também foi agredido pelos manifestantes.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro foi alertado, segundo imagens transmitidas pela live de sua rede social, da confusão envolvendo jornalistas.

Ele prestigiou pessoalmente a manifestação de apoiadores a ele e com críticas ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao Congresso.

"Expulsaram os repórteres da Globo, expulsaram os repórteres", disse uma pessoa ao presidente.

Bolsonaro então respondeu: "Pessoal da Globo vem aqui falar besteira. Essa TV foi longe demais", disse, sem repudiar as agressões aos repórteres.

Enquanto isso, apoiadores cercaram um grupo de repórteres que tentavam se locomover.

A Polícia Militar, que acompanhou o ato durante todo o momento, não apartou a confusão ao ser acionada pela Folha.

Somente em​ segundo momento, quando repórteres foram expulsos do local, a PM cercou a imprensa para fazer o isolamento.

Profissionais foram retirados do local depois sob a escolta e veículo da polícia.

No sábado (2), um cinegrafista da TV Record foi agredido por manifestantes que estavam na porta da Polícia Federal, onde o ex-ministro Sergio Moro tinha depoimento marcado sobre as acusações sobre Bolsonaro.

Na sexta-feira, um grupo de 60 enfermeiros que protestava na Praça dos Três Poderes, em defesa do isolamento social e em homenagem aos profissionais de saúde que morreram no combate à pandemia, foram agredidos verbalmente por alguns militantes bolsonaristas.

Usando máscara, os enfermeiros carregavam cruzes e faziam uma manifestação silenciosa. Um grupo menor, com roupas verde-amarela, chegou insultando os profissionais, chamando-os de "analfabetos funcionais"e "covardes".

O Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal (Coren-DF) afirmou que vai processar os agressores.

Entidades e autoridade repudiam ataques

Os ataques aos jornalistas em frente à rampa do Palácio do Planalto aconteceram no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Neste ano, o tema definido pela ONU (Organização das Nações Unidas) é “jornalismo sem medo ou favor”.

Em nota, a diretoria e os jornalistas de O Estado de S. Paulo disseram que "repudiam veementemente os atos de violência cometidos hoje (03) contra sua equipe de jornalistas durante uma manifestação diante do Palácio do Planalto em apoio ao presidente Jair Bolsonaro".

"Trata-se de uma agressão covarde contra o jornal, a imprensa e a democracia. A violência, mesmo vinda da copa e dos porões do poder, nunca nos intimidou. Apenas nos incentiva a prosseguir com as denúncias dos atos de um governo que, eleito em processo democrático , menos de um ano e meio depois dá todos os sinais de que se desvia para o arbítrio e a violência", diz o comunicado.

"Dada a natureza dos acontecimentos deste domingo, esperamos que a apuração penal e civil das agressões seja conduzida por agentes públicos independentes, não vinculados às autoridades federais que, pela ação e pela omissão, se acumpliciam com o processo em curso de sabotagem do regime democrático."

A ANJ (Associação Nacional de Jornais) divulgou nota em que "condena veementemente as agressões sofridas por jornalistas e pelo motorista do jornal O Estado de S. Paulo quando cobriam os atos realizados neste domingo em Brasília" e que espera que "as autoridades responsáveis identifiquem os agressores, que eles sejam levados à Justiça e punidos na forma da lei".

"Além de atentarem de maneira covarde contra a integridade física daqueles que exerciam sua atividade profissional, os agressores atacaram frontalmente a própria liberdade de imprensa. Atentar contra o livre exercício da atividade jornalística é ferir também o direito dos cidadãos de serem livremente informados."

A presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Maria José Braga, condenou as agressões.

"Nossa posição é de condenação a toda e qualquer agressão a jornalistas", disse Braga. "Hoje foram dois repórteres fotográficos agredidos em Brasília. Repudiamos todas elas e pedimos o apoio da sociedade ao jornalismo e aos jornalistas."

Em nota conjunta, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e o Observatório de Imprensa da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), disseram que "tais acontecimentos evidenciam o risco cada vez maior ao qual o discurso belicoso e ultrajante do presidente da República expõe os repórteres brasileiros".

"Tais agressões são incentivadas pelo comportamento e pelo discurso do presidente Jair Bolsonaro. Seus ataques aos meios de comunicação, teorias conspiratórias e comportamento ofensivo fomentam um clima de hostilidade à imprensa, além de servirem de exemplo e legitimarem o comportamento criminoso de seus apoiadores", diz o comunicado. "É inaceitável que militantes favoráveis ao governo saiam às ruas com objetivo expresso de intimidar os profissionais de imprensa, quando o próprio governo federal definiu o jornalismo como atividade essencial durante a pandemia."

"A deterioração da liberdade de imprensa, fomentada por autoridades eleitas e servidores públicos, é um risco grave para a democracia", diz a nota.

O presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais) divulgou nota repudiando os ataques.

“É inaceitável a agressão covarde sofrida por jornalistas no pleno exercício de suas atividades. No dia em que se comemora a liberdade de imprensa, causa perplexidade e indignação os atos de violência contra esses profissionais, mas que também atingem a Democracia e o Estado de Direito", diz o comunicado.

"A liberdade de expressão já havia sido atacada recentemente, quando profissionais de saúde sofreram agressões verbais durante uma manifestação pacífica. Atitudes absurdas como essas, devem ser repudiadas com veemência e os responsáveis identificados e punidos dentro de todo o rigor da lei.”

Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux se manifestaram sobre os ataques.

Luís Roberto Barroso publicou em uma rede social. "Dia da liberdade de imprensa. Mais que nunca precisamos de jornalismo profissional de qualidade, com informações devidamente checadas, em busca da verdade possível, ainda que plural. Assim se combate o ódio, a mentira e a intolerância."

Alexandre de Moraes também publicou nota em redes sociais. "As agressões contra jornalistas devem ser repudiadas pela covardia do ato e pelo ferimento à democracia e ao Estado de Direito, não podendo ser toleradas pelas Instituições e pela Sociedade."

O ministro Luiz Fux disse que “a dignidade humana se caracteriza pela autodeterminação, pela liberdade de escolhas e de expressão".

"A dignidade da imprensa se exterioriza pela sua liberdade crítica, de investigação e de denúncia de atitudes anti-republicanas. Num país onde se admite agressões morais e físicas contra a imprensa, a democracia corre graves riscos.”

No início da noite, Gilmar Mendes publicou em uma rede social que "as agressões aos jornalistas do Estadão são intoleráveis".

"Neste Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, devemos lembrar que a atuação livre dos jornalistas é um pilar estruturante da nossa democracia. Que possamos superar a era do ódio que abala nosso país."

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também pelas redes sociais, solidarizou-se com jornalistas e pediu providências.

"Ontem enfermeiras ameaçadas. Hoje jornalistas agredidos. Amanhã qualquer um que se opõe à visão de mundo deles. Cabe às instituições democráticas impor a ordem legal a esse grupo que confunde fazer política com tocar o terror", disse Maia. "Minha solidariedade aos jornalistas e profissionais de saúde agredidos. Que a Justiça seja célere para punir esses criminosos."

"No Brasil, infelizmente, lutamos contra o coronavírus e o vírus do extremismo, cujo pior efeito é ignorar a ciência e negar a realidade. O caminho será mais duro, mas a democracia e os brasileiros que querem paz vencerão."

O ex-ministro Sergio Moro, também via redes sociais, disse que "democracia, liberdades - inclusive de expressão e de imprensa - Estado de Direito, integridade e tolerância caminham juntos e não separados".

ATENTAR CONTRA A CONSTITUIÇÃO

O que diz a lei:
São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição e, especialmente, contra [...] o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais" das unidades da Federação. A lei também diz que é crime de responsabilidade contra a administração “expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição”.

Situações que poderiam ser enquadradas:

Manifestações contra STF e Congresso

  • No último dia 15 de março, o presidente incentivou e participou em Brasília de ato que tinha como pauta a defesa do governo e fortes críticas ao Legislativo e ao Judiciário. Houve manifestantes com placas pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo. Bolsonaro cumprimentou participantes e fez fotos com muitos deles. Depois, subiu a rampa do Planalto, em certo momento sob um coro que pedia a volta do AI-5, ato da ditadura militar que fechou o Congresso e suspendeu direitos.
  • Neste domingo (3), Bolsonaro mais uma vez prestigiou pessoalmente uma manifestação de apoiadores a ele e com críticas ao STF e ao Congresso. Desta vez, o ex-ministro Sergio Moro também foi alvo do protesto. Em declaração transmitida em rede social, Bolsonaro afirmou: "Temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, pela liberdade"

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