A Lava Jato não pode ser uma instituição à parte, diz idealizador de órgão central de combate à corrupção

Hindemburgo Chateaubriand Filho contesta ideia de que estrutura concentre poderes no procurador-geral da República

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Brasília

Autor do projeto que institui um órgão central de combate à corrupção no país, estrutura que substituiria o modelo das forças-tarefas, o subprocurador-geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho afirma que a Lava Jato não pode ser uma instituição à parte e que o MPF (Ministério Público Federal) é um só.

Em entrevista à Folha, ele nega que a proposta da chamada Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac) —em discussão no Conselho Superior do MPF— sirva para concentrar poder no chefe da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Para Chateaubriand, o risco de interferência dele será menor que no sistema atual.

O subprocurador-geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho durante sessão do Conselho Superior do MPF - Antonio Augusto/PGR

O subprocurador diz que consultou o procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre a reformulação e que ele manifestou concordância, mas não deu “pitaco” no texto.

Ele reconhece o trabalho das forças-tarefas, mas faz críticas a elas, como ao formato de escolha dos membros. “Em vez de se criar uma Lava Jato, com o Deltan [Dallagnol] chamando as pessoas que ele quer chamar, vai ser chamado um órgão institucional [para apoiá-lo]”, exemplifica.

“Em vez de uma grande Lava Jato em Curitiba, você vai ter uma grande Lava Jato no Brasil”, afirma.

Como surgiu essa ideia [de um órgão único de combate à corrupção]? Desde a época do [ex-procurador-geral] Rodrigo Janot, o próprio pessoal de Curitiba já pensava numa Procuradoria Nacional Anticorrupção. Participei junto com a casa —eu fui corregedor na época do Rodrigo— de um projeto de modernização dos gabinetes.

Uma das coisas que ficaram claras é que esse modelo nosso de atuação territorial —o procurador que está em Curitiba só atua em Curitiba— responde a necessidades de ordem real, mas prejudica atuações da instituição quando elas têm uma dimensão maior.

Quando vem uma avalanche de suspeitas de corrupção e demanda-se uma força-tarefa… Do ponto de vista do combate à corrupção, a gente fez uns benchmarks [busca de melhores práticas], e um deles foi nos EUA, no Departamento de Justiça. Eles têm lá uma divisão criminal, a partir da qual têm a capacidade de se mobilizar para dar apoio a um determinado caso que se instaure na ponta e cujo procurador, sozinho, não tenha condições de levar adiante.

O modelo das forças-tarefas pretende alguma coisa parecida com essa. Elas cumpriram esse objetivo, tanto que a gente vê os resultados excelentes que produziram. Mas, com o tempo, começaram a mostrar suas fraquezas.

Quais? Várias. Uma delas é a falta de estrutura administrativa de apoio. Hoje você tem forças-tarefas importantes em São Paulo, Curitiba, Rio e Brasília. Só Curitiba tem estrutura administrativa, só ela consegue fazer as coisas com o mínimo de eficiência. As outras não têm praticamente nada.

Tem procurador, mas não tem perito, assessor? Perito, assessor, maquinário, tudo o que você puder pensar do ponto de vista da logística que é necessária. Quando você cria uma estrutura unificada, cria condições de mobilidade para que ela conceda apoio a todo o mundo.

Segundo ponto: o cara que está em Curitiba só atua em Curitiba. Na hora em que você cria a Unac, esses procuradores podem, ao mesmo tempo, atuar em qualquer lugar do Brasil com a mesma eficiência. Em vez de uma grande Lava Jato em Curitiba, você vai ter uma grande Lava Jato no Brasil. Aumenta a flexibilidade de atuação, torna a estrutura mais eficiente, torna a coordenação de atividades mais fácil.

Acabaria com a necessidade de a PGR ficar renovando o tempo de permanência dos procuradores das forças-tarefas? Acabaria, porque eles passam a ocupar um ofício com mandato de dois anos. Ficam dois anos inamovíveis nesses ofícios, prorrogáveis por mais dois. A prorrogação fica hoje a cargo da PGR. Existe um risco. O PGR acaba com a força-tarefa quando ele quiser. Simplesmente não renova a designação e acaba tudo.

Com a Unac, ele é obrigado a fazer isso. Você vai ter uns 35 procuradores, que ficariam ocupando um ofício. Quando acabar o mandato deles, outros se candidatarão, e o procurador-[geral] não tem escolha senão colocar alguém no lugar.

Mas é o procurador-geral quem vai escolher os integrantes e o coordenador. É o sistema da nossa lei. Não tem outra autoridade na casa que possa fazer esse papel pelo procurador-geral. Isso não significa nada.

Isso está sendo criticado por favorecer uma concentração de poder nele. A designação [do integrante] é a partir de uma seleção: “Temos 35 vagas”. As pessoas se candidatam. Se tiver 35, o procurador-geral é obrigado a nomear os 35. Se tiver 50, aí ele vai escolher, dos 50, 35. Existe nisso alguma interferência? Existe. Tem uma hora que você não pode deixar para outra pessoa. Mas a gente pode repensar o modelo.

Ninguém vai dizer que escolher procuradores a partir de um edital publicado para toda a carreira está errado. Se alguém acha que isso gera algum risco… eu acho que não gera. Porque o procurador-geral não controla nem seus próprios assessores. Olha o que aconteceu no caso da Lindora [Araújo, subprocuradora que coordena o núcleo da Lava Jato na PGR]. [Integrantes desse grupo pediram demissão por discordar da forma como ela solicitou informações à força-tarefa de Curitiba].

E a escolha do coordenador? Não é o procurador-geral que escolhe sozinho. O conselho manda três nomes e o procurador-geral escolhe um. Também é um modelo que pode ser alterado. Vou lhe dizer com honestidade: custei a convencer o procurador-geral de que valia a pena mandar o projeto.

O procurador-geral apoia, então? Todo o mundo apoia. A Segunda Câmara [da PGR, que atua na área criminal] apoia, a Lava Jato de Curitiba apoia, o procurador-geral não é contra.

O mais grave é imaginar que haja algum risco para o procurador natural, para a independência dos procuradores. Um exemplo: o procurador lá de Curitiba, o Deltan, viu que um processo vai ficar grande, ele chega e diz assim: eu não vou dar conta sozinho. Em vez de se criar uma Lava Jato, com o Deltan chamando as pessoas que ele quer chamar, vai ser chamado um órgão institucional. A Unac ajuda se achar que é conveniente. O Deltan continuará sempre sendo o dono do processo.

Hoje o procurador de uma força-tarefa escolhe quem trabalha com ele. Não seria, então, uma perda de autonomia? Por que ele pode escolher os amigos dele? O que é mais institucional e democrático e republicano? Escolher aquele que ele deseja que trabalhe com ele ou uma escolha que seja feita por um edital?

Num momento em que há um embate entre a PGR e a principal força-tarefa, a de Curitiba, tem clima para aprovar isso, não gera desconfiança? Já está gerada. A polarização atual [no MPF] está contaminando alguma coisa que não deveria ter sido contaminada, porque ela é neutra.

Um ponto que gera embate da Lava Jato em Curitiba com a PGR é o compartilhamento de informações. A Unac centralizaria as informações das forças-tarefas? O relator do projeto no conselho, Nívio de Freitas, diz temer que se crie uma central de inteligência incontrolável. Sou muito amigo de todos os colegas da Lava Jato em Curitiba. Não acredito que ocorra. Mas, em tese, eles não poderiam também ser um órgão de inteligência paralelo? Esse risco existe em qualquer âmbito.

Nenhum procurador é dono de informação nenhuma. É da instituição. Em qualquer instituição, a coleta, o trabalho de qualquer banco de dados tem de ser unificado.

Mas tem de ter autorização judicial [para compartilhar], não? Quem é o órgão que tem direito a ter acesso a qualquer informação no MPF? A corregedoria, porque ela é a própria ideia da instituição fiscalizando o que existe lá. Isso indica que a gente teria de ter, sim, sistemas de guarda de dados que sejam institucionais, jamais pertencentes a uma força-tarefa, porque a força-tarefa não é uma instituição paralela.

O que você tem de ter são sistemas unificados, em princípio, mas com um controle de acesso. Se eu sei que ele [o dado] é sigiloso, vou no juiz pedir para me dar autorização. E aí vai liberar o acesso no banco de dados.

Agora você me pergunta: o corregedor pode acessar tudo na casa? Pode. O procurador-geral pode? Não sei. Você não pode trabalhar com esse medo [de uma central de inteligência incontrolável].

Como foi sua conversa com o procurador-geral sobre esse projeto? Vou te dizer: ele tinha a mesma desconfiança de todo o mundo do lado de lá: “O procurador-geral [vai] perder o controle, vai gerar um órgão que vai fazer o que quiser, que vai mandar e desmandar”.

Aras pediu que algum trecho fosse incluído? Do jeito que está, ele concordou. Quando levei para ele, um critério que ele tinha achado que talvez não fosse conveniente era o da lista tríplice [para escolha do coordenador]. Ele nem conhecia esse projeto. O Aras não deu pitaco, não falou nada.

Então, como vai funcionar? Sou procurador em BH, puxo uma pena de uma investigação e estou vendo que vem o frango inteiro… Hoje você manda um ofício para o procurador-geral e diz: “Puxei a pena do frango e veio o frango inteiro. Preciso de uma força-tarefa, você me dá?”. O procurador-geral dá se quiser. A Unac vai dar uma olhada e, se concordar, apoia.

E todo o conhecimento gerado é compartilhado num banco de dados único? Tudo é compartilhado. A gente tem de parar de pensar que a Lava Jato é uma instituição paralela. O MPF é um só, gente. É como se a gente imaginasse que na empresa em que você trabalha um departamento tivesse de brigar e se opor ao outro ou funcionar escondendo alguma coisa. Não é assim.

A Unac, junto com o procurador natural, vai se tornar o instrumento que o MPF tem para combater a corrupção. Nada é absolutamente perfeito do ponto de vista da organização. Definitivamente, não tenho dúvidas de que é algo melhor que as forças-tarefas para esses casos específicos.​

Raio-X

Hindemburgo Chateaubriand Pereira Diniz Filho, 56 anos

  • Formado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas (PUC Minas)
  • Tem mestrado e doutorado na mesma área pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
  • Está no MPF desde 1991. Foi chefe da Procuradoria da República em MG e corregedor-geral do MPF
  • Exerce seu primeiro mandato no Conselho Superior do MPF e é secretário de Cooperação Internacional da PGR
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