Especialista em terrorismo, delegada que investiga Bolsonaro e Moro é descrita como discreta e linha dura

Christiane Corrêa comanda a investigação que tem como principal alvo o presidente da República

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Brasília

Responsável pelo inquérito sobre as acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, a delegada Christiane Corrêa Machado tem pela frente uma das mais delicadas missões de sua carreira. Depois de atuar por anos no combate ao terrorismo, agora comanda a investigação que tem como principal alvo o presidente da República.

Para apurar as denúncias de interferências de Jair Bolsonaro na Polícia Federal para blindar amigos e filhos, ela escalou metade de sua equipe.

A delegada Christiane Corrêa Machado - Alex Ferreira - 26.out.2016/Câmara dos Deputados

Christiane é coordenadora do grupo de policiais que atua perante o Supremo e investiga autoridades com foro privilegiado. Em seu guarda-chuva, tem nove delegados, a maioria homens.

Ela chegou ao cargo exatamente no mesmo momento em que explodiu a primeira crise da PF, em agosto de 2019. Dias antes de sua nomeação, o presidente tinha decidido demitir o então superintendente do Rio, Ricardo Saadi, e chegou a tentar emplacar alguém de sua confiança.

O episódio é um dos objetos do inquérito.

Entre colegas, a chefe é descrita como discreta, linha dura e séria. Segundo relatos, nesses 11 meses à frente da coordenação, deu sinais de que não se deixa levar por pressões internas e externas, o que é valorizado no setor.

Desde que o ex-ministro da Justiça deixou o governo, a PF se vê em risco de ser acusada de abafar eventuais crimes cometidos pelo presidente da República, de um lado, ou de agir em represália às interferências no órgão.

O plano dos que estão à frente do caso é tentar esgotar todas as linhas de investigação para minimizar as críticas que surgirão, seja qual for o desfecho.

Há 17 anos na PF, Christiane já foi número dois da diretoria de inteligência da corporação, o que na visão de colegas é uma experiência importante para o inquérito em questão.

Entre os pontos em apuração estão justamente reclamações de Bolsonaro de não ter tido acesso a relatórios de inteligência da PF. Como responsável pelo do inquérito que ainda deve causar mais desgaste ao presidente, Christiane participou de apenas algumas das oitivas, como a do ex-juiz da Lava Jato, que também está na condição de investigado.

Ela esteve ainda acompanhando o depoimento de Cláudio Ferreira Gomes, ex-diretor de Inteligência da Polícia Federal, e, coincidentemente, um dos responsáveis por indicá-la ao cargo. Antes de assumir a empreitada atual, Christiane foi chefe da divisão antiterrorismo por cinco anos e coordenou a proteção a ataques terroristas na Copa do Mundo de 2014 e nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio.

A delegada também atuou por três anos na área de contrainteligência da PF, que visa evitar sabotagens ou vazamentos de investigações. Nesta área, participou de duas operações delicadas, que envolveram juízes e impactarem o Poder Judiciário, responsável por fiscalizar o trabalho da PF.

A primeira foi em 2003, quando ajudou a desarticular um esquema de venda de sentenças que envolvia um magistrado e integrantes da Polícia Federal. O caso foi batizado como Operação Anaconda.

Quatro anos depois, ela integrou a equipe que desencadeou a Operação Hurricane, que prendeu três juízes e membros do Ministério Público em um esquema de caça-níqueis. Em 2017, foi morar nos Estados Unidos, onde ficou por dois anos e fez mestrado no Colégio Interamericano de Defesa, ligado à OEA (Organização dos Estados Americanos).

A delegada ficou no país até julho de 2019, um mês e meio antes de assumir o Sinq, que é o grupo de inquéritos especiais. O departamento é subordinado à Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), comandada por Igor Romário de Paula.

Um dos principais delegados da Lava Jato, ele chegou ao cargo após Sergio Moro assumir o Ministério da Justiça, em janeiro de 2019, e indicar Maurício Valeixo para ser o diretor-geral da PF. Christiane substituiu o delegado Cleyber Malta Lopes, que foi um dos responsáveis pelo inquérito que levou ao indiciamento do ex-presidente Michel Temer na investigação sobre a edição de uma medida provisória sobre portos.

Caso conclua que Bolsonaro cometeu crimes, Christiane terá de decidir se indicia o presidente ou se apenas redige um relatório final apontando os supostos delitos praticados. A delegada terá de fazer uma análise jurídica sobre os limites dos poderes da PF.

Uma ala do STF entende que a corporação não tem o direito de indiciar o chefe do Executivo, mas há ministros que defendem a possibilidade. Em 2018, no caso do então presidente Michel Temer, o delegado do caso o indiciou e, após recurso da defesa, o ministro Luís Roberto Barroso manteve o ato.

Para embasar o entendimento, o ministro citou o colega Celso de Mello, que é o relator do inquérito contra Bolsonaro e também poderá ter de decidir sobre o tema. Barroso fez um paralelo com uma decisão de Celso que manteve entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de que a PF poderia interrogar e indiciar um governador.

“O estimado decano desta Corte –que, por ocasião do julgamento Plenário de 2007, havia votado contrariamente à necessidade de autorização judicial para o indiciamento– reputou que a autorização concedida pelo Ministro do STJ estava de acordo com os precedentes do Plenário do STF”, afirmou Barroso.

Os contrários ao indiciamento citam um julgamento de 2007 em que o plenário do STF anulou ato desta natureza contra um senador. Barroso, porém, afirmou que aquela investigação havia tramitado em primeira instância e que tinha sido iniciada sem autorização do Supremo, apesar de envolver autoridade com foro privilegiado.

O braço direito de Christiane no Sinq é o delegado Felipe Leal. Doutorando em Direito, já foi chefe da contrainteligência da PF e está na corporação há 15 anos. Os outros três delegados que participam do inquérito são Fabiano Martins, Bernardo Amaral e Wedson Cajé Lopes.​

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