O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, suspendeu nesta terça-feira (21) a decisão da Justiça Eleitoral de São Paulo que previa a realização de busca e apreensão no gabinete do senador José Serra (PSDB).
Toffoli atendeu a pedido do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Mais cedo, agentes federais tentaram cumprir a diligência nas dependências da Casa, mas foram impedidos por policiais legislativos por ordem de Alcolumbre. Em seguida, o presidente do Senado recorreu ao STF para suspender a diligência.
"A decisão da autoridade reclamada [o juiz da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo] pode conduzir à apreensão de documentos relacionados ao desempenho da atividade parlamentar do senador da República, que não guardam identidade com o objeto da investigação", afirmou Toffoli.
Mais cedo, Alcolumbre impediu que a PF cumprisse o mandado de busca e apreensão no gabinete de Serra.
O mandado não foi cumprido sob a alegação de ter sido expedido pela primeira instância da Justiça, onde corre a investigação contra o senador. No STF, há a expectativa de que o despacho de Toffoli leve a corte a rediscutir a restrição do foro privilegiado para delimitar melhor a atuação dos juízes de primeira instância em investigações que envolvem parlamentares.
O inquérito investiga suspeitas de caixa 2 na campanha de Serra ao Senado nas eleições de 2014.
O entendimento da Mesa do Senado, comandada por Alcolumbre, é de que o mandado autorizado pela primeira instância da Justiça usurparia a competência do STF.
A Advocacia do Senado enviou uma reclamação à corte sobre o caso e decidiu consultá-la sobre o prosseguimento do mandado.
Por se tratar de um gabinete de um parlamentar, argumenta, apenas o STF poderia autorizar uma busca no Congresso.
Aliados de Alcolumbre confirmaram que o presidente da Casa ligou para Toffoli para avisá-lo da reclamação assim que ela enviada por meio da Advocacia do Senado ao STF.
Toffoli questionou se o documento tinha sido enviado e afirmou que iria analisá-lo, mas não chegou a dar prazo ou a se comprometer com uma decisão.
No plantão do Judiciário durante o recesso, o presidente do STF suspendeu a ação horas depois. Alcolumbre, afirmam pessoas próximas, não foi avisado com antecedência da decisão de Toffoli e soube pela imprensa.
Na reclamação, a Advocacia do Senado pediu para que o Supremo ouvisse a PGR (Procuradoria-Geral da República) e se manifestasse sobre a delimitação de sua própria competência.
Foram expedidos quatro mandados de prisão temporária e 15 de busca e apreensão em São Paulo, Brasília, Itatiba e Itu, segundo informações do Ministério Público paulista, que participa da operação batizada de Paralelo 23. A Justiça Eleitoral também determinou bloqueio judicial de contas bancárias dos investigados.
Durante a operação, o fundador da Qualicorp, José Seripieri Filho, foi preso temporariamente, informou a coluna Mônica Bergamo.
Segundo comunicado da PF e do Ministério Público, "foi constatada a existência de fundados indícios do recebimento por parlamentar de doações eleitorais não contabilizadas, repassadas por meio de operações financeiras e societárias simuladas, visando assim a ocultar a origem ilícita dos valores recebidos, cujo montante correspondeu à quantia de R$ 5 milhões".
O inquérito policial foi remetido à primeira instância da Justiça Eleitoral de São Paulo pelo STF em 2019.
O Ministério Público diz que houve a "colaboração espontânea de pessoas que teriam sido contratadas no ano de 2014 para estruturar e operacionalizar os pagamentos de doações eleitorais não contabilizadas, efetuados supostamente a mando de acionista controlador de importante grupo empresarial do ramo da comercialização de planos de saúde".
Há, ainda, a existência de outros pagamentos relacionados a outras grandes empresas, uma delas do setor de nutrição e outra do ramo da construção civil.
Os investigados responderão responder sob acusação dos crimes de associação criminosa, falsidade ideológica eleitoral e lavagem de dinheiro, com penas de 3 a 10 anos de prisão.
A Promotoria diz que, como Serra exerce mandato no Senado, as investigações em primeira instância se restringem, em relação a ele, aos fatos apurados no ano de 2014.
A assessoria de imprensa de José Serra afirma, em nota, "que jamais recebeu vantagens indevidas ao longo dos seus 40 anos de vida pública e sempre pautou sua carreira política na lisura e austeridade em relação aos gastos públicos". Diz ainda que todas as suas contas de campanha foram aprovadas pela Justiça Eleitoral.
O senador ainda afirma que foi surpreendido com nova operação, sendo que dois de seus endereços "já haviam sido vasculhados há menos de 20 dias pela PF".
Serra diz que "lamenta a espetacularização que tem permeado ações deste tipo no país", mas que tem confiança no poder judiciário e "espera que esse caso seja esclarecido da melhor forma possível".
O advogado Celso Vilardi, que defende o empresário José Seripieri, informou, por meio de sua assessoria, que irá se manifestar assim que tiver acesso aos autos.
Outras apreensões no Senado
No ano passado, outra operação de busca e apreensão nas dependências do Senado irritou os parlamentares e também incitou um questionamento no STF.
Em setembro de 2019, o gabinete do senador Fernando Coelho Bezerra (MDB-PE) foi alvo de mandado de busca e apreensão. No caso, o mandado foi autorizado pelo ministro Luis Roberto Barroso, mas não tinha o aval da PGR (Procuradoria-Geral da República).
Além do gabinete do senador, o do deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), seu filho, também foi alvo de busca e apreensão.
Líder do governo no Senado, o parlamentar é investigado por supostamente ter recebido mais de R$ 5 milhões em propinas de empreiteiras por meio de diversas operações entre 2012 e 2014.
Em parte desse período, ele foi ministro da Integração Nacional na gestão de Dilma Rousseff (PT). A investigação indica, contudo, que transações ilícitas foram feitas até 2017.
Na ocasião, Alcolumbre também agiu e avisou que iria questionar o STF sobre a operação. Além de pedir a devolução dos documentos apreendidos e a suspensão da análise dos itens, uma comissão de 15 senadores foram conversar pessoalmente com Toffoli.
Recebidos por Toffoli, o grupo pediu respeito à independência entre os Poderes, à autonomia e à harmonia entre as instituições.
“O Senado expressou sua opinião sobre esse acontecimento da semana passada, já é público”, disse Alcolumbre a Toffoli na ocasião.
“O STF nunca foi agredido na história como está sendo nesta quadra. Essa Casa tem sido agredida nos últimos seis meses”, reclamou à época.
Em outro caso, em 2017, os gabinetes dos então senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Zezé Perrella (MDB-MG) também foram alvos de busca e apreensão no inquérito que investigava a delação do empresário Joesley Batista.
O então presidente do Senado Eunício Oliveira (MDB-CE) permitiu a ação no Senado. Naquela ocasião, os agentes da PF foram acompanhados por policiais legislativos.
Em 2016, o Senado foi palco de outra outra ação autorizada por um juiz de primeira instância e que acabou questionada no STF. A operação Métis prendeu provisoriamente quatro policiais legislativos por suspeitas de fazerem parte de uma organização criminosa que tentava atrapalhar as investigações da Lava Jato.
Os mandados de busca e apreensão foram cumpridos na Polícia Legislativa, no subsolo do Senado em outubro de 2016. Dois anos e meio depois, em junho do ano passado, o STF autorizou a PGR a analisar os equipamentos recolhidos.
Havia a suspeita de que o grupo estivesse realizando varreduras para evitar grampos em endereços fora do Senado. Os beneficiados teriam sido os senadores e ex-senadores Fernando Collor (então no PTC-AL), Lobão Filho (MDB-MA), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e José Sarney (MDB-MA).
O caso pode forçar o STF a rediscutir a decisão de 2018 que restringiu o foro especial. Como a decisão foi dada em caráter liminar (provisório) e no recesso, no retorno aos trabalhos, em agosto, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, pode levar o caso ao plenário.
Uma hipótese aventada nos bastidores do Supremo é que o tribunal obrigue os magistrados de primeiro grau a submeterem decisões que interfiram no exercício do mandato ao STF.
Nesse caso, a mesma regra seria aplicada para deputados estaduais, que estariam sujeitos à análise do Órgão Especial do respectivo tribunal de Justiça.
A Justiça brasileira já tem, inclusive, uma figura processual que poderia ser aplicada a essas situações. O nome técnico é “cisão funcional de competência” e ocorre quando o processo tem um relator, mas uma questão incidental específica precisa ser submetida a outro órgão.
O professor e doutor em direito constitucional Ademar Borges lembra que o STF já expôs preocupação com a independência entre os Poderes quando decidiu que o Congresso tem o direito de dar a palavra final sobre ordens judiciais que afastem parlamentares de seus mandatos.
A decisão de Toffoli, avalia, é mais um despacho nesse sentido.
“Quando o STF restringiu o foro, admitiu implicitamente a possibilidade de juízes de primeiro grau determinarem medidas cautelares contra parlamentares. Agora, a preocupação é que algumas medidas não interferem na atividade parlamentar nem no funcionamento da Casa, mas outras podem restringir ou embaraçar o exercício do mandato de forma mais ampla”, diz.
Para ele, um dos problemas é a generalidade das decisões de primeira instância que determinam operações de busca e apreensão.
“Digamos que um juiz dê prisão domiciliar para um deputado, claro que vai atrapalhar a atividade parlamentar. A busca e apreensão em princípio teria baixo potencial para afetar o exercício do mandato, mas da maneira que são feitas no brasil, com decisões genéricas, passa a possibilitar o recolhimento de praticamente tudo que tem a ver com mandato, todo aparato administrativo com o qual ele trabalha”.
O professor e doutor em direito Paulo Amador Bueno acredita que a decisão de Toffoli deve ser discutida no plenário do STF por ter apresentado uma situação nova em relação à restrição do foro.
“Não é possível em lei prever todas as hipóteses em concreto que a realidade pode apresentar. No caso do Judiciário, ele cria jurisprudência a partir de um caso concreto e muitas vezes a casuística te obriga a rever de posição, isso é da dinâmica do Direito”, diz. Para ele, nesses casos, o mais adequado seria o juiz de primeira pedir a autorização do Supremo para determinar as diligências.
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