Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Aos 600 dias de gestão, Bolsonaro expõe contradições entre presidente e candidato; veja vídeo

No cargo, chefe do Executivo flexibilizou discurso sobre 'velha política', reeleição e CPMF

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Brasília

Os 600 dias de governo completados neste sábado (22) mostram uma série de contradições entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o candidato à Presidência da República em 2018.

Há dois anos, o político prometia "tolerância zero com a corrupção", dizia que acabaria com a reeleição, definia o MDB como "símbolo do toma lá, dá cá", se comprometia a fugir da negociação com lideranças partidárias e veementemente chamava de mentira a possibilidade de recriação da CPMF.

Hoje, ele mudou de tom e deixou para trás bandeiras, partido e aliados da época. Figuras como a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), o senador Major Olímpio (PSL-SP) e o ex-senador Magno Malta (PL-ES) não são mais vistas com o presidente.

O Bolsonaro que comanda o Palácio do Planalto faz vistas grossas para a confissão de caixa dois de um de seus ministros, age de olho em 2022, tem Michel Temer (MDB) como conselheiro informal, distribui cargos para o centrão, roda o Brasil ao lado de caciques do grupo e deu aval à discussão de um novo imposto.

O programa de governo de Bolsonaro registrado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) dizia, com trechos em letras maiúsculas que teria "tolerância ZERO com o crime, com a corrupção e com os privilégios".

Cinco páginas adiante, também com destaques gráficos o documento trazia que "o Brasil passará por uma rápida transformação cultural, onde a impunidade, a corrupção, o crime, a 'vantagem', a esperteza, deixarão de ser aceitos como parte de nossa identidade nacional, POIS NÃO MAIS ENCONTRARÃO GUARIDA NO GOVERNO".

O presidente, porém, não fez qualquer comentário sobre o fato de o ministro Onyx Lorenzoni (Cidadania) ter firmado um acordo de não persecução penal com a PGR (Procuradoria-Geral da República) no qual admitiu ter recebido R$ 300 mil em caixa dois da JBS em 2012 e 2014.

Ele também procura ignorar a suspeita de prática de "rachadinha" envolvendo o gabinete do filho Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), quando deputado estadual no Rio de Janeiro.

A Folha mostrou em 13 de agosto que a personal trainer Nathália Queiroz continuou repassando a maior parte de seu salário ao pai, Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, mesmo quando empregada no antigo gabinete na Câmara do hoje presidente da República.

Na possibilidade de criação de impostos, o discurso de 2018 também mudou em 2020. Em duas lives seguidas dias antes do primeiro turno, Bolsonaro manifestou-se com indignação quando adversários afirmaram que o hoje presidente recriaria a CPMF.

"Mentira de Geraldo Alckmin, mentira dos candidatos a questão [de fim] do 13º e da [recriação da] CPMF. Aproveitaram um momento em que estive no leito de morte para semear mentiras. Nós faremos um governo para o povo", disse na primeira transmissão, citando seu então adversário do PSDB e também o período em que ficou internado para se recuperar de uma facada que havia levado em setembro.

No dia seguinte, ao lado de Magno Malta, apoiador derrotado na disputa pelo Senado, voltou a negar a intenção de recriar o imposto.

"Aqui não tem aquela mentira que falaram que nós queremos recriar a CPMF, que queremos acabar com o 13º. Mentira, Magno! Mentira! Não existe isso", disse.

Em 2 de agosto de 2020, porém, admitiu que deu aval para que o ministro Paulo Guedes (Economia) discutisse a criação de uma nova versão da contribuição, um imposto sobre transações financeiras.

"O que eu falei com o Paulo Guedes, você fala CPMF, né, pode ser o imposto que você quiser, tem que ver, por outro lado, o que vai deixar de existir", afirmou ao sair de uma padaria.

Mudanças também ocorreram no campo político. É o caso da opinião de Bolsonaro sobre o MDB do ex-presidente Michel Temer.

Em agosto de 2018, no debate da RedeTV!, Bolsonaro dirigiu-se ao então candidato do MDB à Presidência, Henrique Meirelles.

"O seu partido, o MDB, é o símbolo do toma lá, dá cá. Muitos ministros estão envolvidos na Lava Jato. Outros estiveram no mensalão. Isso tudo vem, exatamente, da indicação política que o seu partido nunca abriu mão de cada vez abocanhar mais e mais ministérios, mais e mais diretorias de estatais", disse o Bolsonaro presidenciável.

Em 2020, porém, passou a dialogar com o MDB e começou a ouvir Temer como um conselheiro informal a quem escolheu para comandar missão humanitária ao Líbano depois de uma forte explosão que atingiu Beirute.

"Senhor presidente Michel Temer, estou muito honrado em [o senhor] ter aceito nosso convite para representar o nosso país, o Brasil, nesta missão humanitária", disse na cerimônia de 12 de agosto.

Mas não foi apenas sobre o MDB que Bolsonaro mudou de opinião.

"Como é que você vai organizar o seu governo? Você vai fazer o que todo mundo faz com esta festa de distribuição de cargos ou não?", perguntou o apresentador José Luiz Datena, na Band, em 24 de abril de 2018.

"Se é para fazer a mesma coisa, estou fora", respondeu o pré-candidato Jair Bolsonaro.

Como candidato, meses depois, voltou a dar declarações críticas ao centrão e à política de troca de apoio por cargos.

Em 27 de agosto do ano da eleição, Bolsonaro dizia que trataria de votações diretamente com os parlamentares, "evitando a liderança partidária que hoje em dia ainda funciona como um sindicato, que, de acordo com o número de deputados, aquele líder partidário procura o governo e fala 'eu quero tantos ministérios, eu quero diretoria de estatais, diretoria de bancos oficiais' e, daí, o problema vem".

Mas a situação política de Bolsonaro se agravou e o presidente começou a conversar com dirigentes partidários, a distribuir cargos.

"Conduzi a conversa ao longo dos dois últimos meses. Conversei com praticamente todos presidentes e líderes de partidos. Sim, alguns querem cargos, não vou negar. Alguns, não são todos", disse em sua live de 28 de maio deste ano.

O presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), é um dos que mais convivem com Bolsonaro. Nos últimos dias, participou de almoço no Palácio do Planalto na quarta-feira (19) e foi companhia em viagem ao Rio Grande do Norte, na sexta (21).

Nogueira é alvo de denúncia do Ministério Público sob acusação de, ao lado de outros parlamentares, chefiar o chamado "quadrilhão do PP" em um esquema de desvio de recursos públicos da Petrobras. Os políticos do PP negam cometimento de irregularidades e dizem ser vítimas de delatores interessados apenas em diminuir as penas pelos crimes que cometeram.

As viagens ao lado de Ciro Nogueira e outros parlamentares fazem parte de um plano político do presidente para disputar a reeleição em 2022, algo que, quando candidato em 2018, ele rechaçava, mas passou a admitir em jullho do ano passado.

"Pretendo fazer, vou conversar com o Parlamento também, uma excelente reforma política. Você acabar com o instituto da reeleição. No caso, começa comigo, se eu for eleito", disse o presidenciável em outubro do ano retrasado.

O senador Major Olímpio disse que o presidente "é uma caricatura distante do que foi o candidato" e que representa para ele "uma tremenda decepção".

"Se o então deputado Jair Bolsonaro, que eu tinha como amigo que admirava, encontrasse hoje o presidente Bolsonaro, acho saía na porrada", disse Olímpio.

"Eu não mudei absolutamente nada. Continuo na mesma linha, dizendo que ladrão, para mim, é ladrão. Não tem ladrão de direita ou ladrão de esquerda. Tem comportamento de ladrão, eu quero distância", afirmou o senador.

A Folha procurou a Secretaria de Comunicação da Presidência para comentar as mudanças no discurso de Bolsonaro e as declarações de Olímpio, mas o Planalto informou que não se manifestaria.

O que mudou no discurso de Bolsonaro

Recriação da CPMF
ANTES

"Aqui não tem aquela mentira que falaram que nós queremos recriar a CPMF, que queremos acabar com o 13º. Mentira, Magno! Mentira! Não existe isso"
durante live, ao lado do então senador Magno Malta, em outubro de 2018

AGORA
"O que eu falei com o Paulo Guedes, você fala CPMF, né, pode ser o imposto que você quiser. Tem que ver por outro lado o que vai deixar de existir"
entrevista em uma padaria em Brasília em 2 de agosto de 2020

Centrão
ANTES

"Só há uma maneira de combater a corrupção no nosso Brasil. Elegermos um presidente de forma isenta, um presidente que não negocia ministérios, estatais bancos públicos porque aí está o foco da corrupção, que tem levado o Estado, inclusive à sua ineficiência. Por isso não temos saúde, educação e segurança, exatamente por causa das indicações políticas que têm que deixar de existir no nosso Brasil"
debate na RedeTV! no 1º turno, em 18 de agosto de 2018

AGORA
"Temos que ter agenda positiva para o Brasil e temos que conversar com partidos de centro também. Conduzi a conversa ao longo dos dois últimos meses. Conversei com praticamente todos presidentes e líderes de partidos. Sim, alguns querem cargos, não vou negar. Alguns, não são todos"
em live, em 28 de maio de 2020

Corrupção
ANTES
"Tolerância ZERO com o crime, com a corrupção e com os privilégios"
página 10 do programa de governo registrado no TSE

"O Brasil passará por uma rápida transformação cultural, onde a impunidade, a corrupção, o crime, a 'vantagem', a esperteza, deixarão de ser aceitos como parte de nossa identidade nacional, POIS NÃO MAIS ENCONTRARÃO GUARIDA NO GOVERNO."
página 15 do programa de governo registrado no TSE

AGORA
O presidente não concedeu nenhuma entrevista desde que o ministro Onyx Lorenzoni (Cidadania) firmou um acordo de não persecução penal com a PGR (Procuradoria-Geral da República) no qual admitiu ter recebido R$ 300 mil em caixa dois da JBS em 2012 e 2014

Reeleição
ANTES

"Pretendo fazer, vou conversar com o Parlamento também, uma excelente reforma política. Você acabar com o instituto da reeleição. No caso, começa comigo, se eu for eleito"
entrevista em 22 de outubro de 2018

AGORA
"Nós conseguiremos entregar muito melhor para quem nos suceder em 2026"
discurso em uma festa junina, quando admitiu publicamente pela primeira vez sua intenção de disputar reeleição, em 6 de julho de 2019​

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