Descrição de chapéu Eleições 2020

Grupos de renovação na política se adaptam para acolher e impulsionar diversidade

Movimentos sofreram pressões para abraçar bandeira e acreditam terem influenciado partidos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Hoje entusiastas da diversidade, movimentos de renovação política que ganharam protagonismo nos últimos anos tiveram que se adaptar para incorporar a pauta e ainda buscam maneiras para que a seleção de novos quadros inclua também uma variedade de perfis.

Se agora há o discurso de que suas políticas na área forçaram partidos a se mexer e a abrir caminho para mulheres, negros, moradores da periferia e LGBTs, no passado a temática da pluralidade ocupava um espaço lateral.

Grupos suprapartidários como RenovaBR, Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), Agora!, Acredito e Bancada Ativista, que se fortaleceram depois de 2016, adquiriram visibilidade inicialmente com a tônica de impulsionar a troca de nomes tradicionais do poder por novas caras.

Ao mesmo tempo, uma onda global de busca por igualdade nos campos de gênero, sexualidade, raça e classe social também se disseminou, com reflexos no debate público.

Com isso, o diagnóstico passou a ser o de que, mais do que pessoas preparadas e sem os chamados vícios da velha política, era preciso também ajudar a eleger gente fora do padrão dominante (de "homem, branco, hétero, rico", como gostam de repetir os que lutam contra esse modelo).

Participantes de encontro promovido pela organização RenovaBR no Recife (PE), com alunos do Nordeste que cogitam disputar eleições em 2020
Grupo de participantes do RenovaBR durante encontro promovido pela entidade no Recife (PE), com alunos do Nordeste interessados em disputar eleições - RenovaBR - 28.set.2019/Divulgação

"A nossa democracia deveria ser representativa, mas na prática ela não representa a população", diz o consultor e bacharel em sociologia política Danilo Lima, que coordenou de 2017 a 2019 a área de diversidade no RenovaBR, escola privada que capacita potenciais candidatos.

"De alguma maneira, os movimentos constrangeram os partidos a olhar para o tema", acrescenta ele, também militante negro. Na entidade, Lima trabalhava para que os selecionados do programa fossem diversos entre si e também tivessem condições igualitárias para frequentar as aulas, que são gratuitas.

O RenovaBR passou a se preocupar, por exemplo, com a oferta de transporte e hospedagem e de isenção de taxas para alunos sem dinheiro para as despesas.

Também já abriu a própria sede, em um prédio no Jardim Paulista (zona oeste de São Paulo), para que uma participante sem internet em casa pudesse assistir, no computador do escritório, às aulas de formação.

Na época do lançamento da iniciativa, em 2017, o empresário Eduardo Mufarej chegou a ser questionado sobre o tipo de renovação que propunha. Ele idealizou o RenovaBR com o apoio de outros endinheirados (sendo o mais famoso Luciano Huck, apresentador de TV e virtual candidato a presidente em 2022).

Diante da crítica de que seria um erro inserir na política novos rostos se esses novatos contribuíssem para perpertuar velhos estereótipos, seguiu-se um esforço para atender à pressão por mudanças. A seleção de um percentual mínimo de mulheres, por exemplo, passou a ser tratada como uma obrigação.

De 11% de alunas na turma de 2018, o percentual subiu para em torno de 30% já no ano seguinte. Na edição deste ano, com vistas às eleições municipais e 700 apadrinhados, as mulheres foram 35%. Além disso, segundo a escola, foram 45% de pretos, pardos e indígenas e 2% de pessoas com deficiência.

"Temos cada vez mais falado de representatividade, em vez de diversidade", diz a diretora-executiva da organização, Irina Bullara, endossando a tese de proporcionalidade na ocupação dos cargos eletivos em relação à população geral. "A política não deveria ser um lugar de poucos, mas, sim, de todos."

A questão feminina, para Irina, se mostra como urgente. "Somos 52% da população, mas nos partidos o ambiente é muito masculino. Temos trabalhado para incentivar mulheres a não desistir da candidatura, que é algo muito comum, em razão das pressões sociais e domésticas", completa.

Dos 17 alunos do RenovaBR eleitos em 2018, três eram mulheres: a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), a estadual Marina Helou (Rede-SP) e a federal Joenia Wapichana (Rede-RR), que é também a primeira mulher indígena eleita deputada federal da história do Brasil.

Criada em 2012, numa chave diferente, a Raps conecta políticos novatos e experientes, mas também ligou o alerta para escolher mais mulheres e eliminar vieses tidos como prejudiciais, como a alta concentração de inscritos do Sudeste, que acabavam sendo maioria entre os participantes.

"No processo seletivo, a entrevista é sempre feita por um homem e uma mulher, uma pessoa mais jovem e outra mais velha", afirma a cientista política Monica Sodré, diretora-executiva da entidade, sobre uma das medidas para promover igualdade de tratamento.

Monica considera o debate sobre a participação da mulher mais amadurecido do que o de outros grupos minorizados e diz que uma mudança de paradigma deve envolver estímulo à ocupação dos espaços de poder e convencimento das potenciais candidatas de que, de fato, têm capacidade para alcançá-los.

Das 162 pessoas que ingressaram na Raps nos processos seletivos de 2019 e 2020, 52% eram mulheres, 37% eram pretos, pardos ou indígenas e 88% têm filiação e são ligados a 24 partidos diferentes, segundo dados fornecidos pela entidade.

"Houve uma tomada de consciência sobre isso e os partidos foram obrigados a olhar para isso, em alguns casos até por força legal", diz Monica, referindo-se, por exemplo, à obrigação de que as legendas destinem no mínimo 30% das vagas em eleições majoritárias para candidatas mulheres e repassem a elas pelo menos 30% dos recursos do fundo eleitoral.

"Nossa sociedade é diversa. E, se os lugares que pensam a política, como as Câmaras Municipais e o Congresso Nacional, não são, esses espaços não estão pensando soluções para o maior número de pessoas possível", afirma a porta-voz da Raps.

Preocupações semelhantes aparecem na fala de representantes do Acredito (movimento de alcance nacional que tem como pilares a renovação política e o combate às desigualdades no Brasil) e do Agora! (plataforma de especialistas que formula políticas públicas para áreas como educação e saúde).

Para ambos, assim como para a Bancada Ativista (organização que lança candidaturas ligadas a direitos humanos e elegeu um mandato coletivo na Assembleia Legislativa de São Paulo), a diversidade sempre apareceu como um eixo fundamental, tanto na estrutura interna quanto na atuação em si.

Consultados pela Folha, todos os grupos se disseram envolvidos em iniciativas para favorecer candidaturas nas eleições de novembro que correspondam a esse ideal. Também é frequente entre eles a cobrança por abertura dos partidos políticos, vistos hoje como barreira a um avanço mais amplo.

No caso do Livres (movimento que prega o liberalismo na economia e nos costumes), a pauta da diversidade é tratada a partir de uma ótica menos ativista, sem buscar, por exemplo, integrantes cujo perfil represente determinado grupo. Também inexiste política de cotas, algo controverso entre os membros.

"A diversidade é uma bandeira liberal sob o ponto de vista da liberdade individual. Abrimos espaço para todos aqueles que queiram se somar a nós", diz o diretor-executivo da associação, Paulo Gontijo. A entidade também apoia candidatos a cargos eletivos identificados com o ideário liberal.

Para democratizar a participação, o Livres mantém um programa de inscrições beneficentes. Até 10% dos interessados que declaram não poder arcar com a mensalidade de R$ 24,90 são dispensados da taxa.

Também são celebrados internamente os percentuais de seguidores ligados a movimentos LGBT (em torno de 20%), de negros (30%) e de mulheres (30%). Uma das integrantes de destaque no conselho acadêmico do Livres é a economista Elena Landau, que já presidiu a associação.

Indiretamente, o Livres esteve ligado a uma conquista recente do movimento antirracismo no âmbito eleitoral. O advogado Irapuã Santana, que atuou no processo no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre divisão de recursos de campanha para negros, é também consultor jurídico da entidade.

Doutorando em direito processual e membro da ONG Educafro, ele representou a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) na ação em que a corte acabou por obrigar os partidos a destinarem dinheiro do fundo eleitoral de maneira proporcional à quantidade de candidatos negros e brancos, a partir de 2022.

Para Santana —que afirmou em artigo neste mês na Folha que "o racismo é suprapartidário"—, ajustes para buscar nivelar as armas de candidatos também têm salvaguarda no liberalismo, já que "a parte prejudicada precisa ter condições de igualdade para exercer a sua liberdade".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.