O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, diz que a entidade pode sugerir ao Congresso o impeachment de Jair Bolsonaro antes mesmo do fim do inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal que apura se o presidente da República tentou interferir na Polícia Federal.
Santa Cruz avalia haver indícios de que o presidente tenha praticado advocacia administrativa, quando alguém na posição de funcionário público age em prol de interesse pessoais, entre outros crimes.
O advogado participou nesta segunda-feira (11) da live da Folha Ao Vivo em Casa.
“Não [precisa esperar]. Temos absoluta independência e em ao chegarmos à conclusão [de que cabe um pedido de impeachment], faz-se o parecer, ele vai ao conselho, que tem 81 conselheiros, três por estado”, disse.
A investigação no Supremo baseia-se nas acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro de que o presidente buscou trocar o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, para intervir no rumo de inquéritos.
Depois das declarações de Moro, a OAB pediu uma apuração à comissão de estudos constitucionais da entidade, que reúne mais de 20 juristas, entre eles ex-ministros do Supremo, para averiguar se Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade.
O ex-ministro da Justiça foi provocado e informou à ordem que vai se manifestar no processo. Bolsonaro também foi instado a apresentar seus argumentos sobre a investigação.
Santa Cruz diz que é "absolutamente razoável" avaliar que "não há mais contraditório em relação à busca do presidente em interferir no processo [de troca na PF] e apontar concretamente que casos precisava haver ou protegidos ou atacados”.
“O ministro juntou uma mensagem que comprova isso e para mim basta. Não há negativa do presidente. O presidente, na sua defesa, diz que é isso, mas não era essa a intenção, mas não nega o fato", disse. Santa Cruz diz ver aí indício de advocacia administrativa em relação a "casos concretos".
O ex-ministro afirmou à Polícia Federal que, em março, recebeu uma mensagem de Bolsonaro dizendo: "Moro, você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio”.
Em outro diálogo, Bolsonaro envia uma matéria do site O Antagonista intitulada "PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas". Em seguida, o presidente escreve: "Mais um motivo para a troca", se referindo à sua intenção de tirar Valeixo do comando da corporação.
Apesar de ressaltar que é dever da OAB enfrentar essa discussão, Santa Cruz defende que o debate sobre o afastamento de Bolsonaro só ocorra efetivamente após a pandemia do novo coronavírus.
“Eu continuo achando que é o momento de tratar de pandemia e que o ideal é se discutir o impeachment após a pandemia, até porque as pessoas podem se manifestar, se encontrar, falar”, diz.
“Não há como discutir um processo complexo como o impeachment por Skype, aparelhos e programas de internet. E há necessidade de mobilização popular. E é uma discussão que é jurídica, mas política, e que cabe notadamente ao Congresso, que está com óbvias dificuldades de organização neste momento”, continua.
O presidente da OAB, que conseguiu no Supremo uma liminar para que Bolsonaro não possa sustar atos de governadores que imponham o isolamento social e fechem comércios, avalia que o presidente também pode ser responsabilizado por suas ações à frente da pandemia do coronavírus.
Bolsonaro prega a reabertura de comércios, critica medidas de distanciamento social e provoca ele próprio aglomerações contra as orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde).
“É criminosa a conduta do presidente. Ele sabe a força da opinião dele, sabe o baixo acesso que o povo brasileiro tem à informação, à escola. Ele sabe do desespero de parcela mais pobre da população que não pode ficar em isolamento com esses R$ 600”, reclama Santa Cruz.
“O presidente cria a ambiência e muitas dessas mortes poderão, sim, ser imputadas e responsabilidade pessoal de Jair Bolsonaro. Ele não vai fugir disso. A história é inclemente.”
Bolsonaro e o presidente da OAB já protagonizaram embates públicos. Em julho do ano passado, o presidente provocou o advogado e disse que um dia contaria como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar (1964-1985).
Santa Cruz foi ao STF pedir explicações do presidente. Ele é filho de Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, desaparecido em fevereiro de 1974, após ter sido preso por agentes do DOI-Codi, órgão de repressão da ditadura, no Rio de Janeiro.
O presidente da OAB admite ter um pré-conceito negativo sobre Bolsonaro, mas afirma que “as instituições são maiores que as pessoas” e que ele age nos limites do estatuto da ordem e o presidente precisa atuar no limite da Constituição.
Santa Cruz acusa Bolsonaro de autoritarismo ao participar de manifestações contra o Supremo e o Congresso e atacar jornalistas e instituições.
“Ele [Bolsonaro] trabalha todos os dias pela construção desse partido de ultradireita e ruptura democrática. Ele acorda e dorme trabalhando por isso”, critica.
As lives sobre política da Folha acontecem sempre às segundas-feiras, às 17h, com duração média de 40 minutos. Ao Vivo em Casa é transmitido no site do jornal e pelo canal da Folha no YouTube.
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