Descrição de chapéu 50 Anos do Tri

Dinheiro dos 'Fuscas da Copa' de Maluf ainda está pendente 50 anos depois

Ex-prefeito de São Paulo aguarda pagamento de R$ 1 milhão da prefeitura por quantia depositada em juízo, mas valor está penhorado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Meio século depois de ter usado dinheiro público para presentear os jogadores campeões da Copa do Mundo do México, o ex-prefeito Paulo Maluf (PP) está na fila para receber do município de São Paulo mais de R$ 1 milhão relativo ao episódio.

A quantia, porém, está penhorada devido a outra ação judicial na qual o político foi condenado a devolver recursos para o município.

A cerimônia de entrega dos automóveis completará 50 anos no próximo dia 20. Na época, Maluf, então prefeito indicado pelo regime militar, comprou com dinheiro do caixa municipal 25 Fuscas para atletas e comissão técnica da Seleção Brasileira tricampeã mundial. A conquista fez aniversário em 21 de junho.

Por ter concedido os presentes, Maluf chegou a ser condenado a ressarcir os cofres públicos em ação popular levada a julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) em 1974. Nos anos 1980, ainda com recursos pendentes na corte, ele fez depósito em juízo relativo ao processo.

Mas na década de 1990, em outro julgamento, o Supremo decidiu anular a condenação. Com o fim dos recursos cabíveis nos anos 2000, a Justiça de primeira instância foi novamente chamada a se manifestar sobre o destino do depósito feito em 1988, quando o cruzado era a moeda vigente.

Tanto tempo se passou que o banco onde foi guardada parte da quantia, a Nossa Caixa, nem existe mais, e o autor da ação popular que originou a condenação já morreu.

Desde o episódio, um dos mais conhecidos da controversa carreira do ex-prefeito, outros 18 políticos se sentaram na cadeira da prefeitura, além dele próprio, que obteve novo mandato em 1992.

Enquanto o imbróglio dos Fuscas não teve desfecho, Maluf foi eleito governador em eleição indireta (1978), candidato a presidente (1985 e 1989), voltou ao cargo de prefeito (1993) e hoje está detido em casa em decorrência de duas condenações penais no STF.

O país, no período, já ganhou outros dois títulos mundiais de futebol, encerrou a ditadura dos generais, em 1985, e voltou a ser governado por um militar, com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018.

Foi só em 2013 que a Justiça paulista autorizou Maluf a ingressar com um pedido que o colocaria na fila dos precatórios a serem pagos pela prefeitura.

Na ocasião, a defesa cobrou celeridade para a resposta, tendo em vista a idade do político —hoje tem 88 anos. O pedido ainda passou por um desembargador do Tribunal de Justiça, que coordena a execução desse tipo de débito.

Quando parecia que o ex-prefeito finalmente iria reaver a quantia, que já estava na lista de pagamentos da prefeitura, veio nova reviravolta.

Em 2018, os advogados municipais pediram que a Justiça penhorasse os valores relativos ao imbróglio dos Fuscas para garantir o pagamento de uma dívida que Maluf tem com a prefeitura.

A solicitação foi atendida pelo juiz Adriano Laroca em junho do ano passado.

Ou seja: pela decisão, a dívida com o ex-prefeito relativa aos Fuscas não é considerada quitada, mas, quando chegar a sua vez de pagamento, será diretamente destinada ao abatimento de outro débito maior que ele possui com o município.

Essa outra dívida soma cerca de R$ 5 milhões e decorre de condenação em ação civil pública por enviar cartas a contribuintes da cidade com dinheiro público para se promover politicamente.

O valor da dívida dos Fuscas, sob a qual incidem juros e correção, não é exato. Em 2012, a defesa calculou R$ 834 mil. Quatro anos depois, em outra petição, o valor foi estimado em R$ 1,38 milhão.

Em julho de 1970, os carros foram entregues pessoalmente em uma cerimônia no parque do Ibirapuera, onde antigamente ficava a sede da prefeitura.

Um a um, os automóveis, de cor verde, foram identificados com o nome de cada jogador. Segundo reportagem da Folha na época, no para-brisa traseiro, foi providenciado um adesivo com a mensagem “Brasil: Ame-o ou deixe-o”, um dos lemas da ditadura militar.

“[Os jogadores] pegavam suas chaves e folhetos de revisão numa banca armada pelos concessionários e iam experimentar o volante”, dizia o texto publicado pelo jornal.

Reportagem da BBC Brasil em 2018 mostrou que vários dos atletas acabaram se desfazendo do presente posteriormente.

Pelé recebe Fusca de presente da Prefeitura de São Paulo, em 1970
Pelé recebe Fusca de presente da Prefeitura de São Paulo, em 1970 - Acervo Folhapress - 20.jul.70

Na conquista do tetracampeonato mundial, em 1994, o então prefeito repetiu o gesto de presentear os jogadores campeões, mas desta vez os automóveis —22 Gol 1.0— foram custeados por empresários e pelo próprio político.

Um ano depois, quando o ex-prefeito conseguiu a vitória no Supremo, a Folha registrou que ele prometeu doar o valor depositado em juízo no processo para a Santa Casa de Misericórdia.

No julgamento que provocou a condenação em 1974, os ministros do STF votaram pela condenação por dois motivos.

Primeiro, entenderam que a lei que viabilizou a compra dos presentes tinha sido aprovada na Câmara Municipal sem o quórum necessário para uma iniciativa de homenagem. Além disso, consideraram que não havia interesse social em doar aos atletas carros.

Procurada, a defesa de Maluf disse apenas que os processos mencionados “ainda estão em discussão na Justiça” e que seus argumentos são de conhecimento dos magistrados.

“A equipe jurídica continua esperando o melhor desfecho”, disse em nota o escritório Leite, Tosto e Barros Advogados, que defende o político.

Em junho deste ano, o ex-prefeito sugeriu em documento à Justiça converter suas penas de prisão em doação para o combate à pandemia do novo coronavírus, o que considera “mais conveniente do ponto de vista humanitário”. O juiz de primeira instância entendeu que cabe ao Supremo decidir a respeito.

HISTÓRICO DO IMBRÓGLIO DOS FUSCAS

21 de junho de 1970:
Brasil se torna tricampeão mundial de futebol ao bater a Itália por 4 a 1, no México

16 de julho de 1970:
O advogado Virgílio Lopes Enei vai à Justiça e abre ação popular contra o prefeito, prefeitura, a Câmara Municipal e o presidente da Casa, Armando Simões Neto, para que fosse declarada a nulidade de lei que embasou a compra de 25 Fuscas para os campeões. O pedido inclui a reposição ao erário dos valores pelos réus. A entrega dos automóveis ocorre no dia 20 do mesmo mês.

Agosto de 1974:
Após o autor da ação ser derrotado em duas instâncias São Paulo, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal julga procedente o pedido, condenando Maluf

Setembro de 1983:
Derrotado em recursos pendentes no STF, Maluf encaminha um outro tipo de contestação, desta vez pedindo a anulação da decisão da Primeira Turma por causa do instrumento jurídico para levar o caso para a corte superior. Ele deposita os valores em juízo posteriormente.

Maio de 1995:
O plenário do Supremo aceita recurso da defesa de Maluf e anula decisão de 1974 da Primeira Turma.

Abril de 2002:
STF rejeita embargos no caso apresentados pelo advogado Lopes Enei

Fevereiro de 2010:
Juiz da primeira instância manda que o banco informe o saldo atualizado nas contas relativas ao processo

Maio de 2012:
Defesa de Maluf calcula o valor da dívida em R$ 834 mil

Outubro de 2013:
Juiz determina que se expeça ofício requisitório, que visa que Maluf recupere os valores que tinham sido depositados

Dezembro de 2018:
Morre o autor da ação original, Virgilio Lopes Enei

Junho de 2019:
Juiz determina a penhora dos valores do caso dos Fuscas para quitar valores de dívida que Maluf tem com o município, relativa a uma outra ação judicial

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.