Defesa faz representação à PGR contra crítica de Gilmar Mendes ao Exército

Ministro do STF havia dito que gestão da Saúde na pandemia associa Força a genocídio

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São Paulo

O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, vai entrar com uma representação na PGR (Procuradoria-Geral da República) contra Gilmar Mendes.

No sábado, o ministro do Supremo Tribunal Federal havia dito que "o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável", gerando grande contrariedade entre os militares. Ele se referia às políticas do Ministério da Saúde, chefiado interinamente pelo general Eduardo Pazuello, no combate ao novo coronavírus.

Após uma série de conversas ao longo do domingo, Azevedo decidiu divulgar uma nota em tom bastante duro, co-assinada com os três comandantes das Forças Armadas. Antes, o ministério havia apenas feito uma defesa de seu trabalho no combate à pandemia.

"Comentários dessa natureza, completamente afastados dos fatos, causam indignação. Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana. O ataque gratuito a instituições de Estado não fortalece a democracia", diz o texto.

Procurado em Lisboa, onde passa o recesso do Judiciário, Gilmar não quis comentar a nota dos militares.

Amigos do ministro afirmam que o contexto em que a frase foi dita era de uma crítica geral ao governo, não especificamente aos militares.

“Não é aceitável que se tenha esse vazio no Ministério da Saúde. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção é preciso se fazer alguma coisa. Isso é ruim, é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. Não é razoável para o Brasil. É preciso pôr fim a isso”, disse Gilmar no sábado.

Sua fala causou irritação principalmente no Exército —Azevedo é um general de quatro estrelas da reserva. Após a queda do breve Nelson Teich, a Força está no comando do Ministério da Saúde há dois meses, na figura do general da ativa Pazuello.

O presidente Jair Bolsonaro já disse que ele só está lá de forma interina, mas a militarização dos principais cargos da pasta está em curso. Já são pelo menos 24 os fardados no ministério, 15 deles da ativa.

A condução de Pazuello é alvo de críticas. O ministério tem dado protagonismo à contestada hidroxicloroquina como medicamento a ser usado contra a Covid-19, e a mudança de critérios de divulgação de dados teve de ser interrompida por sugerir maquiagem de números.

A crítica vocalizada por Gilmar é corrente no Supremo. Como a corte decidiu que prefeitos e governadores teriam autonomia para lidar com a pandemia de acordo com realidades locais, Bolsonaro sempre que pode diz que o problema não é totalmente de sua alçada.

Ministros do tribunal consideram as declarações do presidente como uma forma de atingir a credibilidade do Supremo, na esteira do conflito entre Poderes que chegou quase ao paroxismo em maio e junho —desde a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz e de operações contra rede de apoiadores, Bolsonaro recolheu-se e a crise arrefeceu.

Doente com Covid-19, o presidente não tem dado mais tantas declarações polêmicas. O incidente com a frase de Gilmar reacende a disputa institucional.

Azevedo foi assessor do presidente do Supremo, Dias Toffoli, mas sua interlocução foi bastante afetada no Judiciário desde que sobrevoou ato pedindo o intervenção no Congresso e na corte ao lado de Bolsonaro.

Os fardados, tanto da ativa quanto no governo, costumam ser duros críticos do que consideram ação excessiva do Supremo sobre atos do Executivo, como no episódio em que a corte barrou a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal.

Na manhã desta segunda-feira, o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, disse que a declaração de Gilmar Mendes foi lamentável.

"No meio militar a repercussão foi muito ruim. A declaração foi realmente muito infeliz. Aquelas coisas que a pessoa fala, talvez depois se arrependa. Será uma lástima se não se arrepender", afirmou em entrevista à Rádio Bandeirantes.

"Mas, realmente, associar o Exército a um genocídio... Muito pouca gente está vendo um genocídio aí. Nós estamos vivendo uma pandemia com as consequências que eram bastante prováveis em relação à pandemia. Não tem genocídio acontecendo. Isso é exagerar uma situação que é dramática, é desagradável, mas, para chegar a um genocídio, falta muito", disse Heleno.

À Globonews, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, afirmou que a declaração de Gilmar havia sido "fora do tom". Depois, elaborou e afirmou numa live que o ministro havia "forçado a barra".

Aliados de Gilmar estão buscando acalmar os ânimos de lado a lado, até aqui sem sucesso. O ministro fez um gesto ao prestar homenagem às Forças Armadas em uma postagem no Twitter na noite de domingo, mas reiterou sua crítica à militarização da Saúde.

A nota da Defesa não deixa claro o que tentará imputar a Gilmar, mas sugere difamação ao ressaltar que genocídio é tipificado no Código Penal.

"Trata-se de um crime gravíssimo, tanto no âmbito nacional, como na justiça internacional, o que, naturalmente, é de pleno conhecimento de um jurista", afirma o texto.

O problema está colocado. Um general próximo de Azevedo afirma que a presença dos comandantes das Forças na nota indica que um grau inédito na crise até aqui

Gilmar nunca foi bem visto entre os militares, mas tinha buscado se aproximar no auge da crise, tendo uma conversa institucional com o general Edson Pujol, comandante do Exército.

Na quinta (9), numa live, o ministro Azevedo havia dito que só ele falava politicamente pelas Forças, tentando pôr um ponto final no curto-circuito institucional promovido por Bolsonaro neste ano.

Agora, a presença dos três comandantes na nota contraria o discurso de que “militar da ativa não fala de política”, sustentado pelo governo.

O grau de animosidade entre os militares com Gilmar demonstra que ainda há muitos fios desencapados nesse paiol.

LEIA A ÍNTEGRA DA NOTA

O ministro da Defesa e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica repudiam veementemente a acusação apresentada pelo senhor Gilmar Mendes, contra o Exército Brasileiro, durante evento realizado no dia 11 de julho, quando afirmou: “É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável”.

Comentários dessa natureza, completamente afastados dos fatos, causam indignação. Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana. O ataque gratuito a instituições de Estado não fortalece a democracia.

Genocídio é definido por lei como “a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso” (Lei no 2.889/1956). Trata-se de um crime gravíssimo, tanto no âmbito nacional, como na justiça internacional, o que, naturalmente, é de pleno conhecimento de um jurista.

Na atual pandemia, as Forças Armadas, incluindo a Marinha, o Exército e a Força Aérea, estão completamente empenhadas justamente em preservar vidas.

Informamos que o Ministério da Defesa encaminhará representação ao Procurador-Geral da República (PGR) para a adoção das medidas cabíveis.

Ilques Barbosa Junior - Almirante de Esquadra - Comandante da Marinha

Fernando Azevedo e Silva - Ministro de Estado da Defesa

Edson Leal Pujol - General de Exército - Comandante do Exército

Antônio Carlos Moretti Bermudez - Tenente-Brigadeiro do Ar - Comandante da Aeronáutica

Colaborou Daniel Carvalho, de Brasília

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