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Weintraub é imolado no altar da política, mas é tarde para Bolsonaro

Demissão é maior derrota do bolsonarismo, mas nula como acomodação no dia da prisão de Queiroz

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São Paulo

A imolação de Abraham Weintraub no altar da política tradicional é a maior derrota do bolsonarismo ideológico desde sua ascensão ao poder em 2019.

Que ela tenha ocorrido no dia da prisão do espectro número 1 a assombrar o Jair Bolsonaro, o ex-assessor Fabrício Queiroz, apenas explicita a nulidade do ato como gesto de conciliação proposto pelo presidente em sua guerra contra os Poderes Judiciário e Legislativo.

Weintraub é carregado por ativistas após prestar depoimento à PF, em Brasília
Weintraub é carregado por ativistas após prestar depoimento à PF, em Brasília - Pedrol Ladeira - 4.jun.2020/Folhapress

O impacto simbólico, contudo, é enorme na base presidencial. Weintraub encarna, com o chanceler Ernesto Araújo, o epítome da tomada de assalto de estruturas de poder de pessoas que acham fazer parte de uma revolução política.

No caso, a substituição dos modos habituais da política brasileira, amplamente rejeitados nas urnas em 2018.

A história é conhecida, passa por 30 anos de crescente flacidez do regime da Carta de 1988, pelas demandas reprimidas explícitas no junho de 2013, pela exposição das entranhas promovida pela Operação Lava Jato.

A questão é que o bolsonarismo não teve o que ofertar em troca, apenas se propôs a destruir o que era impopular.

O modus operandi chegou ao paroxismo com o conflito aberto entre Executivo e os outros Poderes neste ano, exacerbado em meio à pandemia da Covid-19 e sua pilha de caixões.

Na política externa, os danos do método são amplos, mas a Educação sempre foi uma trincheira mais complexa dada a importância mais imediata das decisões por lá tomadas.

A quantidade de contenciosos e de decisões potencialmente ruinosas tomadas em sua gestão são inauditas na história brasileira: se a pasta for entregue ao centrão ou correlatos, o bolsonarismo só terá no Itamaraty um campo fértil para semear seus exotismos.

Como o linguajar vulgar da famosa reunião de 22 de abril revelou a quem não o conhecia, Weintraub estava numa ponta de lança deste bolsonarismo mais ativista.

Após ter sido carregado por ativistas que acompanharam seu depoimento à Polícia Federal por ter ofendido a China em pleno momento de cooperação internacional da pandemia, houve quem especulasse seu potencial eleitoral.

Se houver bolsonarismo em 2022, contudo, Weintraub está muito bem colocado para cabalar votos a partir do papel de mártir que lhe foi concedido por Bolsonaro no vídeo do "abracinho" postado no Twitter.

Weintraub foi ofertado ao deus Supremo Tribunal Federal em sacrifício pelos pecados do chefe tanto quanto pelos seus.

Não haveria na vida pública brasileira alguém como ele sem a existência de Bolsonaro.

A imolação já vinha acontecendo com fogo brando desde que a Educação começou a ter suas franjas polpudas de verbas loteadas para o centrão.

Ali, a preocupação do presidente era mais óbvia: amealhar o máximo de votos para repelir qualquer tentativa de avanço de um processo de impeachment.

Com diversos crimes de responsabilidade rondando seus atos, Bolsonaro achou melhor se precaver, por inconstante que seja qualquer apoio do centrão.

O encolhimento do poder de Weintraub foi acompanhado de consequente aumento de sua rebeldia pública contra o que chama de o sistema, outra característica herdada do presidente.

O ato final foi participar no domingo (14) de um encontro ilegal na Esplanada dos Ministérios, desses que pedem o fechamento do Supremo e do Congresso.

Há algumas semanas, após o vídeo de 22 de abril vira à tona, emissários do Planalto fizeram chegar ao Supremo que Weintraub seria rifado após ficar claro que o ministro poderia ser preso no âmbito da investigação das fake news.

Nada aconteceu, para frustração dos togados que esperavam uma mesura do Planalto. O episódio da tentativa de usurpar para si a indicação de reitores, derrubado na forma de uma medida provisória rejeitada pelo Congresso, parecia até sinalizar uma sobrevida do ministro.

Até o domingo. Na segunda, subiu novamente ao cadafalso político, só para ter a corda retirada do pescoço devido às diligências que atingiram bolsonaristas naquele dia e na terça, no inquérito dos atos antidemocráticos.

À frente da pressão para segurá-lo estavam os filhos do presidente. Nesta manhã, contudo, seu destino já estava selado mesmo antes do noticiário sobre Queiroz.

A demissão, enfim consumada, veio tarde para o intento original, não apenas porque o agora ex-ministro pode ganhar uma sinecura paga em dólar no Banco Mundial.

Além da protelação, se houve a ideia de associar o movimento como contraponto à prisão de Queiroz, foi fútil. Mal a decisão foi divulgada, atores da alta política em Brasília faziam chacota sobre a hipótese.

Até porque um Bolsonaro pragmático não conversa com o presidente signatário de uma nota sugerindo desobediência às Forças Armadas que incendiou o Judiciário ao longo do fim de semana –fazendo o foguetório contra o Supremo um complemento imagético perfeito ao teor do texto.

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