Descrição de chapéu Lava Jato

Lava Jato estabeleceu novo patamar na investigação criminal, diz ex-coordenador da força-tarefa no Rio

Para procurador, investigações espontâneas podem ter mais sucesso do que um órgão central de combate à corrupção

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Brasília

Coordenador do Núcleo de Combate à Corrupção do MPF (Ministério Público Federal) que atua na segunda instância da Justiça Federal em São Paulo, o procurador regional da República Leonardo Cardoso de Freitas afirma que forças-tarefas como a da Lava Jato representam um modelo de combate à corrupção que permitiu à instituição colher muitos frutos.

“A Lava Jato trouxe um novo patamar na investigação criminal, no processo penal, o que também repercutiu nas práticas da administração pública”, diz Freitas, ex-coordenador da força-tarefa no Rio de Janeiro. O procurador regional se desligou do grupo no final do ano passado.

O MPF debate atualmente um modelo de atuação dos procuradores, incluindo a criação da Unac (Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado).

Leonardo Cardoso de Freitas, procurador da República, quando apresentou denúncia relacionada a esquema de propinas entre a Petrobras e a SBM Offshore, em dezembro de 2015 - Tânia Rêgo - 17.dez.2015/Agência Brasil

Segundo a proposta, as forças-tarefas da Lava Jato no Paraná, no Rio e em São Paulo, além da Greenfield (que investiga irregularidades em fundos de pensão) em Brasília, passariam a trabalhar vinculadas a este órgão central.

Setores do MPF temem perda de autonomia com a ideia, defendida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.

Freitas afirma que as investigações, mesmo aquelas de porte da Lava Jato, deveriam nascer espontaneamente da atuação dos procuradores. “Grande parte do sucesso do Ministério Público Federal no combate à corrupção ao longo desses últimos anos se deve à descentralização."

O procurador classifica de desproporcional a decisão do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, que determinou na última quinta-feira (9), a pedido da Procuradoria-Geral da República, o compartilhamento de informações armazenadas pelos três QGs estaduais da Lava Jato.

Qual é o modelo ideal para o combate à corrupção? Nós temos um princípio muito caro ao Ministério Público, que é a independência funcional. Ele estabelece que um promotor ou um procurador vai responder por um caso específico. Não é realista achar que, com organizações criminosas que a gente vê atuando por aí, dentro e fora do poder público, com toda a dinâmica e complexidade, um procurador, um delegado vai dar conta do recado sozinho.

A Lava Jato surge, então, como um modelo bem-sucedido. Ela preserva o princípio do procurador natural, e sua independência funcional. A força-tarefa é simples, estruturalmente falando. O que ela é? Um procurador natural, com sua independência funcional, e com colegas designados para auxiliá-lo.

Um órgão central não contribuiria para aperfeiçoar esse trabalho? Entendo que o modelo das forças-tarefas, em torno do procurador natural, com sua independência funcional preservada, e, eventualmente com o princípio da colegialidade nas decisões, é um modelo que funciona melhor do que algo centralizado. A centralização, como se quer com a Unac, não me parece ser o ideal.

Por quê? Grande parte do sucesso do Ministério Público Federal no combate à corrupção ao longo desses anos se deve à descentralização. Curitiba, Rio, a Greenfield e tantas outras forças-tarefas são exemplos disso. Eu fico mais confortável com a ideia de investigações nascendo espontaneamente no cenário da instituição.

Esse debate ocorre em meio a duras críticas que a Lava Jato enfrenta, vindas inclusive de dentro da própria instituição. O atual procurador-geral da República assumiu o cargo dizendo que era preciso conter excessos e segue nessa linha. É lógico que todo erro, todo excesso não tem só que ser corrigido, mas também eventualmente punido. Não se trata disso. Mas negar a eficiência e a natureza republicana dessa atuação acho bem difícil por conta de todos os avanços trazidos.

E as críticas do procurador-geral? Não é apropriado da minha parte analisar comentários do procurador-geral da República. De novo, eu ressalto o saldo das forças-tarefas para as investigações de combate à corrupção, lavagem de ativos e do colarinho branco em geral. É amplamente positivo.

Que avanços o senhor aponta? A Lava Jato trouxe um novo patamar na investigação criminal, no processo penal, o que também repercutiu nas práticas da administração pública. Ouso dizer que hoje há mais cuidado com a coisa pública —ou mais receio de ser responsabilizado.

O trabalho está em pé, com toda a transparência. Às vezes, a Lava Jato é até acusada de excesso de transparência. Mas não de falta de transparência. A gente mostra o que está fazendo.

Tudo isso dá conta da solidez do trabalho. E de solidez do ponto de vista técnico, das provas produzidas, dos elementos que foram colhidos, e submetidos ao contraditório, dos valores que foram repatriados. Isso soma muito para esse modelo de atuação.

No modelo de combate à corrupção atualmente em debate, qual poderia ser então o papel reservado à PGR? Cabe à PGR um papel importantíssimo, por meios das câmaras criminal e de combate à corrupção [instâncias administrativas ligadas à PGR], atuando para coordenar e revisar os atos praticados pelos procuradores. No plano administrativo, a PGR também pode apoiar essas iniciativas. É preciso equipe, com método, trabalho sério e dedicação. Nesse sentido é essencial a participação da PGR, de prover os meios para que isso ocorra.

Um dos autores da proposta que cria a Unac disse à Folha que “só Curitiba tem estrutura administrativa, só ela consegue fazer as coisas com o mínimo de eficiência” e, portanto, um órgão central atuaria para evitar que isso ocorra. Faltou condições de trabalho à força-tarefa do Rio de Janeiro? O trabalho da dimensão de uma força-tarefa da Lava Jato sempre é feito em uma situação não ideal, mas, no período que a integrei, eu posso dizer que, dentro do possível, a força-tarefa da Lava Jato Rio de Janeiro teve apoio da PGR.

A coordenadora da Lava Jato que auxilia Aras esteve em Curitiba para copiar dados armazenados pela força-tarefa. O procurador-geral enviou ofícios também ao Rio e a São Paulo com este propósito. É um procedimento correto? O procurador-geral da República é o chefe da instituição e merece todo o respeito. Mas, em termos de atuação-fim, nós temos nossa independência funcional, nossas repartições e atribuições. Nem todas informações colhidas em uma investigação podem ser compartilhadas livremente com quem quer que seja. Não tem como pegar um processo sigiloso e compartilhar com quem quer que seja, nem mesmo com o excelentíssimo senhor procurador-geral da República.

Na última quinta-feira (9), o presidente do STF, Dias Toffoli, aceitou os argumentos do procurador-geral da República e determinou o compartilhamento. Obviamente, a decisão deve ser cumprida, mas entendo que ela seja absolutamente desproporcional. Ela se equivoca no alcance que dá ao princípio da unidade no MPF. Nossos vetores são a independência funcional e o princípio do procurador natural, que descentralizam a atuação e permitem que cada membro do Ministério Público, com sua consciência, exerça seu dever funcional.

A ordem [do STF] se fundamenta em fatos que teriam ocorrido em Curitiba, mas alcança Rio e São Paulo; Essas informações são fruto de afastamentos de sigilos constitucionais e processuais penais após decisões judiciais analisadas caso a caso. A extensão determinada por essa ordem do tribunal é feita sem que essa fundamentação caso a caso tenha sido realizada.

A decisão do tribunal está relacionada a um dos pontos no debate sobre a criação da Unac: a existência de um banco de dados único para armazenar dados de investigações coletados em todo o país. É viável e legal concentrar tudo em um lugar só? Acho que não. É preciso ter fundamento para esses compartilhamentos, fundamento para cada um dos requerimentos. Vejo com muita dificuldade, à luz do marco legal tanto no direito penal como no processo penal, essa ideia de se montar esse banco de dados único.

Como o senhor vê a atual fase da Lava Jato? Acho que a gente não está em um momento alvissareiro.

A que o senhor atribui esse momento? A gente talvez tenha um cansaço natural somado ao fato de que algumas forças políticas que nos apoiavam hoje não nos apoiem tanto.

As mensagens de Telegram reveladas pelo site The Intercept Brasil mostrando aconselhamento do ex-juiz Sergio Moro à força-tarefa no Paraná causaram dano à Lava Jato? Prejuízo de imagem, houve. Mas esse material eu não conheço a fundo e não posso me manifestar sobre ele. O que posso dizer em relação ao Rio de Janeiro, onde eu atuei, e posso me estender a Curitiba também, é que nossos processos, em sua grande maioria, estão sendo escrutinados pela imprensa, pela opinião pública, pelos tribunais, incluindo o STF, há muito tempo.

O trabalho foi feito de maneira sólida, até por conta desse modelo de força-tarefa que eu destaquei no início, e, por essa razão, tem resistido a todo o escrutínio por parte da sociedade.

Houve uma identificação do projeto político vencedor nas urnas em 2018 com a Lava Jato. A força-tarefa buscou esse respaldo? Não, pelo contrário. Sempre se tentou atuar da maneira mais longe de facções políticas possível. Buscar um ambiente público mais transparente, com melhores práticas, isso não pode, não deve nunca ser visto como um objetivo partidário ou mesmo um instrumento de grupos políticos para avançar sua agenda.

RAIO-X

Leonardo Cardoso de Freitas, 49
Ingressou no Ministério Público Federal em 1999, sempre atuando em matéria criminal, crimes de corrupção e do colarinho branco. Foi procurador-chefe da Procuradoria da República no Rio de Janeiro entre março de 2005 e março de 2007. Integrou de 2016 a 2019 a força-tarefa da Lava Jato no estado, tendo exercido a coordenação em parte do período. Hoje coordena o Núcleo de Combate à Corrupção que atua na segunda instância da Justiça Federal em São Paulo. É mestrando em direito pela UFRJ​

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