Descrição de chapéu O que foi a Ditadura

AI-5 causou atraso científico, diz professor de história em live da Folha

Filipe Figueiredo debateu heranças da ditadura ao lado de Janio de Freitas, colunista do jornal

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São Paulo

Não foi só violência e arbitrariedades antidemocráticas que o AI-5, ato institucional promulgado em dezembro de 1968 pelo regime militar, provocou.

A longo prazo, este que é o principal marco do recrudescimento da repressão após o golpe de 1964 contribuiu para problemas do país que se estendem até os dias de hoje, como atraso científico, corrupção e o crescimento das favelas.

Essas são afirmações e teorias que passaram pela segunda das cinco lives sobre a ditadura militar que a Folha está promovendo durante a semana. Nesta terça (30), Janio de Freitas, colunista do jornal, e Filipe Figueiredo, professor de história e editor do site Xadrez Verbal, debateram os fatores que fizeram com que a repressão na ditadura se agravasse após a promulgação do ato institucional.

O AI-5 entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do marechal Costa e Silva. Não foi aceito homogeneamente entre militares e contabiliza inclusive oficiais entre suas vítimas. Permitiu cassações, suspensão de direitos políticos, demissões e aposentadorias compulsórias.

Abriu-se com sua promulgação caminho para o recrudescimento da violência praticada pelo Estado e permitiu casos de tortura, mortes e desaparecimentos de figuras políticas, jornalistas, artistas.

O tema voltou a ser destaque no cenário político nacional depois de aparecer como alternativa na boca de políticos hoje em atividade.

O AI-5 chegou a ser mencionado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. No ano passado, ao comentar protestos em países da América do Sul, sobretudo no Chile, Guedes disse: “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”.

Destacou-se no debate a ideia de que mesmo após a extinção do ato institucional em 1978, e mesmo após o fim da ditadura, o AI-5 deixa ao país heranças problemáticas.

Freitas defendeu por exemplo que o ato criou ambiente favorável para o superfaturamento de obras notórias do período governado pelos militares, como a Transamazônica, inaugurada em 1972, a usina de Itaipu, construída entre 1975 e 1982, e a ponte Rio-Niterói, inaugurada em 1974, em franco favorecimento às empreiteiras do país.

Foram obras que, segundo o jornalista, tinham orçamentos que “não obedeciam a nenhum regulamento técnico”. Ele afirmou ainda que a ideia de progresso e o marketing pelo avanço econômico estimularam movimentos migratórios em massa para grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, sob a promessa de prosperidade financeira, mas no fim acabaram causando a criação de favelas. “A multiplicação das favelas começou após o AI-5, durante o governo Médici”, disse.

Figueiredo disse que com o AI-5 o país assistiu à fuga de pelo menos mil professores e estudantes acadêmicos para outros continentes. Ele lembrou que nos anos 1970 as universidades eram muito menos numerosas no país, e que essa defasagem de pensadores se reflete até hoje no meio universitário, uma vez que os profissionais da área científica que receberam investimentos nacionais passaram a lecionar em países como a França.

Ele também fez um panorama da história do Exército e de como a instituição se enxergava ou se colocava como poder moderador de conflitos sociais desde sua formação, imagem contestada por Janio, para quem o Exército sempre foi sem moderação.

Por que o governo do país teria chegado a este momento tão agudo? Para responder a esta questão, os convidados do debate descreveram um ambiente tensionado não só pelas forças repressoras da ditadura, mas pelo contexto da Guerra Fria, pela disseminação entre militares da tendenciosa teoria de que havia no país uma tentativa de golpe comunista, e também pela formação de diversos grupos de protestos entre estudantes naquele ano de 1968, mesmo ano em que a França assistiu, especialmente no mês de maio, a uma onda de manifestações em favor de mudanças políticas e comportamentais.

"Quando começam as manifestações de 1968, a parte mais ativa dessas manifestações compostas por estudantes, já eram manifestações de grande insatisfação com o regime, com a repressão", conta Janio. Houve uma comissão de estudantes composta para conversar com Costa e Silva cujos integrantes se recusaram a se vestir formalmente para conversar com o presidente". A reunião foi suspensa.

"Cria-se o precedente de uma insatisfação maior ainda, e cresce a represssão aos movimentos estudantis e aos protestos de intelectuais e artistas", prossegue. "O alimento inicial da luta armada é precisamente esse, os jovens estudantes desse movimento que são cooptados pela ideia de revolução, para derrubar a ditadura, e não só. Esses movimentos tiveram a ideia de instaurar um regime comunista ou ao menos socialista no país. Esse movimento só se tornou possível por causa da exacerbação da repressão".

Os debates desta série são transmitidos no site do jornal e em canal no YouTube, e as lives já realizadas nesta semana estão disponíveis nos links abaixo —por dia da semana.

A primeira live da programação, realizada nesta segunda (29), discutiu as razões por trás do golpe de 1964. Participaram Oscar Pilagallo, jornalista e autor de livros como "Folha Explica a História do Brasil no Século 20", e Ingrid Fernandes, jornalista da Agência Mural.

Os debates acontecem sempre às 11h, com mediação da repórter Fernanda Mena.

A Folha lançou na última semana uma campanha em defesa da democracia. No fim de semana, foi publicado o projeto especial "O que Foi a Ditadura", com reportagens sobre o período autoritário encerrado em 1985. Também foi lançado um curso online gratuito a respeito do regime.

O QUE FOI A DITADURA - janio de freitas e filipe Figueiredo
Janio de Freitas e Filipe Figueiredo - Núcleo de Imagem

Lives sobre a ditadura

Às 11h, com duração de 50 min; a série será transmitida no site da Folha e no canal do jornal no YouTube

SEG, DIA 29
Por que aconteceu o golpe militar em 1964?

Oscar Pilagallo
Jornalista, é autor de livros como "Folha Explica a História do Brasil no Século 20" e "O Golpe de 64"

Ingrid Fernandes
Jornalista responsável pelas mídias sociais da agência Mural

TER, DIA 30
Por que tudo piorou com o AI-5, em 1968?

Janio de Freitas
Colunista da Folha, recebeu diversos prêmios, como o Esso e o Internacional Rei de Espanha

Filipe Figueiredo
Historiador, é um dos apresentadores do Nerdologia, canal do YouTube

QUA, DIA 1
A imprensa foi muito censurada durante a ditadura?

Ricardo Kotscho
Colunista do UOL, ganhou quatro vezes o prêmio Esso

Joao Montanaro
Chargista da Folha

QUI, DIA 2
Por que nós, brasileiros, sabemos tão pouco sobre a ditadura?

Maria Rita Kehl
Psicanalista e escritora, integrou a Comissão Nacional da Verdade

Maria Bopp
Atriz e roteirista, faz vídeos em que interpreta a personagem Blogueirinha do Fim do Mundo

SEX, DIA 3
Estamos próximos de um novo regime autoritário?

Flavia Lima
Ombudsman da Folha

Tabata Amaral
Deputada federal (PDT) e colunista da Folha

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