Brasil teve 'ações armadas', não 'luta armada', diz historiador e ex-militante

Daniel Aarão Reis participou, ao lado de jornalistas, de debate sobre o papel da luta armada no regime

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São Paulo

Na década de 1960, Daniel Aarão Reis integrava o comando da Dissidência Universitária da Guanabara, que idealizou o sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick para libertar presos políticos.

"Sem querer minimizar, mas é importante sublinhar que no Brasil vivemos um conjunto de ações armadas. Luta armada foi Vietnã, Cuba, China", disse, em sua fala de abertura no ciclo de debates "Na Janela: O que Foi a Ditadura", promovido pela Folha em parceria com a Companhia das Letras.

O professor de história da UFF (Universidade Federal Fluminense) participou da mesa "Luta Armada e Repressão", transmitida na quinta-feira (6), ao lado dos jornalistas Juliana Dal Piva e Mário Magalhães, com mediação do repórter especial da Folha, Naief Haddad.


Veja o vídeo do debate abaixo.


arão Reis lembrou que uma parte da esquerda que lutava por mudanças de base antes de 1964 já estava desesperançada de que seria possível fazer, por meio pacífico, a reforma agrária, defendida pelo governo deposto de João Goulart. “A ditadura foi a confirmação da inviabilidade da luta pacífica”, analisou.

Preso e torturado pelo regime, o historiador afirma que “a ditadura nunca foi envergonhada, sempre foi violenta”.

O jornalista Mário Magalhães afirmou que “a tradição do Estado brasileiro” de perseguir e torturar, prender e matar é muito mais antiga que a ditadura. O regime teria usado instrumentos de tortura herdados do tempo da escravidão, como o pau-de-arara.

Autor do livro “Marighella”, Magalhães disse que em 1975 a guerrilha cessou suas ações após ser desbaratada pela ditadura. Ainda assim, foi o ano em que muitos militantes do Partido Comunista foram assassinados, vários que eram contrários à luta armada.

A jornalista Juliana Dal Piva, que finaliza um livro sobre um centro clandestino de tortura do regime localizado em Petrópolis (RJ), conhecido como Casa da Morte, contou um pouco sobre as descobertas feitas ao longo de sua pesquisa.

“Encontrei relações entre militares que atuaram dentro da casa desde quando integravam um movimento anticomunista chamado MAC, nos anos 60, muito antes do golpe. Eles se organizaram em grupos com a sociedade civil para caçar comunistas”, disse.

O coronel Paulo Malhães (1938-2014) foi quem ajudou a montar o centro de Petrópolis, conta Dal Piva. Meses antes de sua morte, ele deu um depoimento à Comissão Nacional da Verdade, no qual reconheceu envolvimento em torturas, mortes e ocultação de corpos na ditadura, e detalhou como os corpos eram lançados no rio e dilacerados para evitar a identificação. “Tinha todo um método para fazer desaparecer os corpos, não era uma crueldade espontânea, era técnica”, afirmou Dal Piva.

Mário Magalhães chamou a atenção para o fato de que a legislação não autorizava ninguém, nem mesmo órgãos do Estado, a sequestrar, torturar e executar. “Teve pena de morte durante um período, mas também isso deveria passar por um processo legal”, completou Dal Piva.

Os três convidados fizeram críticas à Lei da Anistia. Promulgada em 1979 pelo último presidente da ditadura, o general João Figueiredo (1918-99), concedeu anistia “a todos quantos [...] cometeram crimes políticos ou conexos com estes” de 1961 a 1979. “Não esqueçamos que os torturadores foram absolvidos porque predominou, em escala social, o esquecimento”, afirmou Aarão Reis. Para o historiador, o modelo econômico violento da ditadura permanece nos dias atuais.

“Apesar dos avanços, a democracia continua sendo excludente e violenta. Na pandemia, milhares de pessoas estão morrendo muito mais do que outras porque não têm as mínimas condições de vida. É legado da ditadura para construir uma sociedade excludente a serviço de uma classe social”, disse.

Os debates continuam nesta terça (11) com a mesa “Militância Negra nos Anos de Chumbo". A repórter especial Fernanda Mena recebe três sociólogos: Mário Medeiros, especializado em literatura e sociedade, Flavia Rios, que estuda relações raciais e de gênero, ditadura militar e democracia, e Paulo César Ramos, coordenador do Projeto Reconexão Periferias da Fundação Perseu Abramo.

Os debates acontecem às 17h, em formato virtual, e podem ser vistos no canal do youtube da Companhia das Letras ou na home da Folha.

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