Entre os temas de debate sobre o "PL das fake news" destaca-se a introdução da rastreabilidade de mensagens virais em aplicativos de mensagens. Trata-se de dispositivo que permitirá determinar a origem e o alcance de mensagens que viralizam no WhatsApp.
Defensores da privacidade preocupam-se que o registro que permitirá a rastreabilidade das mensagens virais pode comprometer a privacidade dos usuários porque gerará uma coleta massiva de metadados. Acredito, porém, que a preocupação pertinente foi bem atendida pelo projeto que reduz bastante a coleta e o acesso aos dados sem sacrificar a eficácia da medida.
O problema da desinformação no WhatsApp é mais grave do que em mídias sociais como o Facebook e o Twitter porque o WhatsApp permite uma espécie de comunicação de massa oculta.
Ao estender para a comunicação de massa um sigilo criado para comunicação interpessoal, o WhatsApp enterrou uma parte do debate público, acobertando campanhas de desinformação.
Nesta comunicação de massa subterrânea, o alvo da campanha de desinformação às vezes não tem ciência de que ela está em curso, porque os grupos nos quais a mensagem trafega são privados. Não é possível também determinar quem produziu a mensagem, já que quando ela é recebida, conhecemos apenas a última pessoa que a encaminhou, mas não o autor da mensagem.
Por fim, nesta comunicação não há contraditório, porque quando respondemos a uma mensagem encaminhada em um grupo, a resposta chega apenas a este último grupo, mas não é distribuída para a longa cadeia de outros grupos e pessoas que também receberam a mensagem.
Essa situação temerária foi resultado da transformação gradual do WhatsApp que nasceu como um aplicativo de comunicação interpessoal, "um a um", e aos poucos foi incorporando funcionalidades de massa, "um-muitos", como conversas em grupo e listas de transmissão (quando uma mesma mensagem é encaminhada para até 256 destinatários).
O WhatsApp foi a empresa que melhor respondeu ao desafio trazido pela espionagem em massa do governo americano revelada por Edward Snowden. O aplicativo implementou em 2014 uma criptografia sólida de ponta a ponta, que logo se tornou o padrão de ouro da indústria e foi adotada por outras plataformas.
Mas as necessárias proteções à comunicação interpessoal, que protegem a privacidade dos usuários, quando são estendidas à comunicação de massa, permitem o acobertamento e a ocultação de campanhas de desinformação que não podem ser notadas, cuja responsabilidade não pode ser determinada e que não podem ser contestadas.
Para jogar luz sobre essas campanhas de desinformação, sem colocar em risco a privacidade dos usuários, o projeto de lei preserva a criptografia de ponta a ponta e separa conceitualmente a comunicação de massa, com o formato "um-muitos", da comunicação interpessoal, com formato "um a um".
Além disso, o PL separa, na comunicação com formato de massa, aquelas mensagens que efetivamente adquirem grande alcance, com pelo menos 5 reencaminhamentos (critério adotado pelo WhatsApp para determinar mensagens muito encaminhadas) e que tenham chegado a pelo menos mil pessoas.
Apenas deste pequeno conjunto de mensagens —que não são interpessoais e que viralizaram— é que se registram metadados que são guardados pela empresa por tempo curto e que só podem ser acessados a partir de uma queixa procedente autorizada por decisão judicial.
Com todos esses cuidados, diminui-se ao máximo a guarda dos metadados dos usuários, mas ainda se permite que uma investigação determine a origem e o alcance das campanhas de desinformação, sejam aquelas que estão minando a nossa democracia, sejam aquelas que falsificam fatos sobre a Covid-19, colocando em risco a vida de milhões de brasileiros.
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