'Somos 70%' é conta que não fecha, dizem apoiadores de Bolsonaro ao preverem base sólida para 2022

Defensores do presidente afirmam que eleitores desgarrados voltarão a apoiá-lo na disputa à reeleição

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

“Somos 70%”, diz um movimento anti-Bolsonaro surgido nas redes sociais nos últimos dias. Mas essa conta não fecha, respondem apoiadores do presidente da República.

O slogan, que mostraria o isolamento de Bolsonaro em meio à tríplice crise (sanitária, política e econômica), baseia-se em pesquisa Datafolha do final de maio em que a aprovação do governo é de 33%.

O presidente Jair Bolsonaro posa para foto com trabalhadores da saúde durante inauguração de hospital em Águas Lindas de Goiás, na sexta-feira (5) - Alan Santos/PR

Excluída a parcela fiel, a soma dos demais percentuais é de 67% (arredondando, chega-se aos 70%). Estão incluídos nessa conta os que consideram o governo ruim/péssimo (43%) e regular (22%), além dos que não manifestaram opinião (2%).

“Essa conta é risível”, diz o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), um dos líderes da criação do Aliança Pelo Brasil, partido que deve reunir os apoiadores do presidente.

Os bolsonaristas fazem raciocínio inverso. Dizem que o patamar atual é uma base sólida para o presidente buscar a reeleição em 2022, praticamente selando sua passagem para o segundo turno, e uma espécie de seguro contra um eventual processo de impeachment.

Ainda por esse raciocínio, a faixa dos que consideram o governo regular, longe de ser cativa da oposição, seria de bolsonaristas que nunca foram muito convictos, mas que tendem a voltar para o barco, especialmente se a polarização com a esquerda se mantiver até a eleição.

“Há uma base de apoio ao Jair que é constante. E tem outra que votou nele não por predileção, mas por não haver outra opção. Essa faixa sempre será crítica, sempre colocará em xeque o próprio presidente, mas não rompeu com ele”, afirma o deputado.

Com base em perguntas sobre a avaliação do governo, nível de confiança nas declarações do presidente e histórico de votação em 2018, o Datafolha concluiu que há uma fatia expressiva da população que atualmente não está com Bolsonaro, mas pode ingressar na órbita dele.

São 26% dos entrevistados na última pesquisa, feita em 25 e 26 de maio. Destes, 18% não votaram em Bolsonaro, mas confiam em suas declarações e não reprovam seu governo. Ou seja, têm simpatia pelo presidente e podem ser atraídos.

Os outros 8% estão na situação inversa: votaram no presidente, mas não aprovam seu governo e não confiam em suas declarações. Hoje distantes, podem ser reconquistados.

Um exemplo anedótico desse potencial de Bolsonaro de recuperar desgarrados ocorreu em conversa promovida pela Folha no dia 6 de maio com seis eleitores que votaram no presidente e se arrependeram.

Embora critiquem o modo como Bolsonaro lida com a pandemia e o recriminem pelo racha com o ex-ministro Sergio Moro, cinco destes eleitores admitem votar novamente nele em 2022, em caso de segundo turno contra o PT. Apenas uma anularia o voto nesse cenário.

A aprovação de Bolsonaro tem se mantido estável em torno de um terço do eleitorado há cerca de um ano, segundo o Datafolha.

A má notícia para os governistas é que a desaprovação subiu de 30% para 43% neste período, enquanto o índice dos que avaliam o governo como regular caiu na mesma proporção, de 33% para 22%. Ou seja, grande parte da faixa “regular” migrou para a coluna dos que avaliam a gestão Bolsonaro como ruim ou péssima.

Muitos bolsonaristas acreditam que isso é um cenário circunstancial, influenciado por um certo clima de irracionalidade durante a pandemia.

Em caráter reservado, um profissional de marketing político que assessora o campo bolsonarista considera haver um grupo “neutro”, que reúne de 25% a 30% do eleitorado. Segundo ele, longe de estar associada à oposição, essa fatia adotará uma certa distância regulamentar de Bolsonaro até 2022.

E poderá apoiar a reeleição do presidente por três razões principais: a ameaça da volta do PT ao Planalto, uma recuperação econômica robusta pós-pandemia ou um clima de convulsão social que favoreça o discurso da lei e da ordem.

O risco para Bolsonaro, por extensão, é que nada disso se confirme, com crescimento de candidatos de centro, recessão profunda e um cenário de certa calmaria que reduza o espaço para posicionamentos duros, mais associados ao presidente.

Jornalista e consultor de comunicação ligado a movimentos conservadores, Fernando Melo afirma que é possível, até a próxima eleição, alcançar um terço da sociedade que não está com o presidente no momento, mas que simpatiza com ele.

“Você tem um terço de bolsonaristas e um terço de pessoas que não são bolsonaristas, mas sabem que o Bolsonaro é honesto”, disse ele, durante palestra no congresso online do Movimento Brasil Conservador, no sábado (30).

Segundo ele, essas pessoas rejeitam pontos do governo e do estilo de Bolsonaro, mas não descartam apoiá-lo. “Hoje o cara está machucado com uma série de coisas que o Jair fez e não gostou. Esse cara não está bolsonarista, mas sabe que o Bolsonaro é a solução. Mais para a frente ele vai passar pro lado de cá.”

Para Rodrigo Morais, consultor de marketing político conservador e ex-secretário-geral do PSL de São Paulo, a conta de 70% de opositores de Bolsonaro “não é normal”, mas revela uma fragilidade indiscutível do presidente. “O fato é que o presidente tem só 30% de aprovação, de bom e ótimo. É preocupante.”

Morais afirma que Bolsonaro conseguiu amealhar apoio nas classes mais baixas na atual pandemia, o que ajudou a compensar a queda que obteve nos estratos de renda maior.

“Bolsonaro ganhou apoio político ao abordar o problema da renda, que afeta milhões de pessoas, enquanto o vírus afeta milhares. Tratou de fome e desemprego num momento em que a crise vai afetar a economia.”

Mas a manutenção desse fenômeno, para ele, é algo bastante duvidoso, com a perspectiva de piora no cenário econômico.

“Quando diz que gostaria que o povo voltasse a trabalhar, Bolsonaro perde apoio nas classes média e alta e ganha nas classes baixas, a parcela que não pode fazer quarentena nem home office. Mas até quando ele terá esse apoio? No médio prazo, ele terá muita dificuldade.”

Coordenador nacional do MBL (Movimento Brasil Livre), Renan Santos diz que não necessariamente a parcela perdida por Bolsonaro vai se opor a ele na eleição.

“Aquele cara de classe média que o Bolsonaro perdeu, quem diz que ele vai seguir com o PT? E se houver uma coisa tipo 2013, uma convulsão social, quem disse que a parcela que avalia o governo como regular adere à causa anti-Bolsonaro?”, afirma ele, cujo movimento apoiou o presidente no segundo turno de 2018, mas hoje está na oposição.

Renan descarta novo apoio do MBL a Bolsonaro em 2022, mas reconhece que o presidente se beneficia do cenário atual, com um terço de eleitorado sólido e falta de alternativas do outro lado. “Tudo que o Bolsonaro quer é guerra de trincheira, do tipo Primeira Guerra Mundial, ficar tudo do jeito que está, sem movimento."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.