Sem desistir de Ramagem, Bolsonaro busca 'diretor tampão' para a Polícia Federal

Presidente deverá protocolar embargos de declaração para saber se poderá nomear amigo após a conclusão de inquérito no STF

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Brasília

Mesmo tendo sofrido uma derrota no STF (Supremo Tribunal Federal), o presidente Jair Bolsonaro não desistiu de nomear o delegado e amigo Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal.

Na quinta-feira (30), o presidente acionou a AGU (Advocacia-Geral da União) para contestar a decisão. A ideia, estudada pela equipe técnica, é na próxima semana protocolar embargos de declaração para que o ministro Alexandre de Moraes, que suspendeu a posse de Ramagem, detalhe o seu despacho e esclareça a extensão de sua decisão.

O ministro concedeu liminar a uma ação protocolada pelo PDT, que alegou "abuso de poder por desvio de finalidade" com a nomeação do delegado. Na semana passada, ao deixar o comando do Ministério da Justiça, Sergio Moro afirmou que Bolsonaro queria ter acesso a relatórios de inteligências sobre investigações.

A intenção do presidente é esclarecer o tempo de validade da suspensão. A dúvida é se o delegado poderá ser nomeado de novo após finalizado o inquérito para apurar se Bolsonaro tenta interferir em investigações da Polícia Federal. Na segunda-feira (27), o ministro Celso de Mello instaurou a apuração para averiguar as acusações feitas por Moro.

Alexandre Ramagem em sabatina Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, antes de ocupar o cargo de diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência - Marcos Oliveira/Agência Senado

Nesta quinta-feira (30), em conversas reservadas, o presidente afirmou que não desistiu de nomear Ramagem e ressaltou que não perderia o que classificou de uma batalha política com o Poder Judiciário.

A ideia de Bolsonaro é, enquanto não conseguir viabilizar o nome escolhido, nomear para o comando da Polícia Federal uma espécie de "diretor tampão".

Em análise para a função temporária estão o diretor do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), Fabiano Bordignon, o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, e o secretário de segurança do STF, Paulo Gustavo Maiurino.

O nome do último tornou-se nesta quinta-feira o favorito, por sua boa relação tanto com os delegados da Polícia Federal como com os secretários estaduais de Segurança Pública. Ele conta também com o respaldo do presidente do STF, José Dias Toffoli.

O secretário de segurança do Distrito Federal, Anderson Torres, que chegou a ser cotado para a função após o anúncio da demissão de Moro, disse a amigos e aliados nesta quinta que não aceitaria assumir a função caso fosse convidado.

No STF, apesar de ter havido divisão sobre a decisão de suspender a nomeação —ao menos um integrante teria reclamado reservadamente—, a avaliação de pessoas próximas a ministros é a de que as críticas de Bolsonaro a Moraes fizeram crescer na corte um espírito de corpo e que, por isso, ficaria mais distante a chance de o presidente obter uma vitória por lá.

A suspensão do ato do presidente levantou uma discussão jurídica a respeito da possibilidade ou não de o governo apresentar recurso. Esse ponto, porém, suscita controvérsias e não há jurisprudência consolidada que indique a posição do Supremo a respeito.

Há quem defenda que o mandado de segurança apresentado pelo PDT perdeu o objeto, porque o ato atacado não existe mais, o que levaria ao fim da ação. Assim, o processo ficaria prejudicado e não poderia mais ser julgado.

No entanto, há juristas que vão no sentido contrário e sustentam que o caso pode seguir em tramitação no Supremo mesmo após Bolsonaro ter sustado os efeitos da indicação.​

Um dia depois de ter sofrido a derrota no Poder Judiciário, o presidente nesta quinta-feira subiu o tom das críticas contra o STF, que reagiu e impôs um revés ao chefe do Executivo.

Na primeira sessão da corte após Moraes ter suspendido a nomeação de Ramagem, os ministros derrubaram uma medida provisória do governo, criticaram a postura de Bolsonaro e rasgaram elogios a Moraes, atacado pelo presidente.

No julgamento, todos os magistrados votaram para invalidar a MP que restringia a Lei de Acesso à Informação durante a pandemia do novo coronavírus.

Por unanimidade, o Supremo referendou a decisão liminar (provisória) de Moraes dada dia 26 do mês passado.

A decisão foi tomada horas depois de Bolsonaro ter afirmado que Moraes havia adotado uma posição “política” e dado uma “canetada” ao anular a nomeação de Ramagem para o a direção-geral da Polícia Federal.

“Agora tirar numa canetada e desautorizar o presidente da República, com uma canetada, dizendo em [princípio da] impessoalidade?”, questionou o presidente.

Na entrada do Palácio da Alvorada, onde concedeu entrevista à imprensa, ele disse ainda que “não engoliu” a determinação do ministro e ressaltou que Moraes quase gerou uma crise institucional no país.

“Eu não engoli ainda essa decisão do senhor Alexandre de Moraes", reclamou Bolsonaro. "Não engoli. Não é essa a forma de tratar o chefe do Executivo", afirmou.

A medida provisória derrubada pelo STF suspendia prazos para órgãos públicos responderem pedidos de informações com base na LAI nos casos em que o setor demandado estivesse “prioritariamente envolvido com as medidas de enfrentamento” à doença.

A norma também determinava a suspensão dos prazos em situação que exigissem a presença dos servidores no local de trabalho.

Moraes, relator do processo, afirmou que a iniciativa viola o princípio da publicidade exigido pela administração pública e ressaltou que ela teria efeito para todos os entes da federação. Ele entendeu que a medida provisória afasta a plena incidência dos princípios constitucionais da publicidade e da transparência.

"A participação política dos cidadãos em uma democracia representativa somente se fortalece em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre as políticas públicas adotadas pelos governantes", afirmou.

No julgamento seguinte, que discutia as consequências do novo coronavírus, Moraes mandou recados ao Palácio do Planalto. Segundo ele, o Brasil só terá esperança de sair da crise se houver liderança para conduzir o processo.

“E esperança se dá com liderança. Quando nós que exercemos cargos públicos, possamos olhar para a população e afirmar que estamos fazendo o melhor com base em regras técnicas, regras de saúde pública, regras internacionalmente conhecidas. E não com base em achismos, com base em pseudo monopólios de poder por autoridade”, disse Moraes.

Os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes não aguardaram nem o início da sessão para se solidarizar com o colega de STF.

Barroso enviou uma declaração a jornalistas para elogiar Moraes e destacar sua trajetória, em uma resposta indireta ao questionamento de Bolsonaro sobre a possibilidade de o ministro ter chegado ao STF por ser amigo do ex-presidente Michel Temer (MDB), que o indicou para o cargo.

“O ministro chegou ao Supremo Tribunal Federal após sólida carreira acadêmica e de haver ocupado cargos públicos relevantes, sempre com competência e integridade. No Supremo, sua atuação tem se marcado pelo conhecimento técnico e pela independência. Sentimo-nos honrados em tê-lo aqui”, disse.

Gilmar, por sua vez, usou as redes sociais para comentar o caso. “As decisões judiciais podem ser criticadas e são suscetíveis de recurso, enquanto mecanismo de controle. O que não se aceita —e se revela ilegítima— é a censura personalista aos membros do Judiciário. Ao lado da independência, a Constituição consagra a harmonia entre Poderes.”

Na sessão, os ministros também, sem se referir diretamente a Bolsonaro, também se solidarizaram com o colega.

A ministra Cármen Lúcia afirmou que o colega “honra a magistratura brasileira” pela sua responsabilidade e pelo “vasto conhecimento que faz com que o Brasil saiba que há, sim, ótimos juízes”.

O ministro Luiz Edson Fachin foi na mesma linha e disse que se sente honrado em integrar o STF ao lado de Moraes. “Faço três cumprimentos, em primeiro lugar ao nosso eminente colega Alexandre de Moraes, cuja contribuição intelectual e acadêmica foi realçada da tribuna virtual e espelha aquilo que de real tem em todos os estudantes e estudiosos do Brasil”.

O novo revés sofrido pelo presidente agrava a relação conturbada que ele mantém desde o início do ano com o STF. Na semana passada, o presidente compareceu a um protesto em que foram feitas críticas ao Judiciário e, em março, ele convocou para uma manifestação na qual foram desferidos ataques ao Supremo.

Entenda o caso e os possíveis caminhos jurídicos

Nomeação para a PF
O ministro Alexandre de Moraes suspendeu, nesta quarta (30), a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da PF após o PDT entrar com mandado de segurança alegando "abuso de poder por desvio de finalidade" no ato de Jair Bolsonaro

  • O magistrado baseou sua decisão no comportamento do chefe do Executivo. Segundo o ministro, há elementos que apontam o interesse de Bolsonaro em escolher para o comando da corporação alguém que pudesse fornecer acesso a informações privilegiadas. O próprio presidente admitiu interesse pessoal em ações da PF, em pronunciamento após a demissão de Sergio Moro
  • Para o ministro do STF, houve "inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público" na nomeação. "Em um sistema republicano, não existe poder absoluto ou ilimitado (...)", acrescentou
  • O ministro destacou que sua decisão era cabível pois a PF não é um "órgão de inteligência da Presidência da República", mas sim "polícia judiciária da União, inclusive em diversas investigações sigilosas"
  • Moraes citou ainda acusações do ex-juiz contra o presidente. "[Moro] afirmou expressa e textualmente que o presidente da República informou-lhe da futura nomeação do delegado federal Alexandre Ramagem para a Diretoria da Polícia Federal, para que pudesse ter 'interferência política' na instituição, no sentido de 'ter uma pessoa do contato pessoal dele', 'que pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência'"
  • Ramagem é amigo dos filhos de Bolsonaro. Sobre essa relação, o ministro afirmou que o princípio da impessoalidade "exige do administrador público a prática do ato somente visando seu fim legal, de forma impessoal"

Reação de Bolsonaro
Na manhã desta quinta-feira (30), o presidente criticou a determinação de Alexandre de Moraes, chamando-a de "política" e de "canetada"."Se [Ramagem] não pode estar na Polícia Federal, não pode estar na Abin [Agência Brasileira de Inteligência, comandada por Ramagem]. No meu entender, uma decisão política", afirmou.

"Agora tirar numa canetada e desautorizar o presidente da República, com uma canetada, dizendo em [princípio da] impessoalidade? Ontem quase tivemos uma crise institucional, quase. Faltou pouco", acrescentou

Governo pode recorrer?
Esse ponto suscita controvérsias e não há jurisprudência consolidada que indique a posição do Supremo Tribunal Federal a respeito. Há quem defenda que o mandado de segurança de autoria do PDT
perdeu o objeto, porque o governo revogou a nomeação de Ramagem para a PF. Há especialistas que vão no sentido contrário e sustentam que o caso pode seguir em tramitação no tribunal mesmo assim

O que pode ser feito na esfera jurídica?
Bolsonaro anunciou que entrará com recurso, mas a equipe técnica ainda estuda o melhor meio processual para fazê-lo. A estratégia que ganhou força nesta quinta é a de protocolar embargos de declaração para que o ministro Alexandre Moraes detalhe o despacho e esclareça qual sua extensão. O principal ponto que o governo quer elucidar é sobre avalidade da decisão. Ou seja, o objetivo de Bolsonaro é entender se Ramagem poderá ser nomeado novamente após finalizado o inquérito para apurar se o presidente tenta interferir em investigações em cursoda Polícia Federal

Quem vai comandar a Polícia Federal?
A ideia manifestada pelo presidente a aliados é, enquanto não conseguir nomear Ramagem, colocar no comando da Polícia Federal uma espécie de "diretor tampão". Em análise, estão os nomes do diretor do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), Fabiano Bordignon,"‹ do superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, e do secretário de Segurança Pública do STF, Paulo Gustavo Maiurino, entre outros

Ataques ao STF
As críticas do presidente se inserem num contexto de embate com o tribunal, que impôs uma série de derrotas ao Executivo. Desde que a OMS declarou pandemia do novo coronavírus, em 11 março, o STF contrariou os interesses do governo em ao menos 12 ações. Além dos ataques verbais, Bolsonaro já participou de atos pró-intervenção militar, que pediam o fechamento do Congresso e do próprio STF. O último deles aconteceu no domingo (19). O envolvimento do presidente nas manifestações poderia ser enquadrado como crime de responsabilidade. A lei 1.079/1950 diz em seu artigo 4º, inciso II:

  • São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra (...) o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados
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