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Com uso de servidora, Russomanno fez acordos judiciais às pressas antes de campanha

Deputado federal e candidato à Prefeitura de SP resolveu pendências trabalhistas que se arrastavam; advogada tem cargo na Câmara

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São Paulo

Líder nas pesquisas para a Prefeitura de São Paulo, o deputado federal Celso Russomanno (Republicanos) fechou um acordo trabalhista que se arrastava desde 2016 com dois ex-funcionários de uma de suas empresas às vésperas do início da campanha eleitoral.

A advogada que representou o deputado na questão, que não tem relação com o mandato de Russomanno, foi uma servidora comissionada do gabinete dele na Câmara dos Deputados.

Russomanno, de máscara transparente, faz campanha no Mercadão de São Paulo - Roberto Casimiro/O Globo

Em 22 de setembro, cinco dias antes de a campanha começar formalmente, o acordo foi assinado pela empresa Museu do Pão e os ex-funcionários João Chaves Magalhães e Cosmo Cordeiro de Araújo.

A empresa é razão social da padaria O Forno do Padeiro, localizada em Moema, bairro nobre de São Paulo. Ela tinha Russomanno como proprietário até fechar, em novembro de 2019. O deputado segue responsável por pendências legais.

Quem assina pela empresa e aparece como representante de Russomanno é a advogada Fernanda Teixeira Popov. Ela foi nomeada como secretária parlamentar do deputado em 29 de abril de 2019, com salário bruto de R$ 6.296,34 —cargo que ainda exerce.

Popov dá expediente no escritório de representação do mandato de Russomanno no bairro de Vila Gumercindo, na zona sul de São Paulo. A Folha telefonou para o escritório às 9h15 desta segunda-feira (19) e conversou com ela, que estava no local.

Por telefone, a advogada disse que trabalhou no processo trabalhista da empresa do deputado fora do horário de expediente.

“Eu advogo fora do meu horário. Isso está previsto no estatuto do servidor público. Eu saio daqui às 18h, tenho final de semana. Trabalho aqui o dia inteiro e, nas minhas horas vagas, para outras pessoas."

Questionada se recebeu de Russomanno por esse trabalho à parte, fora de seu salário como comissionada, ela não quis responder.

Popov diz que trabalha em causas para Russomanno desde 2015 e, em 2019, juntou-se ao gabinete para dar atendimento na área de defesa do consumidor, bandeira do deputado. “É um trabalho muito bonito. A gente dá voz para quem não tem."

Os dois acertos foram chancelados em 25 de setembro pela Justiça do Trabalho de SP, antevéspera do início da campanha. Russomanno, assim, eliminou uma possível fonte de questionamentos durante o período eleitoral.

Ambos foram assinados eletronicamente por Popov em 25 de setembro antes das 18h, que ela diz ser o fim de seu horário de expediente: o acordo de Magalhães às 11h33, e o de Araújo, às 11h48.

Magalhães ganhou o direito a receber R$ 82.891 líquidos, que foram transferidos pelo próprio Russomanno de sua conta como pessoa física em 23 de setembro.

No mesmo dia, Araújo, o outro ex-funcionário, recebeu R$ 87.632,45 da NDC Comunicações, outra empresa do candidato.

O processo de Magalhães foi iniciado em 19 de janeiro de 2016, e o de Araújo, em 8 de março daquele ano. O valor inicial da causa foi estabelecido em R$ 36 mil, que equivalem hoje a R$ 43 mil.

Entre outras reclamações, os dois ex-funcionários diziam que acumulavam funções, não tinham direito a horas extras e foram demitidos sem justa causa, em 2015. Araújo foi contratado como ajudante de cozinha. Magalhães trabalhava como cozinheiro e chapeiro.

Ambos tiveram sentença favorável na primeira instância: Magalhães em agosto de 2016, em processo que correu à revelia da defesa de Russomanno, e Araújo em março de 2017.

Houve recursos e embargos, que atrasaram a conclusão dos processos durante mais de três anos, culminando nos acordos fechados quando a campanha estava prestes a começar.

Segundo Popov, a proximidade entre o acordo e o início da campanha é fortuita. Ela nega que Russomanno tenha tentado resolver a pendência para não atrapalhar sua candidatura.

“Estou tentando fazer esse acordo há muito tempo, mas a advogada deles [ex-funcionários] não queria. Estávamos em negociação. Ele [Russomanno] já queria pagar isso há muito tempo”, disse.

Popov diz que agora não há mais nenhuma ação pendente relacionada à padaria. “A pessoa ter um processo trabalhista é muito comum, não desabona em nada. O importante é que ele [Russomanno] quitou o que era devido."

Procurada, a advogada Helen Cristina Vitorasso, que representa os ex-funcionários, disse que a responsabilidade pela lentidão não foi da defesa, mas da falta de acerto entre as partes quanto ao valor da indenização.

"Houve meses e meses de tratativa de acordo, que não foi fechado porque o valor oferecido [pela empresa de Russomanno] não era o que a gente tinha em mente”, disse Vitorasso.

Russomanno tem um histórico de problemas trabalhistas, que foram explorados por adversários no passado. Na campanha de 2016, ex-funcionários do Bar do Alemão, que ele tinha em Brasília, deram depoimentos usados pela campanha de Marta Suplicy (então no MDB) em que relatavam dívidas.

Na época, a Folha listou ao menos 33 processos —15 de problemas trabalhistas. Russomanno argumentou que fez todos os pagamentos de direitos trabalhistas.

Da mesma forma, já houve casos de participação de servidores da Câmara em atividades privadas do deputado.

A Folha mostrou em 2017 que o assessor de Russomanno Fabio Bonchristiano, pago pela Câmara, dava expediente na clínica Estética Hollywood, em Moema, uma franquia do cirurgião plástico Dr. Rey. A mulher de Russomanno era dona da franquia. Ele afirmou na época que iria descontar as ausências de seu assessor.

Houve ainda o caso de uma secretária de seu gabinete que, de 1997 a 2001, teria trabalhado em uma produtora do deputado —mas o Supremo Tribunal Federal o absolveu da acusação de peculato (desvio de dinheiro público).

Outro lado

Procurada, a assessoria de Russomanno não se manifestou sobre por que o acordo foi fechado poucos dias antes do início da campanha.

Em nota, o advogado da campanha, Arthur Rollo, reiterou que Fernanda Teixeira Popov também advoga para empresas privadas após o cumprimento de sua jornada regular no gabinete, de oito horas diárias.

Segundo Rollo, ela foi remunerada para esse acordo pela pessoa jurídica Museu do Pão. “Não houve a utilização de servidora pública em questões privadas do deputado."

O advogado disse que vários secretários parlamentares que são advogados, de diversos gabinetes, exercem funções na advocacia privada em horários compatíveis.

“Tratando-se de atividades distintas e remuneradas, cada qual na sua esfera, não há o que se falar em utilização inapropriada de servidora pública para fins particulares."

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