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Entrada de Russomanno põe à prova tática de Bolsonaro para 2020

Presidente queria risco mínimo com apoios disfarçados, mas capital ensaia prévia contra Doria

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São Paulo

"Até onde sei, o presidente se pronunciou dizendo não apoiar ninguém para prefeituras. [...] Essa conduta não condiz com o que queremos para o Brasil."

A frase, tuitada nesta segunda (14) pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para desautorizar o uso da imagem do seu pai pelo candidato a prefeito de Boa Vista Antônio Nicoletti (PSL), resume bem a tática familiar de tentar influenciar a eleição de novembro com o mínimo de riscos.

O deputado federal Celso Russomanno, que disse querer ser candidato a prefeito de SP
O deputado federal Celso Russomanno, que disse querer ser candidato a prefeito de SP - Mathilde Missioneiro 19.dez.2019/Folhapress

Ela será posta à prova no Rio, onde há uma aliança mal disfarçada com o impopular prefeito Marcelo Crivella (Republicamos), mas principalmente São Paulo, no caso de ser para valer o lançamento da candidatura do deputado federal Celso Russomanno (também do Republicanos).

Tudo indica que é, tanto que o tuíte atrapalhou uma articulação do Planalto para que o PSL retirasse Joice Hasselmann da disputa em São Paulo e apoiasse Russomanno.

Até aqui, o eleitorado realmente bolsonarista está órfão na maior cidade do país, isso para não falar na faixa maior de frequência onde ele se encontra, conservadora.

Esse eleitor colocou João Doria e Bruno Covas, do PSDB, no comando da cidade em 2016 de forma consagradora. A votação de Bolsonaro em 2018 na capital mostrou o fôlego da onda.

O desgaste do presidente no poder reduziu o escopo nominalmente bolsonarista dessa fatia de votantes, mas é certo que quem o deixou não virou petista da noite para o dia.

Aliás, não virou adepto do PSOL, para ser mais preciso. Os primeiros movimentos indicam que Guilherme Boulos irá repetir o que fez Marcelo Freixo no Rio em 2016 e engolir o espaço do PT. Se terá gás para tentar ir ao segundo turno, essa é outra questão, mas o caminho é bem mais acidentado para o petista Jilmar Tatto.

Assim, o campo está aberto. Ex-aliada de Bolsonaro, Joice, se conseguir manter-se no jogo, não poderá usar a grife que a ajudou a chegar à Câmara dos Deputados. Um séquito de nanicos que se dizem bolsonaristas terá de lutar contra sua estatura antes de qualquer coisa.

Márcio França (PSB) está tentando operar uma mágica estranha, de reter o apoio que teve contra Doria na disputa para o governo estadual na cidade, quando o tucano surfou o voto BolsoDoria, ao mesmo tempo em que se apresenta como palatável para o mesmo bolsonarista que o rejeitou em 2018.

Andrea Matarazzo (PSD) é um conservador e fez acenos ao eleitorado bolsonarista, mas de forma bastante contida, refletindo talvez suas inclinações pessoais, mais próximas do antigo PSDB paulista do que do clã da Barra da Tijuca ora no poder.

Sobrou então o coringa Russomanno, que é visto como "cavalo paraguaio" nos meios políticos da capital, ou seja, aquele que sempre sai na frente e perde no final. Isso é incógnita agora, mas ele aparece enfim como o candidato de Bolsonaro.

Segundo estrategistas de algumas campanhas, isso não é necessariamente bom. A melhora da avaliação de Bolsonaro é geral no país, mas São Paulo sempre foi um foco de insatisfação mais agudo.

Mas parece certo, a essa altura ao menos, que não há ainda espaço para uma volta à dicotomia PSDB-PT (ou PSOL), que marcou a política paulistana após o ocaso do malufismo. Então há um mercado de centro-direita a ser explorado.

O papel mais complexo fica para aquele que é apontado como estruturalmente o favorito neste ponto da campanha, o prefeito Bruno Covas (PSDB). Em entrevista concedida domingo (13) à Folha, ele não se mostrou ostensivamente interessado em associar-se a esse eleitorado.

Parte disso se deve à sua origem na centro-esquerda partidária, mas também ao fato de que sua candidatura está inserida no projeto maior de Doria, que é buscar a Presidência em 2022.

Isso aglutinou PSDB, DEM e MDB, mas também partidos que são da base bolsonarista —a máxima de que a toda política é local nunca deve ser esquecida.

Russomanno estava nos planos de Covas até o fim, e poderia ter indicado o vice na chapa do tucano. Agora, colado à figura de Bolsonaro, que estimulou sua candidatura, traz um indisfarçável sabor de prévia para o embate de 2022.

Naturalmente, como o próprio prefeito disse, em última instância o eleitor municipal quer saber de buraco de rua. Mas não é possível ignorar o caráter de uma disputa que vê a formação da tal frente anti-Bolsonaro de um lado e o representante do centrão defendendo, quem diria, o presidente, do outro.

Isso, mais do que qualquer tuíte disfarçando mal a tática, é o que pode azedar a tentativa de Bolsonaro de buscar jogar sem se arriscar.

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