Após passar no Senado, PEC para adiar eleições esbarra em resistência da Câmara

Maia tenta reunir apoio de partidos de centro, mas bancadas estão rachadas em meio à pressão de prefeitos que buscam reeleição

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Brasília

Depois da tramitação acelerada no Senado, a PEC (proposta de emenda à Constituição) do adiamento das eleições municipais entrou em marcha lenta na Câmara, enquanto o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tenta reunir o apoio de partidos de centro ao texto.

Pautada na quinta-feira passada (18) pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a PEC foi aprovada na terça-feira (23) pelos senadores em dois turnos de votação.

Conforme o texto aprovado, o primeiro turno das eleições seria adiado de 4 de outubro para 15 de novembro. O segundo turno do pleito passaria de 25 de outubro para 29 de novembro.

Desde que a votação da PEC no Senado foi anunciada, Maia, defensor do adiamento, começou a alertar que, na Câmara, a situação estava bem longe do consenso visto na Casa vizinha.

Bancadas de partidos como MDB, PP, PL, DEM, Republicanos e PSL estão rachadas sobre o adiamento. Somadas, as legendas têm 216 deputados —de um total de 513 da Casa.

Para passar na Câmara, a proposta precisa ser aprovada pelo plenário em dois turnos e obter o apoio de pelo menos três quintos dos deputados (308 votos) em cada votação.

A divisão é fruto da pressão de prefeitos e vereadores que buscam a reeleição. Presidente da FNP (Frente Nacional de Prefeitos), Jonas Donizette (PSB), prefeito reeleito de Campinas (SP), reconhece haver um lobby para manter as datas atuais das eleições.

"Alguns prefeitos estão fazendo contato direto com deputados, mas isso não foi feito pela frente", afirma. "Eu não conversei com o presidente do Senado nem com o da Câmara pedindo isso."

Manter as datas, admite o presidente da FNP, favorece os atuais ocupantes do cargo. "O adversário tem menos tempo, e, nesse momento em que a população está falando só de Covid-19, esvazia o debate de outros assuntos da cidade."

Donizette defende que a votação da PEC ocorra até o fim de junho, para que haja uma clareza sobre o cenário eleitoral e para que seja possível alterar prazos, como o de desincompatibilização de servidores públicos —segundo o atual calendário do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), isso só pode ser feito até 4 de julho.

Além disso, em ano eleitoral há restrição para repasse de verbas. "Precisa ficar assegurado que, pelo menos para Covid, os repasses ficarão garantidos", diz.

Conforme o TSE, a partir de 4 de julho ficaria proibida a transferência voluntária de recursos da União aos estados e municípios e dos estados aos municípios. "Mas este ano é excepcionalíssimo, e estamos dependemos muito de repasse de verba que foi aprovada", afirma.

Para tentar viabilizar o adiamento, Maia busca um acordo com líderes partidários. No entanto, na avaliação de congressistas, vai ser difícil conseguir esse consenso.

Alguns criticam a decisão do Senado de começar a tramitação pela Casa. Eles argumentam que, como a resistência é maior na Câmara, que é mais municipalista e onde há mais interesse nesse período eleitoral, o debate deveria ter sido esgotado primeiro entre os deputados.

Inicialmente, a intenção do presidente da Câmara é levar a PEC para votação direto em plenário, como ocorreu com a única outra PEC votada virtualmente, a do Orçamento de Guerra.

Com isso, evitaria uma etapa obrigatória, mas que retardaria a discussão: a constituição de uma comissão especial para analisar o mérito da proposta. Pelo regimento, o colegiado teria até 40 sessões para avaliar a proposição.

Segundo parlamentares, caso Maia decida constituir a comissão especial, vai sinalizar que está difícil construir um acordo com os líderes dos partidos de centro e que a PEC pode, inclusive, não ser votada.

A possibilidade é rechaçada por partidos da oposição. Líder do PSB na Câmara, o deputado Alessandro Molon (RJ) defende o adiamento para garantir que todos os eleitores consigam participar do pleito.

"É o mínimo de respeito ao princípio democrático que se faça a eleição num contexto como esse na data mais apropriada", diz. "Para que isso ocorra sem que haja prorrogação de mandato, o que também é antidemocrático, isso tem que se dar em novembro ou dezembro."

Manter a data, avalia, excluiria eleitores de grupos de risco e também prejudicaria candidatos que não teriam paridade de condições com prefeitos e vereadores que estão no cargo e tentam a reeleição.

Na avaliação dele, se a PEC não passar na Câmara, além do desgaste que a notícia geraria para a imagem dos deputados, haveria o risco de judicialização da questão. "Corre-se o risco de a Justiça decidir, provocada por qualquer partido, pelo adiamento das eleições", afirma.

"Se o Congresso cometer o erro de não aprovar, depois não poderá reclamar de ativismo judicial, porque o Congresso está tendo a oportunidade de decidir ele mesmo pelo adiamento."

Líder do PC do B na Câmara, a deputada Perpétua Almeida (AC) também avalia que manter as datas atuais é um risco muito grande. "Ou a Câmara toma essa decisão de fazer o adiamento, como votou o Senado, ou o TSE terá de decidir por nós, e isso é muito ruim, porque senão é o TSE que vai legislar."

Um dos principais argumentos usados por congressistas que defendem a manutenção das datas do calendário do TSE é a falta de consenso sobre quando haverá, de fato, uma queda na curva da pandemia.

Alguns especialistas falam em agosto e setembro, enquanto outros só veem uma melhora a partir de outubro. Além disso, a pandemia atinge os municípios de maneira diferente, como ressaltou o próprio Maia em entrevista na semana passada.

Sem uma clareza sobre quando seria seguro realizar os dois turnos, eles avaliam que adiar para novembro ou dezembro seria inócuo.

Por trás do impasse há ainda a tentativa de alguns congressistas do centrão —grupo formado por partidos como PP, PL e Republicanos— de tentarem unificar a eleição municipal com o pleito de 2022.

A proposta é rechaçada pelo presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso, que descarta qualquer medida que prorrogue mandatos de prefeitos e vereadores. Em maio, o ministro afirmou que unir eleições municipais e nacionais traria um "inferno gerencial" ao TSE.

Como ficam as datas, segundo proposta aprovada no Senado

15 de agosto 
Prazo para o desligamento daqueles que quiserem disputar os cargos de prefeito ou vice-prefeito

31 de agosto a 16 de setembro 
Início das convenções partidárias para a escolha dos candidatos

26 de setembro 
Data limite para que os partidos solicitem registro dos candidatos à Justiça Eleitoral

27 de setembro a 12 de novembro 
O texto determinou a postergação do início da propaganda eleitoral para 27 de setembro, sendo que a de rádio e TV deve começar 35 dias antes da antevéspera da eleição

27 de outubro 
Relatório discriminando as transferências do fundo partidário, os recursos em dinheiro e os estimáveis em dinheiro recebidos, bem como os gastos realizados

15 de novembro 
Primeiro turno de votações para vereadores e prefeitos

29 de novembro 
Segundo turno para municípios com mais de 200 mil eleitores

15 de dezembro 
​Entrega das prestações de contas dos candidatos e do próprio comitê à Justiça Eleitoral

27 de dezembro 
Último prazo para realização de eleições para municípios mais afetados pela pandemia

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