Bolsonaro tenta melhorar relação com Judiciário, mas STF segue impondo derrotas ao governo

Supremo não retribui mudança de postura do presidente e mantém ritmo de julgamentos contrários ao Executivo

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Brasília

A mudança do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para um perfil mais apaziguador e a ofensiva nos bastidores para se aproximar do STF (Supremo Tribunal Federal) não surtiram efeito na relação do Palácio do Planalto com a corte.

Após a prisão do policial aposentado Fabrício Queiroz, que pode implicar a família e o próprio presidente, e das operações contra correligionários suspeitos de espalhar fake news, o chefe do Executivo passou a evitar o confronto e deixou de criticar as decisões do Supremo.

A corte, porém, não tem retribuído no mesmo tom e manteve o ritmo de julgamentos contrários ao Executivo mesmo após a inflexão de Bolsonaro.

O presidente Jair Bolsonaro e o presidente do STF, Dias Toffoli - Adriano Machado - 17.jun.2020/Reuters

Prova disso é que o STF reservou as duas primeiras sessões após o retorno do recesso judiciário para impor uma derrota ao governo.

Por unanimidade, o Supremo referendou a decisão do ministro Luís Roberto Barroso que obrigou o Executivo a adotar uma série de medidas para conter o avanço do novo coronavírus em aldeias indígenas.

Também nesta última semana, o ministro Gilmar Mendes derrubou uma série de vetos de Bolsonaro ao projeto de lei aprovado pelo Congresso que torna obrigatório o uso de máscaras em locais públicos.

O ministro invalidou a decisão do chefe do Executivo de vetar a obrigatoriedade da proteção facial em prisões e em estabelecimentos socioeducativos.

Além disso, Gilmar restaurou a eficácia do ponto do projeto do Legislativo que obrigava a fixação de cartazes informativos em locais fechados sobre a forma correta de usar a máscara e o número máximo de pessoas permitidas ao mesmo tempo no local.

O esvaziamento do poder de Bolsonaro na pandemia influenciado pelo STF vai na contramão do movimento mundial.

Na índia, por exemplo, o governo federal acabou até com a autonomia de entes da federação e não teve empecilho para isso.

Na Polônia, o ultraconservador Andrzej Duda, mandatário do país, aproveitou a pandemia, sem resistência da Suprema Corte, para ampliar seus poderes e mudar até as regras eleitorais para se beneficiar das restrições impostas à população por causa do novo coronavírus.

No Brasil, porém, a cúpula do Judiciário não hesitou em limitar os poderes do chefe do Executivo. Desde o início da pandemia, foram ao menos 32 decisões tomadas a contragosto do governo.

O Supremo decidiu, entre outras coisas, que estados e municípios têm autonomia para regulamentar o isolamento social, fortalecendo a atuação dos entes da Federação frente ao governo federal.

Os ministros também não evitaram embates públicos com o Executivo.

Em julho, Gilmar protagonizou um duro confronto com o governo ao afirmar que o Exército Brasileiro estava se associando a um genocídio por causa da presença do ministro interino, Eduardo Pazuello, que é general, e de outros assessores militares no Ministério da Saúde, responsável por enfrentar a pandemia.

A reação de Bolsonaro, porém, não foi de partir para o enfrentamento e, além de não rebater o ministro, ainda trabalhou nos bastidores para acalmar os ânimos, obrigando Pazuello a ligar para Gilmar.

Interlocutores do chefe do Executivo consideraram o episódio um teste para o novo estilo do presidente.

Os aliados, porém, apontam que houve um motivo a mais para a calmaria do chefe do Executivo: Gilmar é relator da ação em que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) pede ao STF para ter direito a foro especial. E, como já é o responsável por este caso, o ministro deve ser automaticamente o relator de outros pedidos da defesa do congressista.

O ministro Alexandre de Moraes é outro ator importante na relação entre os Poderes e que também manteve a mesmo postura após a inflexão de Bolsonaro.

Ele é relator do inquérito das fake news e não recuou após os ataques de aliados do presidente à investigação, que enfrenta críticas jurídicas por ter sido iniciada de ofício pelo STF, ou seja, sem provocação da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Em 27 de maio, o ministro determinou 29 mandados de busca e apreensão e adotou outras medidas contra congressistas, empresários e blogueiros ligados ao presidente. Além disso, mandou tirar do ar as redes sociais de diversos apoiadores de Bolsonaro.

A ordem para retirada de 16 contas bolsonaristas não foi cumprida pelo Twitter e pelo Facebook, que alegaram que o ministro não havia indicado o endereço exato das contas, mas o ministro não desistiu.

Dois meses depois, ele reforçou a decisão, que, então foi cumprida. Na ocasião, o secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Fábio Wajngarten, criticou o despacho do ministro, que classificou como censura.

Os apoiadores do presidente tentaram driblar a decisão de Moraes e mudaram as configurações de localização para outros países e continuaram publicando nas redes sociais.

Moraes insistiu e afirmou que houve cumprimento parcial da decisão, pois a exclusão das contas deveria ocorrer independentemente do acesso se dar por qualquer meio ou qualquer IP, seja no Brasil, seja fora do país.

As empresas Twitter e Facebook emitiram nota para criticar a decisão, mas o ministro não voltou atrás.

Neste caso, Bolsonaro também mudou de estratégia. Ele trocou o desgaste dos ataques por meio da imprensa por um protesto pelas vias legais por meio de uma ação apresentada ao Supremo.

Quando o ministro suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal, o presidente acusou Moraes de tomar uma decisão política e insinuou que ele chegou ao STF por ser amigo do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Outro ponto de tensão da relação entre governo e Supremo, o inquérito dos atos antidemocráticos, que apura manifestações pelo fechamento do Congresso e do STF que contaram com a presença de Bolsonaro, também segue avançando.

Foi neste processo que o STF desarticulou o grupo extremista "300 pelo Brasil", com a prisão da líder do movimento, Sara Giromini, que usa o nome Sara Winter.

​Reveses de Bolsonaro no STF

Prorrogação de MPs (27.mar)
Alexandre de Moraes nega pedido do Palácio do Planalto para ampliar a vigência de medidas provisórias durante a pandemia. O governo pediu para o STF determinar a suspensão por 30 dias da contagem de prazo das MPs, mas o ministro afirmou que não há previsão na Constituição.

Proibição de campanha (31.mar)
O ministro Luís Roberto Barroso veta a circulação da campanha "O Brasil não pode parar", do governo federal, que estimulava a volta à normalidade. Segundo Barroso, iniciativas contra o isolamento colocariam a vida da população em risco. O ministro proibiu ainda qualquer propaganda que minimize a gravidade da crise.

Autonomia de estados e municípios (15.abr)
O STF decide por unanimidade que estados e municípios têm autonomia para determinar o isolamento social em meio à pandemia do coronavírus. A maioria permitiu ainda que os entes da federação decidam quais são os serviços essenciais que podem funcionar durante a crise.

No dia anterior, a AGU (Advocacia-Geral da União) havia recorrido de uma decisão de Alexandre de Moraes. Nela, o ministro preservava a competência de governadores e prefeitos para determinar o isolamento social, independentemente de posterior ato de Bolsonaro no sentido contrário.

Nomeação suspensa (29.abr)
Moraes suspende a nomeação de Alexandre Ramagem para a diretoria-geral da Polícia Federal.
A decisão do ministro se baseou, principalmente, nas afirmações de Bolsonaro de que pretendia usar a PF, um órgão de investigação, como produtor de informações para suas tomadas de decisão.

Lei de acesso à informação (30.abr)
O tribunal derruba medida provisória editada pelo governo Jair Bolsonaro que restringia a LAI. O decreto havia suspendido prazos de pedidos de informações a órgãos públicos nos casos em que o setor demandado estivesse "prioritariamente envolvido com as medidas de enfrentamento" à doença.

MP para proteger agentes públicos (21.mai)
O tribunal decide que a medida provisória do presidente Bolsonaro para proteger agentes públicos de responsabilização durante a pandemia não pode servir para blindar atos administrativos contrários a recomendações médicas e científicas.

Os ministros mantiveram a previsão de que gestores públicos só devem responder nas esferas civil e administrativa da Justiça quando "agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro", como previa a MP editada pelo presidente.

No entanto, os magistrados definiram que, na aplicação dessa norma, devem ser incluídos no conceito de erro grosseiro medidas que não observem normas e critérios técnicos estabelecidos por autoridades sanitárias e organização de saúde do Brasil e do mundo.

Medidas contra Covid-19 entre indígenas (5.ago)
O STF decide por unanimidade referendar a decisão do ministro Luís Roberto Barroso de obrigar o governo Jair Bolsonaro a adotar diversas medidas para conter o avanço do novo coronavírus na população indígena.

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