Centrais no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, secretários de saúde em cidades de diferentes regiões do país decidiram deixar o cargo para disputar prefeituras, seja para dar continuidade às atuais gestões ou para fazer oposição aos prefeitos que buscam a reeleição.
Um exemplo ocorre em Bento Gonçalves, cidade de cerca de 120 mil habitantes na Serra Gaúcha. Lá o ex-secretário de saúde Diogo Siqueira, 40, do PSDB, deixou o cargo no início de junho para iniciar a pré-campanha como sucessor do atual prefeito, Guilherme Pasin (PP).
Secretários que desejavam disputar as eleições precisaram deixar seus cargos até quatro meses da data das eleições. O primeiro turno está marcado para o dia 15 de novembro.
Dentista de formação, Siqueira foi prefeito por dois mandatos da cidade vizinha de Santa Tereza. Ele diz que os resultados obtidos no enfrentamento à pandemia na cidade, que até 20 de agosto tinha mais de 2.6 mil casos e 97 mortes, com poucos registros novos, foram determinantes em sua escolha para suceder Pasin.
“A gente conseguiu reestruturar todo o setor público e privado da saúde”, diz, acrescentando que no município foi construída uma ala hospitalar para tratamento da Covid-19, obra que recebeu doações dos moradores.
Siqueira afirma que o mote da campanha será a biopolítica, com a questão da saúde e todas as situações ligadas à área como foco. Para o presidente do PSDB no Rio Grande do Sul, o deputado estadual Mateus Wesp, o crescimento de candidatos com perfil ligado à saúde é um movimento natural diante da pandemia.
Em Santos, no litoral paulista, o PSDB ainda não definiu o nome para suceder o tucano Paulo Alexandre Barbosa na prefeitura. Cotado para a disputa, o secretário da saúde Fábio Ferraz decidiu permanecer na pasta e disse à Folha que em nenhum momento cogitou se afastar da função por seu envolvimento no enfrentamento ao coronavírus.
Apesar disso, a cidade pode ter outros nomes ligados à saúde. O Republicanos estuda o nome do provedor local da Santa Casa, Ariovaldo Feliciano, e o PDT o do médico infectologista Márcio Aurélio Soares.
Em Jaboticabal, cidade de 77 mil habitantes na região metropolitana de Ribeirão Preto, o ex-secretário de saúde João Roberto, 56, é a aposta do DEM para suceder o prefeito João Carlos Hori (Cidadania).
Farmacêutico e professor do Centro Paula Souza, ele disputou a prefeitura em 2009 e foi vereador de 2013 a 2016 pelo PT, mas diz que optou deixar o partido, que faz oposição a Hori, para assumir a pasta da saúde em fevereiro de 2019, já com planos de disputar a prefeitura novamente.
A pandemia fez com que o processo de organização para deixar o cargo começasse em março, diz, afirmando que a situação na cidade, que tinha até esta última semana 467 casos da doença e 27 mortes, está controlada.
“Não sei se a questão da pandemia vai ter mais espaço, mas vai ser mencionada, porque o que fizemos foi bem feito”, diz o pré-candidato.
Tanto ele quanto o ex-secretário de Bento Gonçalves dizem não temer acusações por deixarem o cargo no meio da pandemia, assim como o ex-secretário de saúde de Sergipe, Valberto de Oliveira Lima, que deixou o posto em maio para disputar a prefeitura de sua cidade de origem, Propriá.
O município de 29,6 mil habitantes fica a 96 km da capital, Aracaju, onde Lima reside e construiu a carreira como médico cirurgião e intensivista em hospitais. “Já exerci todas as atividades e funções que a profissão poderia me proporcionar. Só me falta a prefeitura para fechar esse ciclo”, diz.
Em 2012, trabalhou para eleger o filho vereador em Propriá. Em 2015, trocou o PT pelo Solidariedade para disputar a prefeitura no ano seguinte e, alegando não ter recebido apoio suficiente, neste ano trocou novamente de partido, se filiando ao MDB.
Lima tentará derrotar o prefeito e candidato à reeleição Iokanaan Santana (PL), que enfrenta uma CPI na Câmara após a divulgação de áudios, atribuídos a ele, relatando fraudes na administração pública.
Há também candidatos que decidiram deixar o posto antes do registro dos primeiros casos de Covid-19 no país e por outros motivos.
Em Rondônia, o cirurgião especializado no tratamento de traumas na região da face e maxilar Marco Vasques, 53, deixou a secretaria de saúde de Vilhena, de quase 100 mil habitantes, em meados 2019 para assumir o cargo de coordenador acadêmico de uma universidade.
Neste ano, no contexto da pandemia, foi procurado pelo DEM para ser o candidato da sigla em Cacoal, cidade de 85 mil habitantes, onde ele fez carreira profissional, ocupou o cargo de secretário-adjunto de saúde, gerenciou o hospital regional da cidade e em 2016, disputou a prefeitura, terminando em terceiro lugar.
Vasques diz que se estivesse no cargo no início da pandemia, não teria nenhum receio de deixar o cargo, porque deixou Vilhena preparada para enfrentar o cenário.
Em Cacoal, ele tentará impedir a reeleição da atual prefeita, Glaucione Rodrigues (MDB), a quem critica pela condução da pandemia. A mesma tarefa é assumida pelo médico dermatologista Umberto Joubert, 38, pré-candidato do DEM à prefeitura de Patos, cidade de 107 mil habitantes, no sertão da Paraíba.
Desde 2016, o município já teve quatro prefeitos. O eleito, Dinaldo Wanderley Filho (MDB), foi afastado em agosto de 2018 por suspeita de irregularidade em contratos de iluminação pública. O vice, Bonifácio Rocha, assumiu e renunciou em abril de 2019. A cidade passou a ser comandada pelo presidente da Câmara, Sales Júnior, que também deixou o cargo.
Foi na gestão dele que Joubert foi convidado para assumir a pasta da saúde. Quando a Câmara elegeu o vereador Ivanes Lacerda, também médico, para assumir a prefeitura em agosto de 2019, o secretário foi convidado a permanecer na gestão, que deixou em fevereiro, afirmando não ter autonomia para trabalhar.
A filiação e o convite para disputar o cargo vieram depois e ele diz não acha que será criticado por deixar o cargo, porque afirma ter se colocado à disposição para atender pessoas com suspeita de coronavírus na cidade, assim como a esposa.
“Se tivesse dentro da secretaria de saúde, talvez não tivesse feito 10% do que eu fiz”, afirma. O número de novos casos e mortes na cidade estava estável até o final desta semana, com um acumulado de mais de 3.4 mil casos e 79 mortes.
Assim como a segurança pública e o combate à corrupção estavam no centro do discurso eleitoral em 2018, o cientista político Eduardo Grin, professor da FGV, afirma que a saúde deve ter papel de destaque e candidaturas da área terão apelo eleitoral.
“Candidaturas desse espectro, se tem capacidade, experiência administrativa e visibilidade pública, tendem a dialogar com aquilo que está como prioridade na cabeça do eleitor, que quer respostas para a saúde pública”, diz.
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