Dizer que 1964 não foi golpe é uma farsa, dizem palestrantes

Ciclo de debate sobre ditadura reuniu especialistas para discutir a tomada de poder pelos militares

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São Paulo

Dizer que a tomada de poder pelos militares, em 1964, não foi golpe é uma mentira. As tentativas de reescrever a história e as articulações políticas e civis que culminaram com a queda de João Goulart (1919 - 1976) foram tema do segundo dia de debate da série "Na Janela: O que Foi a Ditadura", realizada pela Folha em parceria com a Companhia das Letras.

A transmissão, feita nesta terça (6), teve participação da historiadora Heloísa Starling e do jornalista Lira Neto, com mediação do colunista do jornal Bruno Boghossian.

"Uma coisa é dizer que o golpe militar foi bom, é uma versão. Outra coisa é dizer que não teve golpe, isso é usar mentira na história, é uma farsa", diz Starling. "A única verdade que historiador tem que considerar é a verdade factual. Temos que diferenciar das interpretações."


Veja vídeo do debate abaixo.


A princípio, o golpe não se assume e o regime mantém determinados ritos de uma sociedade democrática —mesmo que só como fachada e sem efetividade na prática, como explica Lira Neto.

"No Congresso, você começa a caçar a cidadania, há uma eleição indireta para formar um Congresso depurado", complementa Starling, antes de continuar, "e você ainda tem ações de repressão direta nas ruas".

Mas, para entender o golpe, é preciso voltar alguns anos. Lira Neto cita três bandeiras que foram evocadas após o suicídio de Getúlio Vargas (1882 - 1954). Primeiro, o moralismo seletivo contra a corrupção, ou seja, a satanização da política, que passa a ser vista "como um pântano onde nada de bom floresce". Somado a esta descrença, há um nacionalismo exacerbado. E, por fim, o discurso do medo do comunismo.

"Isso dá a liga perfeita e eficaz. Os militares e os empresários souberam aproveitar e fazer com que esse esse discurso legitimasse o uso de força", analisa Lira.

Herdeiro da política progressista de Getúlio Vargas, João Goulart teve um governo dividido por conta de sua agenda reformista, que mirava a questão agrária. Mas ser reformista é diferente de ser um comunista que planejava um outro golpe à esquerda, ressaltam Lira e Starling. .

"Você precisa eleger inimigos, alguém que seja o opositor para que você atraia a adesão de outros e isso os militares sempre fizeram", analisa Starling. Um levantamento feito pela historiadora mostra que os militares planejaram 14 golpes de estado entre a instauração da República e 1964.

E, adiciona Lita Neto, ao longo do período republicano, o exército sempre se colocou na posição de poder moderador. "Sempre que civis se viam em dificuldade de gerir crises, eles se apresentavam como os salvadores da pátria."

É unanimidade entre a dupla que a satanização da política voltou com força no mundo contemporâneo. "O Bolsonaro tripudiando a política, dizendo que não há mais necessidade de mediador entre o chefe da Nação e o povo, é um discurso típico populista", dá como o exemplo Lira Neto. "Há a ideia de fazer governo corpo a corpo com o eleitorado, como no famoso cercadinho de Brasília."

Mas uma diferença, analisa Starling, é que quando olhamos para trás vemos que havia (para o bem ou para o mal) um plano de governo. "Hoje as instituições estão sendo corroídas por dentro. Seja por meio de gestores medíocres, que deixam as instituição se desmancharem, seja a partir de um conjunto de medidas que você vai testando na sociedade", diz.

A série "Na Janela: O que Foi a Ditadura" continua nesta quinta (6), com a mesa “Luta Armada e Repressão”. O debate recebe o s jornalistas Juliana Dal Piva e Mário Magalhães, autor do livro “Marighella", e o especialista em história das revoluções socialistas no século 20 no Brasil, Daniel Aarão Reis. O repórter especial Naief Haddad faz a mediação.

Na póxima semana, no dia 10 de agosto, a mesa “ Segredos e Silêncios” vai abordar a ocultação de documentos, os protestos de oficiais e a violência contra indígenas durante o período. O repórter especial Fábio Zanini vai mediar a conversa entre a historiadora Maud Chirio e os jornalistas Lucas Figueiredo e Rubens Valente.

Os debates acontecem às 17h, em formato virtual, e podem ser vistos no canal do youtube da Companhia das Letras ou na home da Folha.

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