Impeachment é puramente político e terceiro turno da eleição, diz governador de SC

Para Carlos Moisés (PSL), processo contra ele abre precedente perigoso para democracia

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Porto Alegre

Eleito com 71% dos votos em 2018, o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), pode ter seu mandato interrompido pela metade. Ele é alvo de um processo de impeachment por, segundo a justificativa oficial, ter igualado o salário dos procuradores do Executivo ao do Legislativo.

“Temos convicção de que não tem justa causa. É puramente político, quase como um terceiro turno da eleição”, disse em entrevista à Folha.

Sua vice, Daniela Reinehr (sem partido), também pode ser afastada. Por isso, Moisés entende que não se trata apenas de seu afastamento, mas da derrubada do governo.

Acusado de ser “traidor de Bolsonaro” por sua personalidade mais moderada, Moisés enxerga um “precedente perigoso” caso o impeachment se confirme. “A vontade popular pode ser suprimida por simples vontade política ou por não ter maioria [na Assembleia] naquele momento”, disse.

Agora uma comissão mista será formada por cinco desembargadores do TJ (Tribunal de Justiça) escolhidos por sorteio e cinco deputados estaduais escolhidos por voto para elaborar um parecer sobre o impeachment.

Caso Moisés e sua vice sofram o impeachment ainda em 2020, são convocadas eleições diretas. Caso o processo se arraste até 2021, ocorrerá eleição indireta, com votação dos 40 deputados.

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Para o senhor, há outro motivo para o impeachment além daquele apresentado oficialmente? Temos convicção de que não tem justa causa. É puramente político, quase como um terceiro turno da eleição. Tivemos uma vitória acachapante em 2018, que nunca aconteceu na história de Santa Catarina, com 71,09% dos votos e uma chapa pura. [Isso] acabou tirando do processo político muitos que estavam galgando esse lugar. Os grupos se aproximaram e não tiveram espaço para indicar seus parceiros.

O primeiro escalão foi prioritariamente técnico, sem indicação política. Economizamos cerca de R$ 400 milhões em contratos nocivos ao erário público. Isso confrontou o interesse de muitos que se beneficiam desses contratos. Há indicações da PF de que há uma organização criminosa atuando no estado. Confrontamos esses grupos. Há um interesse político de derrubada do governo, tanto do governador como da vice.

Qual impacto disso na democracia? É quase um parlamentarismo velado. Um poder interfere no outro, podendo assumi-lo. Isso confronta os princípios constitucionais. Coloca em xeque o modelo [democrático] nacional ao abrir um precedente perigoso para todos os prefeitos do país, governadores e presidente.

A vontade popular pode ser suprimida por simples vontade política ou por não ter maioria [na Assembleia] naquele momento. Este é um ano de pandemia, que fragiliza o elo de todos. Acreditamos que houve aproveitamento deste momento de fragilidade para crescer esse movimento político na Assembleia. Essa virada de mesa vem em péssima hora, quando a sociedade, ao sair da pandemia, precisará se organizar para o crescimento econômico.

O senhor também é criticado pelo desempenho da gestão. Como enxerga isso? Há críticas de que o governo vai mal e não se comunica. Talvez não fale aquela linguagem antiga de troca de favores.

Recebemos o estado com um R$ 1,2 bilhão de déficit e entregamos o déficit saneado no final de 2019, com R$ 161 milhões superavitário. Aprovamos as contas com o menor número de ressalvas na década. A gestão financeira foi responsável. Em 2019, pagamos a conta que herdamos da saúde com R$ 750 milhões [em dívidas] e entramos em ano de pandemia com as contas saneada. Isso nos fez enfrentar a pandemia com a menor taxa de mortalidade do Brasil.

Temos números importantes, como a entrega serviços digitais aos contribuintes. Além da transparência, gerou economia. Eliminamos contratos de papel, de selos de correio, acabamos com processos físicos. Com isso, a economia foi de mais de R$ 40 milhões ao ano. Criamos aplicativos, escolhemos fornecedores por pregão eletrônico. Tiramos alguns contratos que eram extremamente nocivos.

Em 2018, o governo comprou oxigênio de uso medicinal e pagou R$ 24 milhões. Nós pagamos R$ 12 milhões no ano seguinte, tiramos um atravessador. Alguns desses contratos, como telefonia, reduzimos de R$ 980 mil para quase R$ 250 mil, um quarto do valor. Há contratos investigados pela PF na Operação Alcatraz com origem no sistema prisional. Só nesses contratos, devemos economizar R$ 10 milhões neste ano ainda.

O senhor menciona a Operação Alcatraz. Um dos investigados é o presidente da Assembleia, Julio Garcia (PSD). Ele tem interesse pessoal no impeachment? Talvez eu não tenha que responder. Ele deve responder pelos atos dele. O fato é que não é esse o caminho, criar uma discordância política para derrubar um governo. Imagine isso se espalhando para o país inteiro. Seja por interesse político ou pessoal, ao invés do caminho das urnas, o caminho do tapetão. É importante chamar atenção do Brasil para que isso não se consolide porque seria uma perda para a democracia é um precedente muito perigoso para a nação.

A maioria da bancada do seu partido, o PSL, votou pela abertura do processo de impeachment. Por quê? A gente fica sem entender. São posicionamentos muito voláteis. Há pouco tempo esse grupo defendia a vice-governadora. Depois, atacou ela de forma incisiva, brutalmente. Há pouco tempo, ela era uma bolsonarista. De uma hora para outra, não é mais. Passaram a atacá-la com justificativas que não são ligadas ao fato do impeachment.

Não justificaram por uma causa, mas reclamando de coisas nada a ver com o impeachment. Uma posição que mostrava que não sabiam o que estavam fazendo. Chegaram a dizer que se o presidente [Jair Bolsonaro] ligasse até o meio-dia, eles mudariam o voto.

É uma afronta à democracia. O processo de impeachment deve ser utilizado de maneira séria e jamais pode justificar que uma mera ligação poderia mudar seu voto. Veja onde paramos. [Disseram que] foi porque não chamei ao palanque, porque não tirei foto junto. Coisas absurdas aconteceram aqui, foi um um show de horrores nas falas [durante a votação].

O senhor também é alvo de outro pedido de impeachment, sobre a compra de 200 respiradores com pagamento adiantado de R$ 33 milhões. Eles foram entregues? Houve ilegalidade? O que sabíamos, desde o início, é que precisávamos ampliar nossos leitos de UTI e isso passava pela aquisição de respiradores. O mercado mundial estava completamente alterado em função do aumento na demanda, isso era do conhecimento de todos. Mas eu não participei do processo de compra, da escolha da empresa ou das negociações. Assim que eu soube que uma empresa havia prometido a entrega de respiradores e não honrou, determinei a abertura de uma sindicância dentro da Secretaria de Estado da Saúde e acionei a Polícia Civil, pois havia o risco de o Estado ser vítima de uma fraude em função do pagamento antecipado. Neste momento, aguardamos a conclusão das investigações para que os responsáveis sejam penalizados.

O senhor foi chamado de traidor do presidente Bolsonaro. Por quê? Eles tem acusado tanto o governador quanto o deputado federal Fabio Schiochet [PSL-SC]. Dizem que ele não é bolsonarista, mas é deputado que mais votou a favor dos projetos de Bolsonaro, mais que os familiares do presidente. O que é ser bolsonarista? O governador fez o que foi prometido na campanha: um primeiro escalão técnico, sem conchavos, relações republicana, respeito ao uso do dinheiro público. Isso é trair Bolsonaro?

Nosso governo é parecido com o que o federal tem feito. Em algum momento quando começaram a me chamar de traidor, recebi as Mães pela Diversidade, que relatavam problemas de segurança com seus filhos. Comecei a receber [movimentos] e articular. Recebi agricultores familiares porque 95% da produção agrícola são de pequenas propriedades e alguns são assentados. Por isso, me tornei um traidor de Bolsonaro. Ele é presidente de todos brasileiros, e e eu sou governador de todos catarinense.

O impeachment não é do governador, mas do governo, porque se está tentando tirar os dois ao mesmo tempo. Esta ala, que até pouco tempo era ligada à vice, passou a atacá-la. Se percebe que não há razões lógicas, de uma intelectualidade mediana, para esse tipo de comportamento. Não há justa causa para o processo.

O senhor pensa que esperavam que o senhor fosse menos moderado e mais radical, assim como o presidente Bolsonaro nas suas manifestações? Fiz uma campanha bem tranquila, meu perfil desde a campanha é este. O catarinense votou em mim [sabendo] no meu jeito. Devo isso ao meu eleitor. Eles gostam da moderação com a qual me dirijo a todos órgãos, poderes e parlamentares.

O senhor acredita que chefes do Executivo estão mais suscetíveis a sofrer impeachment? Por quê? Temos ainda esperança na Justiça [cinco desembargadores e cinco deputados julgarão se aceitam a denúncia], de que haja um julgamento que de fato leve em consideração que não há justa causa no processo, [que leve em consideração] o risco desta decisão para democracia do país.

Estamos aguardando que a justiça seja feito no estado. Qualquer chefe de Executivo poderá ser derrubado se não tiver maioria no parlamento. Isso é no Brasil inteiro. Como faz a maioria? Vende o governo? Concede a estrutura? Faz negociações políticas? É um grande desserviço [consolidar maioria desta forma]. É um risco para a jovem democracia brasileira.

A vice-governadora de Santa Catarina, Daniela Reinehr, cumprimenta o presidente Jair Bolsonaro em viagem a Florianópolis.
A vice-governadora de Santa Catarina, Daniela Reinehr, cumprimenta o presidente Jair Bolsonaro em viagem a Florianópolis. - Isac Nóbrega/PR

ENTENDA O PROCESSO DE IMPEACHMENT EM SANTA CATARINA

O que acontece agora?
Após a votação de quinta-feira passada (17) a favor da abertura do processo contra Carlos Moisés (PSL), o impeachment deixa de ser conduzido pela Assembleia e passa a ser conduzido pelo Tribunal de Justiça.

Uma comissão mista, com cinco desembargadores sorteados e cinco deputados votados, é composta. Um relator será sorteado. O relator deve formular um parecer para recomendar o recebimento da denúncia ou não. O parecer é votado por maioria simples. Caso o parecer seja rejeitado, o caso é arquivado.

Em caso de afastamento, quem assume o cargo?
Se o governador e a vice-governadora Daniela Reinehr (sem partido) forem afastados, quem assume interinamente é o presidente da Assembleia, Julio Garcia (PSD).

Se ocorrer o afastamento, por quanto tempo ele pode durar? Se for aprovada a denúncia, o governador é afastado por até 180 dias enquanto corre o processo. Se o impeachment for concluído ainda em 2020, são convocadas novas eleições diretas. Caso o processo se arraste até 2021, há uma eleição indireta, na qual os deputados escolhem o novo governador. O presidente da Casa é o favorito neste caso.

Qual o perfil do atual presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina? Julio Garcia (PSD) é considerado uma figura de fácil diálogo e respeitado pela maioria dos colegas. Recentemente, porém, ele foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por suposta lavagem de dinheiro quando era conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado).

O governador e a vice estão sendo julgados por qual crime exatamente?
A denúncia é de autoria do ex-defensor público Ralf Zimmer Junior. Para ele, Moisés e a vice-governadora cometeram crime de responsabilidade ao conceder, em 2019, reajuste salarial aos procuradores do estado por meio de decisão administrativa, sem aprovação da Assembleia.

Quais outros desgastes pesam contra ele?
O governador pode ser responsabilizado pela compra de 200 respiradores com pagamento adiantado de R$ 33 milhões. "Estávamos em desespero", chegou a justificar, por causa da pandemia de Covid-19. Moisés tem sido chamado de "traidor de Bolsonaro" por ter se afastado das pautas radicais. Com isso, perdeu apoio de cinco dos seis deputados do PSL no estado.

Qual o tamanho da base do governador na Assembleia? Seis deputados, de 40, apoiaram Moisés na votação pela continuidade do processo de impeachment. Porém o governador chegou a conseguir unanimidade quando propôs a reforma administrativa do estado, aprovada em 2019 com votos inclusive do PT.

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