A base bolsonarista é radical e a eleição de Jair Bolsonaro foi uma resposta da população aos anos de governo do PT, mas a fase atual é passageira, na visão do porta-voz do movimento Vem pra Rua (VPR), o empresário Rogério Chequer, 52.
"Esse extremo não vai durar para sempre", diz ele à Folha. O grupo, que faz críticas a Bolsonaro nas redes sociais, descarta apoiar no momento o impeachment do presidente e se recusa a ir às ruas durante a pandemia.
"Não acreditamos que este seja o melhor momento para discutirmos o impeachment", afirma.
Para o movimento, um dos indutores dos protestos pela derrubada de Dilma Rousseff (PT), ainda não há clareza sobre crime para embasar o afastamento do atual mandatário.
O empresário, que foi candidato a governador de São Paulo pelo partido Novo (ficou em 6º lugar, com 673.102 votos), foi eleitor do presidente e não se arrepende. O movimento pregou voto contra o PT.
Entre as prioridades do VPR hoje estão uma campanha pela prisão imediata após condenação em segunda instância e outra pelo fim do foro especial. O grupo encampa ainda a defesa do ex-ministro Sergio Moro e da Lava Jato.
Chequer relativiza o peso de atos de rua e afirma que mobilizações políticas ganham cada vez mais corpo no ambiente virtual —a organização tem 2,3 milhões de seguidores no Facebook.
O VPR faz alguma autocrítica sobre ter ajudado de alguma forma na criação do fenômeno que levou Bolsonaro à Presidência? Nós enxergamos a mobilização em torno de Bolsonaro como uma consequência de um antagonismo ao que nós tínhamos [no governo]. E isso não foi causado única e exclusivamente pelo VPR.
Começa sendo causado pelo próprio regime anterior, do PT. Os sentimentos de medo e repulsa que a população criou a tornaram muito propensa a abraçar uma conduta do outro extremo. Por falta de sucesso nas outras alternativas eleitorais, tudo ficou concentrado em Bolsonaro.
Então não há arrependimento? O movimento não se arrepende da atuação contra o regime anterior e enxerga que o que aconteceu depois disso foi um fenômeno de pêndulo. Jamais defendemos vários aspectos defendidos por Bolsonaro e não defendemos o Bolsonaro como pessoa na eleição.
Fizemos parte de um movimento de derrubada do regime anterior. O fato de a gente ter caminhado para isso [Bolsonaro] não é de responsabilidade do movimento.
Existe uma sobreposição entre parte dos apoiadores do Vem pra Rua e eleitores de Bolsonaro. Como isso é administrado, uma vez que o VPR faz críticas a Bolsonaro? Sempre buscamos ter opiniões variadas internamente. O movimento está cada vez mais uniforme na leitura do que está acontecendo no Brasil. Existe uma linha mestra que está muito preocupada com a condução atual [do governo].
Nós nos guiamos pelo combate à corrupção, desenvolvimento da democracia, defesa das instituições, defesa de representatividade. Quando vê alguma dessas pautas ameaçada, o movimento se posiciona.
O VPR cogitou se somar aos movimentos que têm surgido para defender a democracia e se contrapor a Bolsonaro? Estamos muito focados nas nossas pautas. Algumas das pautas desses movimentos são coincidentes com as nossas, outras não. Então não faz sentido se fundir completamente com eles.
Como vê a onda de reapropriação do amarelo, cor que foi usada pelo VPR, endossada por bolsonaristas e hoje é reivindicada por iniciativas em favor da democracia? Nós não podemos nos colocar como donos de uma das cores da bandeira brasileira. E eu acredito que esse movimento [bolsonarista] é passageiro. Esse extremo não vai durar para sempre.
Qual é a opinião do VPR sobre o impeachment de Bolsonaro? Consideramos hoje que esse tema não é apropriado diante de um cenário de pandemia. Estamos com prioridades do ponto de vista de saúde, já estamos com crises políticas. Não acreditamos que este seja o melhor momento para discutirmos o impeachment.
O movimento não pode ser acusado de ter dois pesos e duas medidas, já que teve uma atuação intensa pela saída de Dilma? Agora, o objetivo é dar prioridade à nação. Não tínhamos pandemia em 2015, com Dilma. O movimento se posicionou a favor do afastamento dela a partir do momento em que ficou configurado o crime de responsabilidade, com a auditoria no TCU [Tribunal de Contas da União].
O Vem pra Rua não vai se furtar de defender as medidas legais, inclusive impeachment, no momento em que essa configuração ficar caracterizada. Lembrando que o impeachment é um processo jurídico e político.
Para o movimento, há elementos suficientes para um processo contra ele? Não somos especialistas na parte jurídica. Mas alguns juristas já apontam a existência de crimes de responsabilidade.
O que poderia ser a gota d'água para o movimento passar a defender o impeachment? Acho que é uma união de fatores. Em primeiro lugar, precisaremos enxergar que a pandemia estará bem encaminhada. Apoiar algo hoje que vá causar uma maior crise política, que possa aumentar o número de mortes, é irresponsável.
O número de seguidores do VPR no Facebook se mantém em torno de 2 milhões. Que base é essa? Vem acontecendo um movimento de substituição. Das pessoas que defenderam a queda do PT e o impeachment de Dilma, uma parte se tornou bolsonarista radical. São pessoas que não estão mais [no VPR]. E acho ótimo que não estejam, porque as pautas e o estilo deles não condizem com o Vem pra Rua.
Uma outra parte votou no Bolsonaro, principalmente contra o PT, mas em algum momento acordou para o que está sendo o estilo Bolsonaro de governar e continua conosco. E há pessoas que, independentemente do voto, percebem as pautas do movimento como saudáveis para a democracia e têm se juntado a nós.
O Vem pra Rua planeja voltar às ruas? Alguma previsão de data? Hoje, mais do que nunca, a reunião de pessoas é via redes. Não estamos pensando em datas, não queremos criar qualquer tipo de aglomeração. Isso não significa que a gente não possa considerar manifestações virtuais.
O VPR tem alinhamento integral à Lava Jato, especialmente à força-tarefa de Curitiba. Os questionamentos à operação nos últimos tempos provocaram alguma reavaliação? Nossa visão não mudou. O que a gente observa é uma movimentação de um establishment político ameaçado pela operação, da mesma forma que aconteceu na Itália [com a Mãos Limpas].
Com o recente embate entre a força-tarefa de Curitiba e o procurador-geral da República, Augusto Aras, o VPR vê algum risco? Preocupa-nos a autonomia de qualquer membro do Ministério Público [ser ameaçada]. E o que enxergamos hoje na PGR é um grande ponto de interrogação, de saber se Augusto Aras vai agir direcionado pelos fatos ou pela nomeação pessoal de Bolsonaro e a possibilidade de se tornar um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Pode haver digitais de Bolsonaro na iniciativa de Aras? O simples fato de Bolsonaro ter anunciado Aras como candidato a ministro do STF já é uma digital maior do que a moral deveria permitir nesse processo.
O sr. declarou voto em Bolsonaro no segundo turno. Arrependeu-se? Não me arrependo do meu voto porque do outro lado estava um regime que eu lutei muito para combater e derrubar. O fato de ter votado contra o PT no segundo turno de forma alguma me coloca numa condição de ter que aprovar atos, estilo, conduta e eficiência do governo Bolsonaro. Sou um forte crítico à forma como ele tem feito as coisas.
A luta contra o establishment, uma promessa lá de trás, é derrubada pelo acordo com o centrão. A luta contra a corrupção é derrubada pela interferência no Ministério da Justiça, na Polícia Federal. Então, falando pessoalmente, considero que Bolsonaro já tem configurado um estelionato eleitoral.
O fato de ser filiado ao Novo cria algum conflito de interesses com o movimento? Dado que eu não tenho atuação partidária, não tem nenhum tipo de conflito. Sou um cidadão filiado a um partido político, como tantos milhões. Não considero que seja um defeito ou que me impeça de exercer a cidadania por meio do movimento.
RAIO-X
Rogério Chequer, 52
Empresário e engenheiro de produção, é sócio e CEO da Soap, empresa de capacitação de executivos. Em 2014, foi um dos fundadores do movimento Vem pra Rua (VPR), com bandeiras como combate à corrupção e renovação política. Participou de atos de rua pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Foi candidato a governador de São Paulo em 2018 pelo Novo, partido ao qual continua filiado. É membro do conselho consultivo e porta-voz do VPR.
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