Descrição de chapéu Folhajus

Gabinete de apoiadora de Bolsonaro antecipou contagem que levou MP-RJ a perder prazo contra foro a Flávio

No Ministério Público do Rio, existe a desconfiança de que procuradora tenha agido de forma intencional; ela nega

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Rio de Janeiro

O clique no sistema de uma simpatizante do presidente Jair Bolsonaro fez com que o Ministério Público do Rio de Janeiro perdesse o prazo para recorrer contra a concessão de foro especial ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e acirrou um clima de desconfiança no Ministério Público do Estado.

O caso ocorrido no gabinete da procuradora Soraya Gaya, defensora de foro especial em favor de Flávio, levou o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, a abrir uma sindicância nesta sexta (14).

Soraya, que já elogiou Bolsonaro nas redes sociais, negou a ele ter sido a responsável pelo clique, que antecipou em três dias a contagem de prazo para que o Ministério Público recorresse contra a decisão de foro especial ao primogênito do presidente.

O acesso do gabinete dela ao sistema ocorreu em uma quinta-feira, 2 de julho, para ver intimação que informava ao MP-RJ a remessa do caso de Flávio para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

O clique lançou o registro de que o MP-RJ tinha tomado oficialmente ciência da decisão, dando início ao que a Justiça chama de fluência de prazo.

Em junho, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio concedeu foro especial a Flávio. Pela decisão, o processo que investiga a prática de "rachadinha" no gabinete dele na Assembleia Legislativa do Rio saiu das mãos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, e passou para o Órgão Especial do TJ, colegiado formados por 25 desembargadores.

O MP-RJ tentou um recurso à decisão, mas o Tribunal de Justiça alegou a perda de prazo e o rejeitou.

Dentro de um carro, Queiroz no banco de trás, usando máscara
O ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, deixa a residência em Jacarepaguá (RJ) - Saulo Angelo/Futura Press/Folhapress

A ãção no sistema da procuradora Soraya contrariou a programação definida pela Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (GAECC/MPRJ) —responsável pela investigação do caso—, que pretendia dar início à contagem dos dias apenas na segunda-feira seguinte, dia 6 de julho.

Em processos penais, a contagem começa no dia seguinte ao conhecimento das intimações, à exceção das vésperas de final de semana e feriados. Quando a intimação é formalmente recebida em uma sexta-feira, o prazo começa a valer na segunda-feira seguinte.

A Folha apurou que era essa a estratégia dos promotores que, por terem acessado o sistema na sexta-feira, 3 de julho, agiram como se esse fosse o pontapé inicial para apresentação de recurso.

Em nota, o Ministério Público afirmou que a procuradoria-geral só havia tomado ciência da decisão na sexta-feira (3). Mas o acesso do sistema de Soraya já estava registrado um dia antes.

Pelas regras, a Justiça lança uma decisão no sistema. O Ministério Público tem até dez dias para tomar ciência de uma decisão, o que dá início à contagem, que é de 15 dias corridos. Ao acionar o sistema no dia 2, Soraya fez com que o prazo expirasse em 17 de julho.

A Folha apurou que os promotores não se deram conta do acesso de Soraya e trabalharam como se a contagem tivesse sido iniciada na segunda-feira (6). Por esse cronograma, o prazo expiraria no dia 20 de julho, exatamente o dia em que o MP-RJ apresentou o recurso e acabou perdendo o prazo.

A perda de prazo criou um clima de desconfiança no Ministério Público, alimentando suspeita de que Soraya tenha antecipado intencionalmente o prazo. A procuradora, que emitiu três pareceres favoráveis a Flávio, fez postagens simpáticas ao presidente nas redes sociais.

Em julho de 2019, por exemplo, ela compartilhou o vídeo de um canal seguido por apoiadores do presidente em que Jair Bolsonaro defende as políticas ambientais de seu governo e questiona dados sobre desmatamento. "Gostei das respostas dele, bem objetivo”.

Também no ano passado, em outubro, a procuradora —que costuma enfeitar suas fotos nas redes sociais com uma bandeira do Brasil— publicou a notícia de que Bolsonaro pretendia obrigar presos a trabalhar e perguntou o que os amigos achavam disso.

A procuradora manteve suas postagens mesmo depois de a Folha revelar o parecer em que ela defendia a concessão de foro especial a Flávio.

Há um ano, Soraya se manifestou em favor do foro especial em resposta ao habeas corpus impetrado pelos advogados do senador. Na manifestação, a procuradora disse que Flávio teria cometido supostos crimes "escudado pelo mandato que exercia à época".

Ela também disse que, sendo ele o filho do presidente, havia grande "interesse da nação no desfecho da causa e em todos os movimentos contrários à boa gestão pública”.

Ao defender a concessão de foro especial ao senador, a procuradora afirmou que não lhe parecia a melhor postura querer julgar Flávio "de forma unilateral e isolada, quando o mesmo tem uma função relevante e que a todos interessa".

"Existe uma tendência em extirpar o chamado foro privilegiado, que de privilégio não tem nada. Trata-se apenas de um respeito à posição ocupada pela pessoa. Assim, é muito mais aparentemente justo ser julgado por vários do que apenas por um, fica mais democrático e transparente”, escreveu.

Na manifestação, Soraya disse também que o juiz Itabaiana tem carregado sozinho "um grande fardo nos ombros" e que "nem Cristo carregou sua cruz sozinho”. Foi Itabaiana quem autorizou a quebra do sigilo fiscal e bancário de Flávio Bolsonaro e a prisão de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

Assinado pela advogada Luciana Pires, o pedido que garante foro especial ao senador questionou a competência da primeira instância para julgar o caso. A advogada argumentou que Flávio era deputado estadual na época dos fatos e que, portanto, teria foro especial.

Nesta quinta-feira, a desembargadora Elisabete Filizzola Assunção, terceira vice-presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decidiu não aceitar recurso devido à expiração do prazo.

Na decisão, a desembargadora afirma que “o prazo do recurso começou sua fluência no dia seguinte, ou seja, 03 de julho, terminando, assim, no dia 17 de julho de 2020. Considerando que a interposição dos referidos recursos se deu em 20 de julho de 2020, conclui-se por sua intempestividade”.

O MP-RJ tem cinco dias para recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). No Ministério Público, o mal-estar não se restringe às dúvidas acerca das intenções de Soraya, mas também ao fato de promotores terem perdido o prazo.

Na tarde desta quinta-feira (13), em email encaminhado à assessoria do MP-RJ, a Folha pediu para entrevistar quem tinha dado início à contagem do prazo. Embora o nome de Soraya conste no sistema de Justiça como responsável pelo recebimento da intimação, informação à qual a defesa de Flávio também teve acesso, o MP-RJ não respondeu ao pedido da reportagem.

Em nota, o Ministério Público afirmou que a Procuradoria de Justiça só havia tomado ciência da decisão na sexta-feira (3). Mas que o acesso de Soraya já estava registrado no sistema um dia antes.

Soraya não foi localizada pela reportagem. Em um desabafo feito a amigos, negou ser apoiadora de Bolsonaro, dizendo não gostar de política. Disse também que não abriu o sistema pois sua tese foi acolhida integralmente pela Justiça e o acesso à intimação interessava apenas aos que pretendiam apresentar o recurso. Soraya encerrou a mensagem dizendo-se cansada de ter celular grampeado e o computador bugado.

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