Herdeiros políticos de Arraes, primos travam duelo familiar e dividem esquerda no Recife

Bisneto e neta de ex-governador, João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) devem se enfrentar em disputa pela prefeitura

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Recife

Frutos da mesma árvore genealógica, os deputados federais João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT), respectivamente bisneto e neta do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes (1916-2005), devem travar um intenso duelo na disputa pela Prefeitura do Recife.

Primos de segundo grau, João e Marília cresceram na escola do PSB, com simbolismo histórico no estado, mas desde 2014 estão em lados opostos.

Em 2004, Miguel Arraes, então deputado federal, e Eduardo Campos como ministro da Ciência e Tecnologia, na sede do PSB, em Brasília
Em 2004, Miguel Arraes, então deputado federal, e Eduardo Campos como ministro da Ciência e Tecnologia, na sede do PSB, em Brasília - Lula Marques/Folhapress

O provável embate no ninho da família mais tradicional da vida política pernambucana divide o eleitorado da esquerda.

Adversários posicionados na direita e na centro-direita enxergam no confronto uma maneira de aproveitar os ataques mútuos para correrem por fora.

Marília deixou o PSB após ser bloqueada nas suas pretensões políticas dentro do partido pelo primo e pai de João, o ex-governador Eduardo Campos (1965-2014), morto em acidente aéreo na campanha presidencial de 2014.

Ela migrou oficialmente para o PT em 2016 na tentativa de se viabilizar em projetos majoritários.

Nas eleições de 2018, João Campos e Marília Arraes chegaram à Câmara dos Deputados como os dois mais votados do estado.

João, que fez toda sua campanha se autointitulando “o filho da esperança”, com menções a Eduardo Campos e Miguel Arraes, obteve 460.387 votos. Marília, 193.108.

O deputado contou com o apoio intenso do governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), e do prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB).

O espólio eleitoral familiar fez com que ele conseguisse a maior votação da história de Pernambuco. Superou, inclusive, o seu bisavô Miguel Arraes, que, em 1990, teve 339.158 votos.

​Desde que rompeu com a família Campos, Marília Arraes, única mulher entre 25 parlamentares da bancada federal do estado, personificou de maneira contundente a oposição ao PSB em Pernambuco.

Acusou Eduardo Campos de controlar o partido com mão de ferro, desrespeitar a democracia interna da sigla e escolher "candidatos biônicos" para disputar eleições.

Antes do rompimento, era uma aguerrida defensora da gestão do PSB. Pelo partido, se elegeu pela primeira vez vereadora do Recife em 2008, quando Campos já era governador de Pernambuco.

Em 2013, chegou a ocupar a Secretaria de Juventude e Qualificação Profissional na primeira gestão de Geraldo Julio (PSB), que era o apadrinhado político de Eduardo Campos.

O rompimento com o PSB começou a se desenhar mais claramente no início de 2014, ano em que Eduardo se lançou candidato à Presidência da República.

Marília demonstrou descontentamento quando o primo quis emplacar o filho João Campos no comando da Juventude do PSB em Pernambuco, cargo com assento na executiva do partido.

“Existe uma articulação maior para que outro jovem (João Campos), sem envolvimento na juventude partidária, assuma o posto de secretário estadual da JSB-PE”, criticou Marília em carta aberta. ​

Dois dias depois, João anunciou a desistência da vaga alegando que iria se dedicar aos estudos.

Logo em seguida, nas eleições de 2014, Eduardo brecou diretamente os objetivos eleitorais da prima, que esperava herdar os votos da tia Ana Arraes, que havia se tornado ministra do TCU (Tribunal de Contas da União) após forte campanha do filho governador.

Os 387 mil votos recebidos por Ana na eleição de 2010, que a tornou a deputada mais votada em Pernambuco e a quinta no Brasil, foram estrategicamente repartidos. Marília ficou de fora.

Os principais beneficiados foram os mais próximos de Campos: os deputados federais Tadeu Alencar (PSB), que é sogro da filha de Eduardo, e Felipe Carreras (PSB), que, na época, era casado com uma sobrinha do socialista.

No segundo turno das eleições presidenciais de 2014, João Campos, ao lado da mãe, Renata Campos, apoiou o candidato Aécio Neves (PSDB).

Marília, que ainda não havia se filiado ao PT, preferiu ficar já no primeiro turno ao lado da petista Dilma Rousseff. Em Pernambuco, fez campanha para Armando Monteiro (PTB), adversário de Paulo Câmara (PSB).

Dois anos depois, já filiada ao PT, Marília se reelegeu vereadora do Recife. A disputa com o PSB pernambucano ficou ainda mais acirrada quando a sigla decidiu encampar o impeachment da ex-presidente Dilma.

Em 2018, após ser estimulada pelo ex-presidente Lula, sonhava em disputar o Governo de Pernambuco contra Paulo Câmara.

Foi até aonde poderia ir. Conseguiu o apoio do diretório estadual, mas uma intervenção nacional após costura entre PT e PSB, feita pelo próprio Lula para isolar a candidatura de Ciro Gomes (PDT) no plano nacional, a retirou da disputa.

Neste ano, a situação é inversa. Marília conseguiu o apoio da nacional, mas os diretórios municipal e estadual, capitaneados pela senador Humberto Costa, maior liderança petista no estado, votaram pela aliança com o PSB.

Nos últimos dias, Marília, em um gesto estratégico para demonstrar que pretende unir o partido, comunicou que gostaria que Humberto Costa fosse o coordenador de sua campanha no Recife.

Ouvido pela Folha na semana passada, o senador petista, que se reelegeu na chapa encabeçada pelo PSB ao lado de Jarbas Vasconcelos (MDB), criticou a postura adotada pela deputada.

De acordo com o político, ela tem apenas um projeto pessoal e não constrói nada coletivamente. O senador diz que Marília acha que tem uma carta branca do PT nacional e que, se a sigla realmente mantiver a candidatura dela, a militância não terá "amor à causa".

“Desde que foi escolhida, nunca conversou com ninguém e colocou um grupo para fazer programa de governo sem debater com o PT”, critica.

De acordo com ele, a linha de campanha que Marília prioriza é bater no PSB. A ala aliancista do PT ressalta que a relação entre os dois partidos é importante para as eleições de 2022.

Na disputa deste ano, há ainda um grande incômodo familiar a ser administrado pelo PSB. Trata-se de Antônio Campos, único irmão de Eduardo Campos, presidente da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco), órgão ligado ao MEC (Ministério da Educação), sob a gestão Jair Bolsonaro.

Logo após a morte de Eduardo Campos, em agosto de 2014, Tonca, como é mais conhecido, rompeu com a viúva do ex-governador, Renata.

No fim do ano passado, um episódio ocorrido na Câmara expôs a briga familiar nacionalmente. Após receber críticas de João Campos, durante audiência na Câmara, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, lembrou que o tio do parlamentar trabalhava com ele no MEC.

No mesmo momento, João disse que não tinha relação com Antônio Campos e destacou que ele era um “sujeito pior” do que o ministro. A declaração foi reprovada publicamente pela avó do deputado, a ministra do TCU (Tribunal de Contas da União) Ana Arraes.

Em nota após o episódio, Antônio Campos disse que João havia “sido nutrido na mamadeira da Odebrecht”, a principal construtora apontada pela Lava Jato como integrante de financiamento ilegal de campanhas políticas.

O PT em Pernambuco ocupa cargos no primeiro escalão dos governos Paulo Câmara e Geraldo Julio.

Ouvido pela Folha, João Campos disse que não existe uma disputa familiar no Recife. “Isso para mim é muito claro. O que existe são pré-candidaturas, o desejo de postulações de partidos diferentes”, avaliou.

O deputado destacou que o PSB tem uma boa relação com o PT e lembrou que os diretórios municipal e estadual apoiam a aliança. “Mas existe um problema interno do PT. Eles que têm que resolver. Eu não tenho nada com isso”, ressaltou.

Procurada pela Folha, Marília não quis falar. Até o momento, ela tem o apoio do PSOL para a disputa. O arco de alianças que João Campos costura envolve partidos como o PC do B, Avante, PV, PROS, PP, Republicanos, MDB, Rede e PSD.

Outros pré-candidatos no Recife são Daniel Coelho (Cidadania), Mendonça Filho (DEM), Patrícia Domingos (Podemos) e Túlio Gadêlha (PDT).

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