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Sem citar fonte de recursos, Russomanno depende de Bolsonaro para implantar 'auxílio paulistano'

Proposta de candidato do Republicanos de complementar benefício federal é vista com ressalvas por especialistas

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São Paulo

Apostando em Jair Bolsonaro (sem partido) e seu recém-anunciado programa Renda Cidadã, que pretende substituir o Bolsa Família, o candidato Celso Russomanno (Republicanos) anunciou nesta terça-feira (29) que estuda a criação do “auxílio paulistano”, um complemento da verba paga pelo governo federal.

Devido às dificuldades financeiras da cidade de São Paulo, a proposta é vista com ressalvas por especialistas em contas públicas e por adversários do deputado federal na disputa pela prefeitura.

A implementação do projeto depende do compromisso do governo federal em aliviar o pagamento de dívidas do município com a União.

Russomanno, que é tido como o candidato de Bolsonaro em São Paulo, quer mirar nos 2,6 milhões de paulistanos que recebem o auxílio emergencial por causa da pandemia do coronavírus.

Assim como o pagamento foi responsável por aumentar a popularidade do presidente, a ideia do candidato é, na mesma linha, conquistar eleitores.

Em campanha na zona leste, nesta terça, o candidato afirmou que a proposta ainda é estudada e não deu detalhes de como ela seria financiada. A ideia veio do publicitário Elsinho Mouco, ex-marqueteiro de Michel Temer (MDB), que passou a integrar a campanha de Russomanno.

Segundo Mouco, o plano é que a prefeitura aumente de 15% a 20% o valor pago pelo governo federal com o Renda Cidadã. “São Paulo foi o epicentro da pandemia, foi a cidade mais atingida”, afirma o publicitário.

Assumindo que o Renda Cidadã incorpore os 2,6 milhões de paulistanos que recebem o auxílio e que o valor se mantenha nos atuais R$ 300 (eram R$ 600 no início da pandemia), isso significa um gasto de R$ 45 a R$ 60 por beneficiário.

O tesouro municipal teria que gastar até R$ 156 milhões por mês. Em um ano, o custo seria de R$ 1,8 bilhão. Para se ter uma ideia, a prefeitura espera investir neste ano R$ 4,6 bilhões.

De acordo com Mouco, a saída é repactuar a dívida de São Paulo com a União. Atualmente, a dívida é de R$ 42 bilhões, e o pagamento anual chega a R$ 3,8 bilhões (em juros, encargos e amortizações).

Em tese, se Bolsonaro topasse abrir mão do valor, o programa de Russomanno poderia caber no orçamento da cidade. No entanto, o gesto de amizade poderia gerar uma reação em cascata de outros municípios, que reclamariam a mesma benesse.

O governo federal já impôs duras condições de cortes de gastos e vendas de estatais a estados em dificuldade que também pleitearam alívio na dívida.

Além disso, se conseguir mesmo criar o Renda Cidadã, o governo Bolsonaro não estará em condições de abrir mãos de receitas. O financiamento do programa (via precatórios e Fundeb) é visto pelo mercado como uma tentativa de driblar o teto de gastos.

Segundo a campanha do deputado federal, o auxílio paulistano se torna incerto caso Bolsonaro falhe na implementação do Renda Cidadã. “Russomanno é o único candidato que pode negociar isso com o governo federal”, afirma Mouco, ressaltando o alinhamento entre o deputado federal e o presidente.

Se o acordo com a União for mal-sucedido, o candidato não tem um plano B para cumprir a promessa com recursos municipais, segundo o marqueteiro. "Mas ele [Russomanno] vai sensibilizar o presidente", diz o responsável pela comunicação do candidato.

Por causa do auxílio emergencial, Bolsonaro alcançou em agosto sua melhor taxa de aprovação (37%), segundo o Datafolha. Mas o presidente é rejeitado por 46% dos paulistanos de acordo com sondagem do instituto da semana passada.

Depois de dizer que ficaria de fora das eleições, Bolsonaro admitiu participar em São Paulo e vem atuando a favor de Russomanno. Seu objetivo é derrotar o prefeito Bruno Covas (PSDB) e seu principal aliado, o governador João Doria (PSDB), que pode concorrer à Presidência em 2022.

Se tivesse que bancar o “auxílio paulistano” com recursos municipais, Russomanno deixaria de investir o suficiente para construir 40 CEUs (Centros Educacionais Unificados) como o inaugurado por Covas no Tremembé (zona norte).

Financeiramente, para a cidade, o ano que vem pode ser mais duro que 2020. Com a pandemia, a prefeitura recebeu uma série de socorros, que incluem auxílio emergencial no valor de R$ 1,4 bilhão, transferências que somam R$ 1 bilhão e a suspensão do pagamento das parcelas de dívida com União.

A cidade já tinha disponibilidade de R$ 2,5 bilhões acumulados de outros anos, segundo valores divulgados pela prefeitura. No ano que vem, por enquanto, não há previsão de que esse socorro volte a acontecer. Além disso, o orçamento deve ser menor do que os R$ 68,9 bilhões planejados para 2020 (valor total que inclui custeio e investimento).

O candidato Celso Russomanno (Republicanos) visita Jair Bolsonaro no hospital de SP; presidente vestiu camisa do Ferroviário-CE
O candidato Celso Russomanno (Republicanos) visita Jair Bolsonaro no hospital de SP; presidente vestiu camisa do Ferroviário-CE - Reprodução da conta de Celso Russomanno no Instagram

“Estamos estudando o auxílio paulistano, que seria um complemento ao que o governo federal está fazendo", afirmou Russomanno nesta terça.

"Agora, [será feito] com muito critério, para saber da onde a gente vai tirar o dinheiro, para que o município continue investindo e continue com as suas atribuições que são importantíssimas, transporte, limpeza, coleta de lixo, iluminação e todas as outras coisas que são de competência do município", continuou.

A proposta de Russomanno foi vista com desconfiança por rivais na disputa —outros candidatos também apresentam propostas de auxílios para a população de baixa renda.

Para Jilmar Tatto (PT), a ideia do postulante do Republicanos carece de lastro orçamentário. “Pode ser mais uma proposta fraudulenta em relação à cidade. É discurso eleitoreiro. O presidente que o apoia não queria implantar o auxílio, apresentou R$ 200 [o Congresso chegou ao valor de R$ 600]”, afirma.

Tatto prometeu implementar a renda básica de cidadania, com o aumento do ISS para bancos, por exemplo, e quer bancar o auxílio na cidade caso o governo federal deixe de pagá-lo.

O petista, diante das dificuldades de caixa da prefeitura, evita dizer que seu programa abraçará todos os que recebem o auxílio federal. “Não vou ser irresponsável. Temos que começar primeiro com os mais vulneráveis, moradores de rua e usuários de drogas”, diz, sem estipular um valor.

Guilherme Boulos (PSOL) propõe conceder um valor entre R$ 350 e R$ 400 por família, que, segundo ele, beneficiaria mais de 2 milhões de paulistanos.

"Quando o dinheiro não vai para esquema com empresas de ônibus, para esquema com empreiteira, sobram recursos", diz a campanha do PSOL, em nota.

Márcio França (PSB) prevê o pagamento de um benefício atrelado à prestação de serviços pelos beneficiados. Segundo a campanha, serão criados 100 mil postos em frentes de trabalho.

"As pessoas são contratadas para trabalhar três dias por semana, 6 horas por dia, em trabalhos de limpeza, manutenção, pequenos reparos, jardinagem, em toda a cidade, recebendo, para isso, salário de R$ 600 ao mês", diz o candidato, em nota.

Segundo França, os recursos sairão de R$ 2,5 bilhões mensais derivados de R$ 1,8 bilhão de contratos parados com OSs (organizações sociais), e R$ 720 milhões serão oriundos da redução de 7.000 cargos comissionados da gestão municipal.

A campanha do candidato à reeleição, Bruno Covas (PSDB), afirma que São Paulo deve encerrar o ano com um déficit na arrecadação de R$ 7 bilhões e que "não há espaço para propostas irreais".

"Enquanto alguns vendem sonhos, nós mostramos o bom trabalho feito nos últimos quatro anos”, afirma o candidato, em nota.

O tucano lista entre suas ações o custeio dos salários de 108 mil trabalhadores terceirizados ao custo de R$ 375 milhões por mês e o auxílio de R$ 1.200 para 900 famílias que atuam em reciclagem e de R$ 600 para 1.400 catadores. O cartão merenda, de R$ 55 a R$ 101, é pago na pandemia a 770 mil alunos.

Há ainda um bônus para os profissionais na linha de frente da pandemia, com o valor médio de R$ 5.388.

Para o especialista em gestão governamental Thiago Borges, a proposta de Russomanno é frágil. ​"É complicado prometer algo que depende de um terceiro. A Fazenda Nacional tem que aprovar a renegociação da dívida", diz.

"É muito arriscado. Não há uma garantia de que ele conseguirá fazer isso. O risco é mais alto do que ele se remanejasse recursos do próprio Orçamento", completa o professor da Fundação Dom Cabral.

Borges lembra ainda que o sucesso na obtenção dos recursos dependeria da recuperação econômica até lá. "A previsão é otimista, mas fatalmente depende do cenário no país."

Gustavo Fernandes, professor de administração pública da FGV, avalia que, ao abraçar um programa de renda que deveria ser atribuição federal, o município corre o risco de não garantir os serviços que cabem a ele.

“Soa como uma proposta assistencialista. O governo federal tem como se endividar, mas a prefeitura está no limite. É temerário que a prefeitura entre nesse barco, porque isso vai fragilizar o atendimento em áreas essenciais, como saúde e educação, que são de competência do município”, diz.

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