Na cola de tucanos, juiz usa bagagem pessoal para liderar 'Lava Jato eleitoral' em SP

Marco Antonio Vargas já atuou em diferentes casos polêmicos de campanhas e fez pesquisa acadêmica crítica aos partidos

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São Paulo

Na disputa pelo segundo turno à Prefeitura de São Paulo em 2008, um juiz se destacou no noticiário por decisões como a que impediu a candidata Marta Suplicy (à época no PT) de questionar no horário eleitoral se o adversário Gilberto Kassab (então no DEM) era casado ou tinha filhos.

O magistrado, Marco Antonio Martin Vargas, era o titular da 1ª Zona Eleitoral da capital paulista. Durante a mesma eleição, multou Kassab, que era o prefeito e concorria à reeleição, em R$ 42 mil por utilizar em sua campanha um servidor público durante o horário de expediente.

Em 2020, Vargas volta à mesma zona eleitoral, desta vez responsável por processos que lidam com acusações muito mais graves. Seu gabinete lida com aproximadamente 30 inquéritos que compõem o braço eleitoral da Lava Jato, que envolve suspeitas de irregularidades da elite política de São Paulo.

No último mês, o juiz acolheu denúncias do Ministério Público de São Paulo e tornou réus o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o presidente da Fiesp (federação de indústrias do estado), Paulo Skaf (MDB).

Também foi ele quem autorizou as buscas e apreensões da Polícia Federal nos gabinetes e em endereços ligados ao senador José Serra (PSDB) e ao deputado Paulinho da Força (Solidariedade) —a ação sobre o tucano acabou barrada pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli.

Homem inclinado sobre mesa assina documento
O juiz Marco Antonio Martin Vargas, hoje à frente da 'Lava Jato Eleitoral', na inauguração de vara especializada pelo TJ-SP, em São Paulo, em 2019 - Paulo Santana - 27.nov.19/Divulgação TJ-SP

Defensor histórico da Lei da Ficha Limpa, crítico recorrente do uso de caixa dois eleitoral por políticos e da oligarquização dos partidos, Vargas, paulistano de 56 anos, tem participação ativa tanto no dia a dia da Justiça Eleitoral paulista como nas discussões acadêmicas a respeito de eleições.

Além de titular da 1ª Zona de 2007 a 2008, ele foi assessor da presidência do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo de 2009 a 2013 e de 2015 a 2016. Nesse período, o órgão teve quatro presidentes: Walter de Almeida Guilherme, Alceu Penteado Navarro, Antonio Carlos Mathias Coltro e Mário Devienne Ferraz.

Essa bagagem o cacifou para a vara que toca a Lava Jato em um momento em que o andamento célere dos casos é visto como uma questão de honra para a Justiça Eleitoral.

Quando o Supremo definiu em 2019 que investigações de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro deveriam ir para a Justiça Eleitoral quando há conexões com crimes eleitorais, procuradores e apoiadores da Lava Jato criticavam a estrutura desse braço do Judiciário para levar adiante apurações de fôlego.

Os juízes eleitorais são "emprestados" de suas funções nos Tribunais de Justiça e designados por períodos de dois anos para seus postos.

No caso de Vargas, ele é atualmente o titular da 1ª Vara de Crimes Tributários, que julga crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa no Tribunal de Justiça de São Paulo —temas similares aos apurados na Lava Jato.

O próprio TRE informou em março que o escolheu para o posto por causa de sua "ampla experiência". Foi o único dos magistrados eleitorais a não ser indicado por critérios de ineditismo (preferência a quem não exerceu função eleitoral) e antiguidade.

Em São Paulo, a 1ª Zona Eleitoral também é uma das mais relevantes desse braço do Judiciário no estado. O TRE já definiu que ela será responsável por funções cruciais nas eleições municipais deste ano, como registro e impugnação de candidaturas, totalização dos votos, diplomação ou cassação dos eleitos, apurações por compra de votos e investigações judiciais eleitorais.

Além de experiência em julgamentos, Vargas tem se aprofundado academicamente em temas que envolvem hierarquia e funcionamento partidários.

Em sua dissertação de mestrado apresentada na Universidade Mackenzie em agosto de 2018, destrinchou a estrutura interna de decisão dos partidos e defendeu maior democratização para barrar a excessiva centralização de decisões e evitar aumento da "crise de confiança" da população em relação às legendas.

Em um dos capítulos, estuda especificamente os estatutos de três partidos: PSDB, PT e Novo. O PSDB, principal alvo de suas decisões até aqui na Lava Jato, é incluído no conceito teórico de "partido de quadros", em oposição ao conceito de "partido de massas".

Em um trecho, diz que a população se acostumou com a falta de estímulo a mudanças no campo político do país. "Mas, com os fatos ocorridos recentemente, diga-se de passagem, casos de corrupções milionárias, fizeram com que os indivíduos se despertassem de uma situação cômoda que perdurou de gerações em gerações."

Em seu currículo na plataforma Lattes, o magistrado informa cursar doutorado na Universidade de Salamanca (Espanha), na qual estuda a responsabilidade dos partidos diante das fake news.

Nas decisões recentes que envolveram Alckmin e Serra, ambos ex-governadores e caciques do PSDB nacional, ele expediu decisões rigorosas.

No despacho que tornou Alckmin réu, disse que a denúncia do Ministério Público apontava um conjunto de indícios “capaz de reforçar a convicção sobre o envolvimento dos denunciados no complexo esquema de solicitação e recebimento de vantagens indevidas”.

Ao Supremo afirmou que autorizou a busca no gabinete de Serra porque havia "fundada suspeita de presença de informações" ligadas a um eventual caixa dois nas eleições de 2014, quando o tucano se elegeu senador.

Serra criticou a iniciativa de pedir buscas em endereços dele para recolher documentos de fatos ocorridos seis anos atrás. A ordem de recolher documentos no gabinete do tucano no Senado acabou mobilizando o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o ministro Dias Toffoli, que barrou essa busca.

Depois, no último dia 29, Toffoli acatou um pedido da defesa de Serra e suspendeu toda a operação contra o senador. Os advogados diziam que a ação tinha “o real propósito” de investigar supostos crimes cometidos pelo tucano em sua atuação como senador, e que isso invadiria o foro especial.

Serra e Alckmin negam ter cometido qualquer irregularidade, assim como Skaf e Paulinho da Força.

Vargas não escapou de decisões polêmicas em sua carreira, como ao multar em 2008 a Editora Abril, responsável pela revista Veja, por publicar entrevista com Kassab considerada como "propaganda eleitoral antecipada".

No campo criminal, ele atuou nos anos 2000 na prisão do cirurgião plástico Farah Jorge Farah, que esquartejou uma mulher em São Paulo. Procurado, Vargas não aceitou conceder entrevista à reportagem.

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