Congresso acelera votações na pandemia, mas sessões remotas e comissões suspensas limitam debate

Em meio à lenta reação do governo contra a pandemia, Legislativo aprova mais rapidamente projetos tidos como essenciais na crise

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Brasília

Em meio a uma lenta reação do governo federal para lidar com a pandemia do novo coronavírus, o Legislativo acelerou a votação de projetos tidos como essenciais para enfrentar a crise sanitária e evitar um baque maior na economia.

Com a instauração do sistema de votação remota na Câmara e no Senado, o Congresso aumentou o ritmo de votações em comparação com as sessões presenciais de 2019, conforme mostra levantamento da Folha realizado no período de 1º de abril a 30 de junho.

A maior produtividade reflete o protagonismo do Legislativo no combate à pandemia, principalmente diante da demora do governo federal em apresentar projetos para socorrer empresas, estados e municípios.

Desde o início, o ministro Paulo Guedes (Economia) sinalizou maior preocupação com um aumento de gastos que agravasse a situação fiscal do país do que com a adoção de medidas que pudessem conter o efeito negativo da crise na saúde e economia.

Na falta de ação do governo, coube ao Legislativo e, principalmente, ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), costurar acordos para enfrentar os primeiros efeitos da pandemia.

Nesse contexto, foi aprovada a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Orçamento de Guerra, para segregar as contas correntes do governo das despesas decorrentes da pandemia.

Também coube ao Congresso modular a proposta para socorrer estados e municípios e aumentar o valor do auxílio emergencial a trabalhadores informais --o governo inicialmente queria conceder R$ 200, e só elevou o benefício para R$ 600 após pressão do Legislativo.

Deputados e senadores tomaram ainda a iniciativa de adiar as eleições municipais —a mudança de data obrigatoriamente depende da aprovação de uma emenda à Constituição— e de aprovar medidas de apoio a empresas, como a que autoriza a suspensão de contratos de trabalho e o corte de jornada e salário.

Nos últimos três meses, a Câmara votou 59 propostas. No mesmo período do ano passado, foram 32 votações concluídas. Um aumento de 84%. No Senado, o aumento foi menos expressivo, de 40% em relação a 2019. A produtividade média, contudo, quase triplicou.

Entre abril e junho, foram votados 122 projetos no plenário virtual do Senado em 36 sessões plenárias, resultando em uma média de pouco mais de três projetos por sessão.

Desde o fim de março, Câmara e Senado instituíram o funcionamento das SDRs (Sessões Deliberativas Remotas) para discussão e votação das pautas em plenário para evitar a paralisação total dos trabalhos durante a pandemia do novo coronavírus no país.

Apesar da continuidade das atividades em plenário, as comissões foram paralisadas e pareceres sobre as propostas em votação passaram a ser proferidos diretamente em plenário por parlamentares designados por Maia e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Mesmo com o aumento da produtividade, parlamentares avaliam que os assuntos teriam sido melhor debatidos em sessões presenciais nas duas casas.

Para alguns parlamentares, isso limita a discussão das matérias e concentra ainda mais poder na mão dos dirigentes das duas casas.

O deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), um dos nomes apontados para assumir a presidência da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) lamenta a suspensão das atividades dos colegiados.

“Esperamos que tudo volte à normalidade o mais breve possível”, diz. “Os debates nas comissões enriquecem o Parlamento e possibilitam que a sociedade participe e acompanhe efetivamente os trabalhos da Câmara dos Deputados”.

Ele lembra que, nas comissões, a atuação do governo é permanentemente fiscalizada.

O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) afirma que a suspensão das atividades concentra poder.

“O poder fica concentrado nos líderes, as pautas ficam extremamente restritas”, critica.

Primeiro a instalar o sistema virtual, o Senado decidiu que seriam votadas virtualmente apenas os projetos consensuais entre as bancadas da Casa.

No ato da mesa que regulamentou o uso das SDRs, a determinação é para que a plataforma seja usada pat “deliberação de matéria legislativa de caráter urgente, que não possa aguardar a normalização” de situações que inviabilizem as reuniões presenciais.

Na Câmara, o ato da mesa tem teor semelhante. Ele determina que a ordem do dia para deliberação deve ser composta por “matérias que contem com a manifestação favorável de líderes que representem dois terços dos membros da Casa e das lideranças do Governo, da Maioria, da Minoria e da Oposição”.

Mesmo com a paralisação das comissões, alguns colegiados conseguiram avançar em seus trabalhos.

A comissão especial criada para analisar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da prisão em segunda instância, presidida pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM), cumpriu algumas etapas remotamente, como a realização de audiências públicas.

“Estamos resolvendo se vamos votar o relatório [do deputado Fábio Trad, PSD-MS] remotamente ou esperar voltar as sessões”, afirma Ramos. “Como só estamos votando projetos de urgência, acho que não prejudica, mas penso que as comissões poderiam ser montadas para ir tratando remotamente de projetos sem urgência.”

Não há sinais, entretanto, de que Maia sequer cogite retomar as atividades presenciais das comissões enquanto durar a pandemia.

No Senado, Alcolumbre deve retomar apenas uma sessão em agosto. Mesmo assim, só para a votação de nomeações de autoridades, como a dos indicados para assumir as embaixadas brasileiras no Estados Unidos e no Chilhe.

A presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), que chegou a defender uma flexibilização das sessões virtuais com a retomada dos colegiados no mês de maio, é agora uma das que defende a cautela.

“Apesar de sabermos da importância das comissões na votação das medidas, não vejo como viável retomarmos os trabalhos de forma virtual antes de agosto”, disse.

Enquanto isso, o trabalho nos colegiados se acumula. Só na CCJ, 761 matérias protocoladas aguardam a indicação de relator para poderem tramitar. Na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), são 26 projetos que ainda não têm relator.

A discussão de propostas complexas como uma alteração à Constituição incomoda parte dos deputados que avaliam que deveriam ser feitas apenas em sessões presenciais, com mais tempo para debate, passando pelas comissões.

“Essa circunstância toda é prejudicial. Essa situação toda cria uma desestabilização do trabalho”, disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Congresso acelera votações na pandemia

84%
foi o aumento do número de votações concluídas pela Câmara de 1º.abr a 30.jun deste ano em relação ao mesmo período de 2019

40%
foi o aumento do número de votações concluídas pelo Senado nesse período de 2020 em relação ao mesmo intervalo no ano anterior

1,3
projeto por sessão, em média, foi votado pela Câmara entre 1º.abr e 30.jun deste ano, ante 0,6 projeto no mesmo período de 2019

3,3
projetos por sessão, em média, foram votados pelo Senado entre 1°.abr e 30.jun deste ano, ante 1,2 projeto no mesmo intervalo do ano anterior

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