CPMI recua após incluir Gazeta do Povo como canal de notícias falsas

Comissão das Fake News diz não haver 'metodologia cientificamente comprovada' para classificar veículos

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Brasília

Depois de ter incluído o jornal paranaense Gazeta do Povo como canal de notícias falsas, a CPMI (Comissão Mista Parlamentar de Inquérito) das Fake News divulgou, na noite desta quinta-feira (4) uma nota técnica em que afirma não existir uma metodologia comprovada para classificar um veículo como canal de notícias falsas.

“Estamos cientes de que não existe uma metodologia cientificamente comprovada, que possa ser aceita como suficiente para classificar um ou mais canais de informação como de 'fake news', e por isso propomos tão somente um mecanismo que possa indicar, com um algum grau de confiabilidade, canais nos quais pode não ser recomendável a veiculação de publicidade oficial, devido à existência de indícios de comportamento desinformativo”, diz a nota.

De acordo com o documento, os canais classificados como de “comportamento desinformativo” foram aqueles nos quais existem três ou mais matérias ou conteúdos classificados como falsos, deturpados ou incorretos pelos principais checadores de notícias. Entre os checadores foram citados a Agência Lupa, Estadão Verifica, Comprova, Aos Fatos, Fato ou Fake, E-farsas e Boatos.org.

Entre os sites colocados nessa categoria estão ainda Terça Livre, Diário do Centro do Mundo e revista Fórum.

Segundo a nota técnica, foi feita uma revisão na codificação dos canais que haviam sido analisados no documento anterior. Entre os itens que serão levados em consideração a partir de agora estão a inexistência de estruturação do canal como um órgão de imprensa, registrado sob CNPJ que tem a oferta de serviços noticiosos entre os seus fins.

“Por fim, ressaltamos que as informações elaboradas pela Consultoria Legislativa da CPMI – Fake News têm a função de subsidiar os membros da Comissão em sua atuação parlamentar. Tratam-se, portanto, de informes técnicos”, diz a nota.

O mesmo relatório da CPMI que classificou Gazeta do Povo como canal de notícias falsas
apontou 2 milhões de anúncios da Secom (Secretaria de Comunicação) em veículos de conteúdo inadequado. A própria Gazeta recebeu 5.480 anúncios. Terça Livre, 1.447, Diário do Centro do Mundo, 1.601, e o portal da revista Fórum, 54 mil.

Em resposta à Gazeta do Povo, a CPMI afirmou que a classificação como “site de notícias falsas” se deu por agências verificadoras. Segundo o jornal paranaense, as agências negaram a informação.

Em documento enviado à CPMI, a Agência Lupa afirmou que "não corrobora com qualquer lista que venha a ser divulgada" pela comissão.

A Revista Fórum, também classificada no documento como divulgadora de fake news, criticou o relatório. "Fórum foi criada em 2001 e tem 19 anos de jornalismo de qualidade. A equipe que produz o site conta com 12 jornalistas profissionais contratados e mais um grupo de cerca de 40 colunistas e blogueiros. Dentre eles, inúmeros doutores e pessoas de excelência em suas áreas. O erro cometido pelo consultor do Congresso é algo muito grave e já contatamos nosso corpo jurídico para tomar as medidas cabíveis a este caso", afirmou Renato Rovai, diretor de redação da Fórum.

Segundo Diário do Centro do Mundo, a comissão revisou a lista de sites e retirou o nome o do portal.

"A inclusão do DCM foi fruto de uma série de equívocos. Para começar, um dos critérios para figurar ali era o veículo ter três ou mais matérias contestada por agências de checagem. A comissão apresentou apenas duas do DCM —que já haviam sido retiradas do ar. A terceira era de outro site", diz o site.

Ainda de acordo com o veículo, a nota técnica da CPMI diz: "Nessa revisão, observamos que os conteúdos citados nas checagens acima foram retificados ou retirados do ar. Desse modo, concluímos pela exclusão do canal 'Diário do Centro do Mundo' da categoria 'canal com comportamento desinformativo'. Portanto, será realizada a sua reclassificação no anexo da informação e promovida a sua retirada da lista".

A relatora da CPMI, Lídice da Mata (PSB-BA), em nota, afirmou que foram adotados dois critérios para a classificação como site de notícias falsas.

O primeiro é o veículo ter publicado três ou mais matérias classificadas como "desinformativas" por sites checadores como Comprova, Agência Lupa e Estadão Verifica.

Outro critério mencionado pela deputada é o de canais que "contrariam consensos científicos, difundem teorias da conspiração ou apresentam conteúdos potencialmente danosos à saúde pública".

A relatora Lídice da Mata conversa com o senador  Angelo Coronel durante reunião da CPMI
A relatora deputada Lídice da Mata (PSB-BA) e o senador senador Angelo Coronel (PSD-BA) durante sessão da CPI das Fake News, em Brasília - Jefferson Rudy/Agência Senado

O documento feito por técnicos legislativos rastreou propagandas oficiais do governo em sites, aplicativos de telefone celular e canais de YouTube que veiculam conteúdo considerado inadequado pela CPMI.

As informações são referentes à campanha sobre a reforma da Previdência veiculada entre 6 de junho e 13 de julho de 2019, de acordo com o relatório, distribuídas na internet através da plataforma Adwords e Adsense do Google.

A plataforma distribui de forma automática aos sites conforme perfil ou objetivo a ser atingido pelo anunciante. É possível ao anunciante bloquear tanto sites específicos quanto categorias de assuntos.
Os consultores identificaram 843 canais considerados inadequados.

Entre esses canais estão 47 sites que divulgam notícias falsas, 741 canais do Youtube que foram removidos pela plataforma por descumprimento de regras, 12 sites com notícias sobre jogos de azar, 7 que fazem ofertas de investimentos ilegais e 4 com conteúdo pornográfico.

A Gazeta do Povo completou 100 anos de funcionamento em 2019. Antes de migrar toda a sua operação para plataforma digital em 2017, o veículo esteve entre os dez maiores jornais do país em circulação.
Em nota, a direção da Gazeta do Povo afirmou que recebeu com indignação o fato de seu nome aparecer em um relatório produzido pela CPMI.

"A relação produzida pela CPMI foi divulgada sem consulta ao jornal, ou qualquer detalhe sobre como os consultores legislativos responsáveis pelo conteúdo chegaram a tal conclusão", diz.

"A Gazeta do Povo é um jornal com 101 anos de história e em todo esse período se dedicou ao jornalismo profissional, publicando somente informações verificadas. A busca pela verdade é parte fundamental de nossos princípios editoriais e sempre pautou nosso trabalho. Reafirmamos diariamente este compromisso com nossos leitores e assinantes", afirma.

O jornal disse que encaminhou um pedido à CPMI para que revise o conteúdo da publicação.

A ANJ (Associação Nacional de Jornais) pediu a urgente reparação do relatório.

"É lamentável e absolutamente surpreendente. Como um membro tradicional e de destaque na ANJ, a Gazeta tem sido, ao contrário, uma adversária permanente da desinformação e um veículo de ponta na defesa da pluralidade e do jornalismo profissional", disse o presidente da entidade, Marcelo Rech.

O presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Marcelo Träsel, afirmou ao jornal Gazeta do Povo que o episódio "demonstra os riscos de se gravar em lei um conceito de desinformação e deixar a cargo do Estado a classificação de uma notícia como falsa ou verdadeira".

Procurado, o Estadão Verifica informou que não classificou o jornal paranaense como um veículo de notícias falsas e não foi procurado pela CPMI para ceder informações sobre o assunto​.

Em nota, a Agência Lupa informou que foi à CPMI das Fake News como depoente para explicar seu trabalho e responder perguntas, conforme o previsto para a sessão.

"Nem naquele dia nem depois, forneceu qualquer tipo de informação que pudesse levar à validação de documentos produzidos pela comissão. Não é correto, portanto, afirmar que a Lupa foi consultada sobre uma lista de sites produtores de "notícias falsas"".

A Agência Lupa informou ainda não faz esse tipo de levantamento e, que já protocolou ofício junto à comissão para deixar clara esta posição. "As checagens da Lupa não devem ser usadas de
forma aleatória para classificar sites inteiros".​

O projeto Comprova ainda não respondeu aos contatos feitos pela reportagem.

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