Entenda projeto sobre fake news aprovado no Senado e agora sob análise da Câmara

Alvo de críticas do governo, proposta cria Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparencia na Internet

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São Paulo

Em tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que ficou conhecido como PL das fake news busca instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

Aprovado no Senado em 30 de junho, o projeto é extenso e traz diversas mudanças em relação a redes sociais como Facebook e Twitter eaplicativos de mensagem como WhatsApp e Telegram. Entre elas, regras de transparência em relação à publicidade nas redes e proibição de contas falsas ou de robôs não identificados como tal.

Entre julho e agosto a Câmara fez debates virtuais públicos sobre o projeto. Durante a tramitação no Senado, o projeto teve várias versões e a tendência é que a Câmara apresente nas próximas semanas uma nova versão —nesse caso, depois de aprovado, ele retorna ao Senado antes de seguir para a sanção ou veto de Bolsonaro.

Ao longo da atual tramitação do projeto de lei das fake news no Congresso, houve diversas manifestações da sociedade civil e da academia contrárias à votação do texto.

Em especial antes de sua aprovação pelos senadores, parte dos posicionamentos contrários defendia que um projeto que pode ter impacto negativo para a liberdade de expressão deveria ser discutido com calma e fora do contexto da pandemia do coronavírus. Houve também quem argumentasse que uma lei não seria o caminho para lidar com o problema.

Entre especialistas, ainda há contrários à aprovação da lei e também os que não veem maturidade para aprovação de um projeto nesse período. No entanto, boa parte dos especialistas e organizações passaram a negociar o texto ao invés de tentar barrar sua aprovação.

O projeto de lei é alvo de fortes críticas de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que se referem à proposta como "PL da Censura".

Enquanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem pressa em aprovar o projeto e vem se manifestando publicamente a favor da proposta, Bolsonaro disse que poderia vetá-lo.

Maia já defendeu que o texto aprovado deve permitir a identificação e punição dos financiadores das estruturas de disseminação de notícias falsas, algo que caiu ao longo da tramitação no Senado.

Um dos motivos de interesse dos parlamentares no projeto neste momento é a proximidade das eleições municipais e o receio do papel que as postagens nas redes sociais podem ter no pleito.

Os 44 votos que aprovaram o projeto no Senado foram fruto de longa negociação. Os senadores votaram uma versão desidratada em relação ao que vinha sendo discutido. Houve 32 votos contrários e 2 abstenções.

O projeto, relatado pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA), foi acelerado na esteira do inquérito que apura a divulgação de notícias falsas e ameaças contra ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Uma CPI mista do Congresso investiga também a prática de fake news.

Entenda a seguir os principais pontos da versão do projeto aprovada no Senado.

Alvos da lei

Se aprovado e sancionado desta forma, o projeto de lei estabelecerá novas regras para provedores de redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram e serviços de mensagens como o WhatsApp. A lei só se aplica para serviços com mais de dois milhões de usuários registrados.

Para virar lei, o projeto precisa ser aprovado no Senado e depois pela Câmara, além de ser sancionado em seguida pelo presidente Bolsonaro.

Identificação e remoção de contas

Contas automatizadas e contas inautênticas

Ao longo da tramitação no Senado, o projeto abandonou a tentativa complexa de definir o que é desinformação e optou por focar, não no conteúdo das postagens, mas no comportamento das contas, ao vedar robôs não identificados e contas inautênticas.

Segundo o texto, uma conta inautêntica seria uma "conta criada ou usada com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público". O texto abre exceção para os casos de uso de nome social, pseudônimo, "explícito ânimo humorístico" e paródia.

Críticos a este item apontam que o dispositivo pode levar a remoções de contas por erro e que ele acaba por implicar em avaliação de conteúdo pelas plataformas, que teriam que distinguir, por exemplo, o que é humorístico e do que não é.

Requisição de documento

O projeto aprovado no Senado permite que as plataformas solicitem documentos de identificação aos usuários em algumas situações, como em caso de desrespeito ao que está previsto na lei, quando há ordem judicial ou se há suspeita de que a conta seja inautêntica ou um robô não identificado.

Mesmo não dizendo que o fornecimento de documentação é obrigatório, o projeto cria a definição de conta identificada, que seria "a conta cujo titular tenha sido plenamente identificado pelo provedor de aplicação, mediante confirmação dos dados por ele informados previamente”.

Parte dos especialistas da área de direito digital e proteção de dados vê em medidas do gênero uma ameaça à privacidade, apontando que, caso seja necessário identificar o autor de determinado conteúdo ou conta, o Marco Civil da Internet já estabelece ferramentas jurídicas para isso.

Durante a tramitação no Senado, o projeto chegou a prever a exigência de fornecimento de documento de identidade válido e número de celular para criação de uma conta em rede social ou em serviço de mensagem

Suspensão de contas de celulares desabilitados

O projeto de lei torna obrigatória a suspensão de contas, em serviços de mensageria como o Whatsapp, cujos números de celular forem desabilitados pelas operadoras de telefonia. A medida não se aplica aos casos em que as pessoas tenham solicitado a vinculação da conta para novo número de telefone

Aplicativos de mensagem

Rastreabilidade

Um dos pontos mais polêmicos do projeto prevê que serviços de mensagem como WhatsApp e Telegram salvem a cadeia de encaminhamento de mensagens que tenham viralizado.

Segundo o dispositivo, os registros das mensagens que forem encaminhadas para grupos por mais de cinco usuários e recebidas por mais de mil, em um período de 15 dias, devem ser guardados por três meses. O conteúdo não deve ser armazenado e será preciso ordem judicial para acessar tais dados.

Ao mesmo tempo em que há especialistas que consideram o dispositivo importante para determinar a origem e alcance de mensagens no WhatsApp, críticos argumentam que o recurso seria ineficaz

Além disso, apontam que, para viabilizar esse recurso, seria preciso armazenar o registro de toda e qualquer mensagem enviada pelos aplicativos, não apenas das encaminhadas, e que o mecanismo poderia enfraquecer a criptografia.

Disparo em massa e regras para grupos

O projeto proíbe o uso e comercialização de serviços de disparo em massa, algo que já é proibido na legislação eleitoral brasileira.

Além disso, determina que é preciso consentimento prévio do usuário para inclusão em grupos e listas de transmissão e ainda que os aplicativos devem limitar o número de encaminhamentos de uma mesma mensagem, bem como a quantidade de membros dos grupos.

Moderação de contas e conteúdo

O projeto cria regras para o caso de as plataformas decidirem remover contas ou conteúdos, seja por denúncia de outros usuários ou por conta dos termos de uso da plataforma.

No geral, o ponto é visto como positivo por especialistas, no entanto, muitos apontam que é preciso melhorias. Há desde aqueles que acreditam que as regras devam ser mais detalhadas, trazendo inclusive prazos para recurso, até aqueles que acham que a versão aprovada já traz mais detalhes do que seria o ideal.

Notificação

Na versão aprovada, em caso de moderação, as plataformas ficam obrigadas a notificar os usuários com os fundamentos da medida tomada, dando a possibilidade de recurso.

Porém o projeto abre exceção em alguns casos, permitindo a remoção desses conteúdos sem que o usuário seja notificado, devendo as plataformas apenas garantir o direito de recurso.

Estão inclusos nestes casos, por exemplo, postagens com risco de dano imediato de difícil reparação, que violem direitos de crianças e adolescentes e também conteúdos com preconceitos por questões de raça, etnia e procedência nacional, orientação sexual e de gênero, origem e religião.

Para Ivar Hartmann, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, "não há qualquer razão para eximir o Facebook da obrigação de informar o usuário sobre a remoção, inclusive com a fundamentação para a medida, independentemente de quão abjeto seja o conteúdo".

Remoção imediata permitida

No texto aprovado pelo Senado, as plataformas não ficam obrigadas a remover conteúdos específicos. O projeto tampouco cria impedimento para remoção.

Versões anteriores do projeto chegaram a determinar remoção imediata de determinadas postagens como em casos de "prática de crime de ação penal pública incondicionada". Também chegou a constar durante a tramitação que, antes de a plataforma remover determinado conteúdo, os usuários deveriam ser notificados e terem direito de defesa. Ambos os pontos foram removidos no Senado.

Direito de resposta

Incluído de última hora no Senado, um dos trechos do projeto determina que, após haver decisão das plataformas em moderar determinado conteúdo, o ofendido deve ter direito de resposta "na mesma medida e alcance do conteúdo considerado inadequado". Ou seja, a avaliação de quem seria o ofendido e do cabimento ou não do direito de resposta não dependeria de decisão judicial, mas do entendimento das plataformas.

Reparação de dano

O projeto de lei determina que, caso haja dano decorrente de moderação equivocada, caberá à plataforma repará-lo, no âmbito e nos limites técnicos do serviço. Especialistas acreditam que redação deste item poderia ser melhorada, deixando claro, por exemplo, que reparar o dano corresponderia a tornar novamente disponível o conteúdo equivocadamente removido. Da forma como está, a redação abre margem para interpretação de responsabilidade civil.

Deepfakes de candidatos a cargos públicos

Para caso de conteúdos que usem imagem ou voz manipuladas "com o objetivo de induzir a erro acerca da identidade de candidato a cargo público", o projeto prevê que o prazo de direito de defesa será diferido. Especialistas consideraram este item pouco claro, já que, por exemplo, não estão definidos prazos de defesa específicos no PL.

Transparência

Um dos pilares do projeto é aumentar a transparência das plataformas, tanto por meio de relatórios quanto por meio de informações que deverão ficar à disposição dos usuários, como dados sobre anúncios e impulsionamentos.

Relatórios de moderação

O projeto determina que plataformas de redes sociais terão que publicar em seus sites relatórios trimestrais sobre a moderação de conteúdos e contas. Será preciso especificar, por exemplo, a motivação e metodologia utilizada na detecção da irregularidade e o tipo de medida adotada. Também deverão ser informados casos de moderação por ordem judicial, especificando as bases legais da medida.

Conteúdo de publicidade e impulsionado

Conteúdos de publicidade ou que tenham sido impulsionados deverão ser identificados com o contato da conta responsável (que deverão confirmar sua identidade às plataformas). Também estão previstas regras específicas de transparência de conteúdos relacionados a propaganda eleitoral.

Autorregulação regulada

O projeto prevê a criação de um mecanismo de “autorregulação regulada”, que veio da emenda apresentada pelo senador Antonio Anastasia (PSD-MG) e é inspirado na legislação alemã de 2017.

O mecanismo inclui a criação de um conselho estatal com poder de regulação e uma instituição de autorregulação composta pelas empresas.

“Trata-se de um modelo híbrido de regulação, público e privado, inspirado no modelo alemão”, disse Anastasia. “A autoridade [conselho] de internet dá diretrizes, mas a instituição de autorregulação elabora as regras, que precisam ser aprovadas pela autoridade.”

A criação do conselho divide opiniões. Mesmo entre os que defendem sua criação, muitos citam a necessidade de que a composição do conselho fosse outra, de modo a impedir influências políticas no órgão.

Há ainda quem defenda somente reformular as atribuições da nova entidade, seja tornando o conselho consultivo, seja retirando dele a responsabilidade de elaborar um código de conduta relacionado à desinformação.

O mecanismo seria composto pelas seguintes instituições:

1 - Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet O projeto de lei prevê a criação do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet que terá, entre sua atribuições, a criação de um código de conduta sobre como as redes sociais e serviços de mensagem deverão lidar, por exemplo, com desinformação, discurso de incitação à violência ataques à honra.

Cabe também ao conselho receber relatórios das medidas tomadas pelas plataformas, fazendo avaliação das medidas e dando sugestões de diretrizes sobre o tema. Ele será composto por 21 membros, entre eles integrantes do Congresso, das polícias Federal e Civil, das empresas e da sociedade civil. Os membros do conselho não serão remunerados.

2 - Instituição de autorregulação As plataformas de redes sociais e serviços de mensagem poderão criar uma instituição de autorregulação —que deverá ser certificada pelo Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet.

A instituição seria responsável por elaborar regras e adotar medidas como rotular e colocar advertências em conteúdo caracterizado como desinformação.

Atuação do poder público

Contas de órgãos e agentes públicos

Contas em redes sociais de órgãos públicos e de agentes públicos, como membros do Congresso e do Executivo, não poderão restringir o acesso de outros usuários às suas publicações. Elas passam a ser submetidas aos princípios da administração pública e consideradas de interesse público.

Publicidade estatal

O projeto lista regras de transparência para impulsionamento e publicidade estatal. Além disso, também proíbe a veiculação de publicidade em determinados sites que promovem a violência, por exemplo.​

Educação midiática

O projeto afirma que o Estado deve incluir, em todos os níveis de ensino, campanhas e capacitações para uso seguro, consciente e responsável da internet. Especialistas na área consideraram o trecho genérico.

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