A candidatura da tenente-coronel Andréa Firmo à vaga de vice na chapa do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) no Rio causou mal-estar na Organização das Nações Unidas e no Comando do Exército, que abriu apuração sobre o uso de símbolos militares na campanha.
O motivo é o primeiro santinho virtual da campanha, que já no domingo (27) circulava entre diplomatas do Departamento de Operações de Paz das Nações Unidas e oficiais do Exército.
Nele, Firmo aparece numa montagem entre Crivella e o presidente Jair Bolsonaro, apoiador do prefeito, usando o uniforme com o qual tornou-se a primeira mulher a comandar uma base de missão de paz da ONU.
De abril de 2018 a abril de 2019, Firmo chefiou uma base em Tifariti, no Saara Ocidental. Desde 1991, a ONU mantém uma missão de paz no antigo território espanhol que foi invadido pelo Marrocos em 1975, gerando uma guerra com a população local congelada após 19 mil mortos.
A Folha ouviu três integrantes do DPO, como é conhecido o departamento da ONU por sua sigla inglesa. Todos foram unânimes em condenar a associação entre o órgão e a política, e pode haver um protesto formal ao Brasil.
Uma dúvida entre eles sobre tal queixa é o fato de que a foto original, veiculada pela agência de notícias da ONU, teve removidos digitalmente o brasão da ONU da boina e a indicação do posto no Exército de Firmo do uniforme.
A imagem foi feita quando ela ocupava a função de comandante da base. Nela, Firmo está com uniforme camuflado e boina e lenços azuis, símbolos universais da ONU. O DPO informou que não iria se pronunciar sobre o caso por ora.
"Eu apenas segui a orientação da própria ONU, que na resolução 1325 incentiva o empoderamento feminino e a presença das mulheres na política. Quisemos veicular uma alusão à minha experiência com ações humanitárias, agora em prol das mulheres sofridas do Rio", disse Firmo, por telefone.
No Comando do Exército, houve desconforto entre generais. Segundo a Força, "de acordo com o Estatuto dos Militares, é proibido ao militar o uso dos uniformes em manifestação de caráter político-partidária".
"O caso em tela está sendo tratado, inicialmente, na esfera administrativa", disse o Centro de Comunicação Social do Exército, em nota. Pelo estatuto, ela pode sofrer repreensões ou perder benesses salariais.
A Força já tem de lidar com a óbvia associação que é feita com o governo Bolsonaro, no qual só no Palácio do Planalto há três generais de quatro estrelas da reserva.
Firmo ainda é uma oficial da ativa. Para ser candidata, ela está em licença e agregada ao Departamento-Geral do Pessoal, sem função militar. A lei exige isso para quem tem mais de dez anos na caserna, caso dela, que passou 24 de seus 51 anos na Força. Para quem tem menos, é obrigatório ir à reserva.
Ela não é filiada a partidos políticos, outro veto legal a militares, mas pode concorrer. Se for eleita, terá de deixar o serviço ativo.
"Aceitei essa candidatura para ajudar as mulheres. E temos tantas candidaturas militares no Brasil hoje porque não há exemplo maior de dedicação e amor à pátria", afirmou.
A oficial, que no Brasil trabalhou com refugiados venezuelanos na Operação Acolhida em Roraima, afirma que é preciso promover a imagem feminina. "O histórico [das mulheres] não é operacional na Força. Só agora temos mulheres sendo treinadas para tal na Academia Militar das Agulhas Negras."
O fato de que Firmo só aparece com o uniforme camuflado, sem insígnias, torna seu caso mais poroso, de acordo com militares ouvidos.
A associação entre fardados e a política preocupa a cúpula da Defesa brasileira desde a eleição de 2018, embora algo como uma mea culpa pela adesão em massa de altos oficiais ao governo Bolsonaro raramente seja ouvida em conversas.
O temor mais óbvio, expresso pelo então comandante do Exército Eduardo Villas Bôas à Folha depois da eleição do capitão reformado da Força Bolsonaro, é o de que a politização encontre um caminho inverso e entre nos quartéis, subvertendo a hierarquia.
Isso não impediu um sem-número de candidaturas que explicitam a origem militar, ou policial militar, desde então. Não é diferente agora: Andréa Firmo é, na propaganda de Crivella, a tenente-coronel Andréa Firmo.
Concorreu para isso também a pressão da cúpula, em especial o Alto Comando do Exército, para que não houvesse ministros ainda do serviço ativo. Assim, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) migrou para a reserva.
A regra, contudo, ainda não atingiu Eduardo Pazuello, que é um general de intendência de três estrelas à frente do Ministério da Saúde. Oficiais seguem se queixando do desgaste que isso traz à Força, em especial pelas polêmicas na condução da crise da pandemia.
Ministério Público recomenda impugnar chapa de Crivella
O Ministério Público Eleitoral recomendou ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio que a candidatura à reeleição do prefeito Marcelo Crivella seja impugnada.
O pedido baseia-se na decisão tomada pelo TRE na quinta passada (24), que tornou Crivella inelegível até 2026. No entanto, a candidatura só pode ser indeferida se ele for considerado culpado depois de todo o trâmite legal, que inclui a apresentação de defesa do prefeito e possível pedido de recurso.
Crivella é acusado de ter usado carros oficiais em evento para apoiar a candidatura do filho a deputado em 2018. Sua assessoria afirma que ele disputará amparado em liminares, se preciso.
Com UOL
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