Ato em SP contra Bolsonaro descarta isolamento e conta com policiais 'mediadores'

Maioria se agrupa em meio à pandemia, enquanto entoa gritos contra o presidente e o racismo

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São Paulo e Rio de Janeiro

Manifestantes ligados ao movimento negro, ao MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e a torcidas organizadas de times de futebol se reúnem na tarde deste domingo (7), no largo da Batata (zona oeste de São Paulo), para uma manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro e o racismo e a favor da democracia.

“Ninguém queria estar na rua agora. Todo mundo queria estar em casa se protegendo [da Covid-19]”, diz Guilherme Boulos, líder do MTST que se candidatou à Presidência em 2018. “O problema é que criou-se uma escalada fascista no Brasil. Por isso essas manifestações têm que acontecer.”

Ele afirma que a organização do ato tomou medidas de precaução contra a transmissão do novo coronavírus. “Tem toda uma orientação para ser possível fazer manifestação pró-democracia sem ser vetor [da doença]”, afirma.

Entre elas, cita a distribuição de máscaras de proteção e álcool gel pelo MTST e os sinais de “x” inscritos com giz no chão pela brigada de saúde do MTST e distantes um metro um do outro.

Mas, apesar de o carro de som pedir que os manifestantes se posicionem sobre essas marcas, a maioria das pessoas se agrupa em distâncias menores, enquanto entoam gritos contra o presidente e o racismo.

Entre as palavras de ordem estão: “Doutor, eu não me engano, o Bolsonaro é miliciano”, “Um, dois, três, quatro, cinco, mil, lugar de fascista é na ponta do fuzil” e “fora Bolsonaro!”.

“Estamos enfrentando o bolsovírus”, diz uma representante do movimento negro de cima do carro de som que começou a mobilizar os presentes por volta das 14h40. “Não podemos ficar em casa. Se ficarmos, ou morremos do vírus ou de bala perdida. Não podemos aceitar esse estado fascista.”

Quatro policiais militares vestindo coletes com a inscrição “mediador” circulam entre os manifestantes, conversando com representes dos grupos presentes na manifestação.

“Estamos nos colocando à disposição deles para que eles tenham um canal rápido com a PM, para mantermos um diálogo rápido e evitar ruídos e incidentes”, diz capitão Vilardi, à frente desse grupo de policiais.

Também neste domingo, mas na avenida Paulista, manifestantes pró-Bolsonaro participam de ato em frente ao prédio da Fiesp. Com faixas defendendo intervenção militar, críticas ao governador João Doria e aplausos à Polícia Militar, a manifestação reuniu grupo de cerca de cem pessoas.

No domingo passado, a polícia lançou mão com bombas e prisões durante a manifestação na avenida Paulista que reuniu manifestantes contra e a favor de Bolsonaro.

No Rio de Janeiro, centenas de pessoas, em sua maiorias jovens, fizeram uma passeata na avenida Presidente Vargas, no centro, contra o racismo e a morte de negros pela polícia.

"Vidas negras importam" e "sem hipocrisia, essa polícia mata negro todo dia", era o grito mais repetido pelos manifestantes.

Eles também lembravam uma das últimas publicações da vereadora Marielle Franco (PSOL) antes de ser assassinada.

"Marielle perguntou, eu também vou perguntar. Quantos mais têm que morrer para essa guerra acabar?", cantavam.

O grupo entoou gritos contra a Polícia Militar e o presidente Jair Bolsonaro, o acusando de envolvimento com milícias. Ele também criticavam o vice-presidente Hamilton Mourão. "Fascistas, racistas, não passarão. Fora Bolsonaro e Fora o Mourão", gritavam.

A maior parte das faixas e cartazes faziam referência a pessoas mortas pelas forças de segurança nos últimos anos: o músico Evaldo Rosa, a menina Agatha Félix e o adolescente João Pedro Mattos Pinto.

O grupo foi acompanhado desde o monumento a Zumbi dos Palmares até a Candelária por um forte contingente de policiais militares. Não houve registros de confusão até as 16h, os manifestantes retornavam ao ponto de início do ato.

Divisão dos atos

A cidade de SP tem dois atos neste domingo. A divisão ocorreu após uma decisão judicial, após pedido do governo João Doria (PSDB), ter proibido a realização de atos contra e a favor de Bolsonaro no mesmo horário e local.

Em reunião na sexta-feira, entre os organizadores de atos de ambos os lados, a Polícia Militar e o Ministério Público tentaram chegar a um acordo, mas os atos foram mantidos. Diante do impasse, movime ntos de esquerda e torcidas organizadas de times de futebol transferiram o protesto contra Bolsonaro para o Largo da Batata.

A aglomeração ocorrida no Largo da Batata contraria as recomendações de médicos e especialistas para evitar a propagação do vírus. Na sexta-feira, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e outras entidades divulgaram nota contra a realização de atos de rua neste momento de pandemia.

Antes mesmo do ato, Doria classificou como uma total irresponsabilidade a decisão de organizadores de manter as manifestações contra e a favor do presidente. “Democracia deve ser responsável, não irresponsável”, disse o tucano á coluna Painel, da Folha.

No último domingo (31), um ato contra Bolsonaro convocado por torcidas organizadas acabou sendo dispersado por bombas de gás lançadas pela PM. Na avenida Paulista, também havia uma manifestação a favor de Bolsonaro e houve conflito entre as partes.

O presidente classificou como marginais e terroristas os integrantes dos chamados grupos antifascistas que estão promovendo protestos contra o seu governo.

Para evitar que isso se repetisse, a PM tentou fazer com que um dos lados aceitasse mudar o dia ou o local da nova manifestação, mas não houve consenso nas reuniões.

A semana que para muitos críticos do presidente se iniciou sob o símbolo da unidade chegou a este domingo com um quadro de divisões internas na oposição ao governo, acentuado pelas divergências sobre a convocação de atos de rua.

Partidos de esquerda, o PT e o PSOL decidiram ao longo da semana se somar à nova mobilização, assim como a Frente Povo sem Medo e coletivos de militância negra.

As organizações mantiveram o chamado mesmo após o questionamento sobre promover aglomeração em meio à pandemia do novo coronavírus —a estratégia do distanciamento social é a única forma efetiva de prevenção do contágio, segundo orientações médicas.

Recebidos com certa euforia por setores críticos a Bolsonaro, os manifestos da sociedade civil que buscaram evocar o clima das Diretas Já em contraposição ao presidente decidiram ficar fora da convocação. Os organizadores discordam da realização de atos agora por causa da Covid-19.

Os dois manifestos suprapartidários de maior alcance —Estamos Juntos (endossado por artistas, intelectuais e políticos da esquerda à direita) e Basta! (articulado por advogados e juristas com diferentes visões)— foram divulgados no mesmo fim de semana em que as torcidas ocuparam a Paulista.

Os movimentos, contudo, optaram por concentrar os esforços no ativismo digital. Ambos estão abertos para assinaturas de cidadãos na internet e registravam juntos, até sexta-feira (5), mais de 346 mil apoios.

A intenção de constituir uma frente ampla contra Bolsonaro, a exemplo da união vista em 1984 em torno do voto direto, teve na segunda-feira (1º) um revés inicial, com a declaração do ex-presidente Lula (PT) de que descartava aderir aos manifestos.

Ele disse que não é "maria vai com as outras" e que se recusa a marchar ao lado de figuras que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Citou nominalmente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que é um dos signatários do Estamos Juntos, assim como o petista Fernando Haddad.

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