PF mira youtubers bolsonaristas em inquérito sobre ato pró-intervenção militar

Pedido para rastrear endereços digitais de apoiadores de Bolsonaro foi autorizado em investigação no STF

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Brasília

A Polícia Federal vai rastrear endereços eletrônicos para identificar responsáveis por convocar manifestações em favor de intervenção militar nos Poderes e de outras pautas antidemocráticas.

O pedido foi feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, e autorizado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, ao abrir inquérito para apurar quem, eventualmente, organiza e financia os eventos.

Na mira da PF estão, além dos deputados Daniel da Silveira (PSL-RJ) e Cabo Junio Amaral (PSL-MG), citados no pedido para instaurar a investigação, youtubers bolsonaristas que chamaram público para atos com pleitos que afrontam a Constituição e a Lei de Segurança Nacional.

Aras solicitou inquérito ao Supremo após atos em várias localidades do país pedirem, em 19 de abril, dia do Exército, uma intervenção das Forças Armadas para interromper mandatos de congressistas e retirar de seus cargos ministros do Supremo.

Os manifestantes também reivindicavam a reedição do ato institucional número 5 (AI-5), de 1968, o mais radical da ditadura militar, que viabilizou a censura.

Em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) compareceu a um dos eventos. Diante do quartel-general do Exército, gritou palavras de ordem como "agora é o povo no poder" e "não queremos negociar nada".

A Constituição proíbe o financiamento e a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado democrático de Direito. Prevê como crimes inafiançáveis e imprescritíveis essas ações.

Já a Lei de Segurança Nacional diz que é crime fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social. Também veda incitar a subversão da ordem política ou social.

Levantamento da Folha nas redes sociais identificou ao menos dez movimentos com pleitos que vão da prisão de congressistas e de ministros do Supremo pelos militares ao extermínio de ativistas políticos considerados inimigos.

Guru da ala ideológica do governo, Olavo de Carvalho compartilhou no Facebook, no dia em que Bolsonaro foi ao ato pró-golpe, vídeo do canal de Youtube Direita TV News, de Marcelo Frazão.

Um dos principais defensores do regime militar nas redes sociais, ele se diz cientista e professor de ensino superior, no entanto não indica em qual instituição.

Frequentemente compartilhado por Olavo de Carvalho, tem 155 mil seguidores no Youtube e costuma afirmar que o país vive uma ditadura comunista desde a saída do último presidente militar, em 1985.

No vídeo compartilhado dia 19, entre menções a Deus e palavrões, Frazão estimula as pessoas a fazerem faixas e irem às ruas para pedir intervenção das Forças Armadas com Bolsonaro no poder.

"Cadeira elétrica, pena de morte, injeção letal para criminosos comunistas no Brasil", sugere no vídeo publicado por Olavo.

Nas redes sociais, Frazão tem fotos com o presidente e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Quem segue a Carta Magna de 1988, segundo ele, é inimigo do país. "Já expliquei um milhão de vezes que não tem que seguir a Constituição."

Procurado pela Folha, Frazão não quis dar entrevista.

Uma página no Facebook, Intervencionistas no Congresso, também prega explicitamente o golpe militar e, entre outras pautas, já faz campanha para que o major Adriano da Costa e Silva se eleja prefeito de São Paulo.

Candidato da Democracia Cristã ao Governo de São Paulo derrotado em 2018, ele tem parentesco distante com o general Artur da Costa e Silva, segundo presidente do Brasil na ditadura militar (1967 a 1969).

O responsável pela página é Davi Benedito dos Santos, que se identifica como empresário e líder de um grupo que, em 16 de novembro de 2016, ganhou notoriedade por quebrar a porta de vidro e invadir o plenário da Câmara dos Deputados por algumas horas.

Nas redes sociais, ele posta vídeos em manifestações, pedindo uma solução para o país, na qual o Exército agiria para tirar dos cargos alguns congressistas e ministros do STF, considerados corruptos.

"O povo está aqui pedindo que as Forças Armadas assumam o controle do país com Bolsonaro no poder. A guerra é violenta, a guerra é forte. Eles são terroristas, não valem nada", diz numa postagem.

Procurado pela Folha, Santos negou que o Intervencionistas no Congresso incite a violência e a quebra da ordem.

"O movimento que eu comando é pacífico. Vai, no máximo, invadir lá, tirar os caras de lá na boa. Se vier para cima, vai tomar porrada", declarou.

Questionado sobre o inquérito no Supremo e sobre possível ilegalidade em suas postagens, ele afirmou que as ideias veiculadas são democráticas e que tem o direito de tentar consertar o Brasil.

Disse ainda não temer eventual reação das autoridades à ações do movimento. "Que venha. Se tiver de prender, prende [sic]. Foda-se! Tem de matar, mata. Só que depois tem de aguentar as consequências . Violência gera violência."

O deputado Daniel Silveira confirma que participou das manifestações, mas diz que não ajudou na organização nem pediu intervenção militar. "De maneira alguma foi ato antidemocrático, ninguém pediu AI-5, salvo, talvez, um indivíduo ou outro solto na multidão. Nenhum deputado solicitou isso."

O deputado Cabo Junio Amaral também afirma que não defendeu a intervenção militar nem organizou os protestos. Ele diz não temer as consequências das investigações. "Em nenhum momento falei de AI-5 ou de intervenção. Se pensam que vão me prejudicar ou intimidar, estão muito enganados, só vai dar ainda mais publicidade para mim", diz.

Veja perguntas e repostas sobre o inquérito

O que será investigado? Por quem?
Será apurado quem organizou e se houve financiamento dos atos contra a democracia realizados em algumas cidades do país no último dia 19. A investigação mira empresários e ao menos dois deputados federais bolsonaristas (os nomes não foram revelados porque o processo corre sob sigilo). A apuração será feita pela PGR, com autorização do STF

O que diz a lei?
A Constituição proíbe o financiamento e a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado democrático de Direito. Prevê como crimes inafiançáveis e imprescritíveis ações desse tipo, promovidas por grupos armados, civis ou militares. Já a Lei de Segurança Nacional diz que é crime fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social. Também veda incitar a subversão da ordem política ou social; a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; e a luta com violência entre as classes sociais

O presidente Jair Bolsonaro, que participou do ato em Brasília, é alvo do inquérito?
Não. No pedido de abertura de inquérito, o procurador-geral, Augusto Aras, não cita o presidente como um dos possíveis organizadores ou financiadores. Interlocutores de Aras alertam, no entanto, que, caso sejam encontrados indícios de que o chefe do Executivo ajudou a organizá-los, ele pode vir a ser alvo

O que o presidente fez?
Bolsonaro participou de um ato em Brasília em que os manifestantes defendiam pautas inconstitucionais, como uma intervenção das Forças Armadas nos Poderes, o fechamento do Congresso e do Supremo, além da reedição do Ato Institucional número 5 (AI-5), o mais radical da ditadura militar. Ele subiu numa caminhonete e gritou palavras de ordem como "não queremos negociar nada"

O presidente pode ser investigado? Por quem?
O presidente pode ser investigado pela Procuradoria-Geral da República, mediante aval do STF

Crimes da Lei de Segurança Nacional

Artigo 16
Integrar ou manter associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça
Pena de 1 a 5 anos de prisão

Artigo 17
Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito
Pena de 3 a 15 anos de prisão

Artigo 23, incisos I, II e III
Incitar à subversão da ordem política ou social; à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; à luta com violência entre as classes sociais
Pena de 1 a 4 anos de prisão

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