Moradora da Vila Mazzei, na zona norte de São Paulo, Malu Molina, 27, irá neste ano para sua segunda campanha eleitoral. Tentou ser deputada estadual em 2018 pelo PDT e agora tentará uma vaga na Câmara Municipal pelo Cidadania.
Formada em ciência política, ela quer contribuir para as estatísticas das mulheres eleitas, mas diz não ver outra saída para o problema da subrepresentação feminina sem uma mudança nos partidos. "Sem legendas mais democráticas e transparentes, nunca vamos avançar", afirma.
A Constituição estabelece a filiação partidária como condição necessária para um cidadão se candidatar. Diferentemente de outros países, o Brasil não permite candidatura avulsa, embora a possibilidade venha sendo debatida nos últimos anos.
"As cúpulas partidárias são formadas majoritariamente por homens, brancos, heterossexuais e com uma condição financeira melhor que a da média da população. É uma série de privilégios históricos", diz Malu.
A queixa reproduz um pensamento corrente entre ativistas e movimentos que defendem mais diversidade nos cargos eletivos. O aspecto padronizado na direção da maioria dos partidos é visto como uma barreira para a ascensão de líderes cujo perfil destoa do dos caciques.
Segundo levantamento feito pela Folha, só 1 dos 33 partidos no país tem mais mulheres do que homens em seu diretório nacional, o PMB (Partido da Mulher Brasileira), com um percentual de 54%.
Na outra ponta, legendas como Novo, PCB e PCO têm menos de 20% dos cargos internos ocupados por representantes femininas.
Os dados sobre a composição das cúpulas partidárias disponíveis no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não permitem análise por raça ou classe social, mas o critério gênero já é um indicativo da baixa pluralidade.
Nos âmbitos estadual e municipal (considerando a média de todos os estados e municípios), a situação se repete, com a maioria dos partidos abrigando em torno de 30% de mulheres nos postos de comando —alguns estão bem abaixo, como o Novo, com 14%.
Para Malu, parte de seu fracasso em 2018 (ela teve 17 mil votos e ficou na suplência) e de sua decepção inicial com a política está ligada ao tratamento em sua antiga sigla, com falta de apoio na campanha.
"Para eles, era como se fôssemos meninas metidas a besta, 'quem é você?', 'cresça e apareça'", diz ela, que ingressou no PDT ao lado da hoje deputada federal Tabata Amaral.
"Comecei a ficar desapontada, porque cheguei com muita garra e via que pessoas no comando do partido não estavam interessadas em alguém que queria movimentar e liderar, e não ser apenas um militante que faz o que os dirigentes falam", acrescenta.
Malu depois foi trabalhar no gabinete de Tabata e, assim como a amiga, se distanciou do PDT. A parlamentar move um processo de desfiliação por justa causa no TSE, que ainda não foi julgado. Ela alega ter sido perseguida após votar a favor da reforma da Previdência.
O PDT nega praticar discriminação, afirma que Malu teve repasse financeiro de campanha inclusive maior que o de outros candidatos e diz que a diversidade é levada a sério na legenda. Recentemente, propagandeou que quase 50% dos candidatos a vereador neste ano na capital são pretos e pardos.
Presidente nacional da sigla, Carlos Lupi se diz a favor das causas feminina e negra e de cotas para ambos os grupos.
"A sociedade é muito machista, e a política é machista vezes dois. No Nordeste, mais ainda. Não é simples. A mulher tem dupla jornada e, quando entra para a política, todo mundo já pergunta: 'Você vai ser a primeira-dama de quem?'. É como se a mulher não pudesse ser protagonista", analisa.
Para além do caso do PDT, o exemplo é ilustrativo de um problema que atinge, em todos os partidos, outras mulheres, negros, LGBTs e pessoas com deficiência. Políticos, acadêmicos e militantes ouvidos pela Folha concordam no diagnóstico e dizem que a situação não é exclusiva de um ou outro partido.
O quadro é ecumênico também do ponto de vista do espectro ideológico. Em menor ou maior grau, partidos da esquerda à direita têm em postos de comando dirigentes que perpetuam padrões e preconceitos. Mesmo agremiações que ostentam a bandeira da inclusão ainda precisam progredir.
"Temos que olhar para o sistema como um todo", diz a pesquisadora Evorah Cardoso, doutora em direito pela USP e ativista ligada à #MeRepresenta, uma plataforma de estímulo a candidaturas de mulheres, negros e LGBTs que atua desde 2016.
"É uma questão estrutural e institucional, que passa pela maneira como os partidos historicamente funcionam e pela falta de democracia interna", resume ela, afirmando que só um questionamento efetivo dessas práticas poderá colaborar para "uma representatividade verdadeira de corpos e pautas".
Segunda deputada estadual negra eleita em São Paulo, em 2014, Leci Brandão (PC do B) cobra das legendas espaço para mulheres e afrodescendentes. "Tem toda uma dificuldade de estrutura para fazer campanha. Os partidos precisam ajudar, acreditar, dar o braço e botar para ser candidato", diz.
A parlamentar e cantora defende uma evolução da cota feminina, com a reserva de 50% dos assentos no Legislativo para mulheres —o que não existe hoje. "Tem que ter. O pensamento das mulheres é diferente do dos homens. E a mulherada está vindo com tudo, principalmente as da quebrada, das comunidades."
Um primeiro passo nesse sentido foi dado na semana passada, com a decisão do TSE que obriga os partidos a destinarem recursos do fundo eleitoral de maneira proporcional a candidatos negros e brancos. O sistema, contudo, só valerá a partir da eleição de 2022.
No caso da ampliação do espaço destinado às mulheres, já há obrigações legais para os partidos, como a reserva, desde 2010, de no mínimo 30% das vagas para elas nas chapas de eleições proporcionais.
O pleito municipal deste ano é o primeiro em que pelo menos 30% dos recursos do fundo eleitoral também precisam necessariamente ir para candidaturas femininas.
De tempos em tempos, no entanto, são apresentadas propostas no Congresso para rediscutir as regras, baixando o percentual exigido ou atenuando punições para legendas que desobedecem às normas.
Os partidos também são obrigados a destinar ao menos 5% do fundo partidário para "criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres", o que acabou forçando a criação de projetos com esse foco dentro das siglas.
Em 2018, porém, o PDT consultou o TSE para saber se os gastos com funcionárias na folha de pagamento da sigla poderiam ser considerados válidos no cumprimento da regra. O tribunal refutou a manobra.
No ano passado, a corte também desaprovou a prestação de contas dos diretórios nacionais de 17 legendas, relativas aos anos de 2012 e 2013, sob o argumento de que não conseguiram comprovar a aplicação mínima do percentual de 5%.
A lista de partidos que receberam sanção foi variada: abrangeu desde PSOL e PT até PSL e PRTB, passando por DEM, MDB, Republicanos e Cidadania.
Na prática, a fiscalização é prejudicada pela baixa transparência da prestação de contas dos partidos no Brasil. As legendas são livres para identificar, a seu critério, os gastos que fizeram para se adequar à norma dos 5%. Pode ser um evento, um curso ou uma compra de material.
"Há bastante subjetividade nesses registros", afirma Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparência Partidária, movimento que faz acompanhamento das contas dos partidos no Brasil.
"Como a lei é genérica nesse ponto dos 5%, vemos partidos declarando, por exemplo, o gasto com publicidade de TV que aborda questões da maternidade ou da administração do lar, temas que em tese teriam a ver com o universo feminino", diz. "Ainda que o anúncio tenha sido estrelado por um homem."
Issa associa as deficiências também à pouca diversidade das cúpulas. Segundo ele, a ausência de mulheres em cargos partidários é grave e precisa ser observada para além dos números. "Muitas vezes, elas até estão lá [nos diretórios], mas em posição inferior de poder, sem atribuições de impacto."
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